Para quem acompanha o cenário brasileiro, mais precisamente relacionado ao Metal Extremo, entende muito bem que o Nervochaos costuma lançar discos de qualidade a ponto de equiparar com grandes expoentes mundo afora. Desde o seu surgimento ainda nos anos 90, e mesmo passando por diversas mudanças em seu line up, Edu Lane sempre seguiu em frente com seu propósito, buscando se manter no horizonte do som pesado, sem jamais perder sua identidade após adquirida. Você pode ter o disco que for como o seu favorito, mas dificilmente poderá dizer que o Nervochaos cometeu deslizes aqui ou acolá. O fato é que a banda segue sua maratona de turnês, incluindo grandes lançamentos como este. Vale mencionar a trinca recente: “Ablaze” (2019), “Dug Up… Diabolical Reincarnations” (2021), “All Colors Of Darkness” (2022); e agora completando a quadra com “Chthonic Wrath” (2023), num total agora de 11 álbuns de estúdio.
As constantes mudanças de integrantes poderiam causar sérios problemas aos paulistanos, mas acaba acrescentando diferentes e importantes elementos para cada disco, tornando-os singulares por si só. A premissa é tocar o maravilhoso e velho Death Metal, mesmo com tais elementos, aos quais enriquecem cada obra lançada.
Durante o discorrer do texto, serão colocadas em primeiro plano os principais detalhes e diferenciais causados por mais uma renovação de time. São catorze faixas no total com algumas em formato instrumental. Já a sonoridade tende a continuar direta e bastante assertiva quanto aos objetivos e raízes construídas ao longo do tempo pela banda. O lance é testemunharmos juntos esse mais novo trabalho, “Chthonic Wrath”.

Mas antes, um recado do patrocinador.
“Chthonic Wrath” foi lançado no dia 23 de março via Emanzipation Productions, contando com pouco mais de 45min de duração. A banda segue com seus novos recrutados, Woesley Johann (guitarra) e BrianStone (vocal), tendo adentrado ao time em 2020. A nova obra foi gravada no Abracadaver Studio por Adassi Adassi e Adriano Daga. Mixado e masterizado por Brendan Duffrey no BD Studio. A arte da capa é assinada por Nestor Avalos.
Agora sim, seguiremos com as audições e análises claras do novo disco para sabermos se causa aquele ótimo “caos nos nervos”, como de costume.
Sabe aquele dito, “bate antes e pergunta depois”, inserido ao exemplificar uma abordagem direta e brusca? É isso o que ocorre ao se deparar com “Son Of Sin”. Uma verdadeira pancada para desacordar o sujeito logo na primeira intervenção. O papo é reto, simples, direto e sem qualquer tipo de adereço. Ao mesmo tempo, esse cartão de visitas te joga em outros trabalhos da banda como “Battalions Of Hate” (2010) e “To the Death” (2012), de acordo com a rifferama apresentada, simulando uma locomotiva desenfreada, pronta para levar os passageiros ao som cavernoso e impiedoso como é de costume da banda. Em meio às quase totais partes insanas, temos pequenas linhas melódicas nos moldes do estilo, próximas ao que o Immolation costuma apresentar em seu arsenal. Fazer o necessário mesmo sabendo que não é o certo, é uma ação de pecado bastante abrangente, algo que condiz com a liberdade de quem não está disposto a ficar preso a nada e nem a ninguém. A escuridão é a companheira de aventuras que poderão vir através desse ímpeto voltado para o lado mais impuro, não ligando para as consequências que possam encontrar em alguma encruzilhada da vida, isso se ainda estiver vivo. Uma letra também direta ao ponto, sem segredos, mas com alguns artifícios que podem ser interpretados de diversas maneiras como fora demonstrado aqui.
“Chaos Prophets” não deixa o ouvinte buscar água e, mesmo com a sede – de sangue – causada pela faixa anterior, terá de enfrentar um violento mosh e apreciar uma linha solitária de baixo, que vem a anteceder a segunda parte da canção. É uma linha mais próxima do Death Metal europeu, mais precisamente o sueco e britânico. Quanto aos vocais, não fogem às linhas tradicionais e universais do subgênero. É aquele gutural malevolente e te faz tentar cantar igual, mesmo não sabendo fazer gutural. Vale ressaltar também o ótimo solo de guitarra na mesma pegada das linhas melódicas sangrentas que os caras apreciam e gostam de explorar. “No caminho das possibilidades / Existe uma pedra chamada coração / Um labirinto místico / Onde ninguém vai para o céu / Nós ricocheteamos nas estrelas” – não importa o que aconteça com cada ser, tudo será mantido em uma prisão sem grades sem escapatória para o mais devoto que seja. Você vive em meio a um mar de mentiras sem chance de vitória. O máximo que pode ocorrer é se afogar na própria fé cega e vã, sem entender que as intenções não servem para nada, somente importando o que fazemos e como reagimos a tudo isso.
A breve cadência de “Kill For Pleasure” evidencia o sabor pela carne sendo dilacerada pouco a pouco. O clima envolvente termina com o acréscimo do arsenal sonoro através de sua velocidade e peso inconfundíveis. O refrão consome um pouco do Thrash contido em “The Art Of Vengeance” (2014), mas mantém o pé ensanguentado no Metal da Morte. Os vocais são amplamente voltados para o tema, enquanto a cozinha impõe sua tradicionalidade à tona. O solo finaliza a canção e serve de abertura para o que vem a seguir. “Uma existência sob o signo da morte / Uma alma controlada por forças ocultas aparece / Um relacionamento com o diabo, espalhando medo / Orgulhosamente guerreando e matando, deixando rastros de morte” – a verdadeira essência da monstruosidade de alguém que tem por prazer o assassinato de seu semelhante. Matar por prazer é seu alimento e sua sede de sangue é praticamente imparável, sendo um verdadeiro servo das forças ocultas. Cheia de tremolos, a chama musical de “Taphephobia” se encontra com o lado mais mortífero do Metal e provoca uma imersão quase transcendente ao Black Metal. As linhas vocais mergulham em um lago mais rasgado e combinam elementos que equilibram o som e não o deixam perder força junto aos experimentos de seus integrantes. Destaque para os tremolos de baixo e destruição rítmica causada pela bateria de Edu. As guitarras ajudam a trazer esse ambiente ambíguo entre Death e Black Metal, acrescentando um lado ainda mais sombrio ao seu som. Aqui a canção explora o medo de ser enterrado vivo com máscara mortuária e tudo o que for possível e relacionado ao lado horripilante da coisa. Situação vivida em um dos grandes clássicos do diretor Quentin Tarantino, o filme Kill Bill vol. 2 (2004), na qual a personagem Beatrix Kiddo, vivida pela atriz Uma Thurman, é enterrada viva.
“Tomb Mold” é um tema instrumental, regado a linhas e dedilhados límpidos de violão, gravados por Ricardo Vignini. Em “Lullaby Of Obliteration” tudo parece caminhar de forma mais vagarosa e hipnótica em meio a sussurros que viram o puro suco do gutural junto com a mudança de andamento prevista. A onda visceral e massacrante toma conta do cenário novamente sem se preocupar em reinventar algum tipo de fórmula. O sistema histórico e tradicional do som do Nervochaos é mantido normalmente, mas também é possível notar tanto a evolução técnica da banda quanto aos elementos utilizados em seus dois full lengths anteriores. Os riffs mais diretos acompanhados pelos pedais duplos, dão um ar de fim de mundo excelente. E mais uma vez utilizam o solo para fechar a canção. “Você chorou por paz / Eles libertação através da destruição atômica / Você queria resolução / Você vai encontrá-lo nos escombros que é o seu túmulo” – através da destruição atômica será encontrada a paz, ou seja, através da morte sob a canção de ninar da obliteração total. Você e eu seremos apenas parte de um cenário devastado e sem a menor valia.
“Torn Apart” resgata um pouco das linhas construídas em seus dois primeiros álbuns, “Pay Back Time” (1998) e “Legion Of Spirits Infernal” (2002), somados ao caminho insano maquiavélico, guiado pelo mapa percussivo de Edu Lane e toda a base de cordas. A mesma busca por si só se tornar grandiosa e se predispõe como uma das melhores canções do álbum. Quinho e Woesley Johann demonstram bastante entrosamento ao mudarem o andamento da canção de acordo com cada riff e dedilhado apresentado. Refrão simples, potente e capaz de entrar na sua mente com muita facilidade. O ser inútil sendo dilacerado, tendo através dos versos e do videoclipe uma dinâmica clara e condizente com o tema. Podemos exemplificar de melhor forma assim:
“Banhado em meu próprio sangue
Em silêncio eu sofro
Rasgue-me membro por membro
Essa violência não tem fim
Testemunhe o abate
Meus olhos contemplam minha própria morte
Estripado sem remorso”
“Arrogance Of Ignorance” honra o próprio nome e parte para a ignorância, beirando o Grindcore, sem derrubar a estátua do rei dos gárgulas. O acelerador da cavalaria infernal emperra e a sonoridade decola rumo ao infinito do sul do céu. Não há descanso para os asseclas da desolação e o pesadelo trovejante permanece inerte para que os solos da catacumba aconteçam e ecoem por toda a masmorra. Por entre as estrofes, sabemos que toda grande causa tem seus mártires e toda guerra tem suas missões suicidas. A arrogância da ignorância se resume em uma metade da raça humana enfrentar a outra, entrando em contato conosco o tempo todo e nos dominando em vários aspectos. A vida é empurrada de qualquer maneira para que se torne competitiva, para que se possa vencer algum campeonato sem precisar de qualquer objetivo próprio além do desejo de quem o controla. Dessa vez a coisa funciona diferente, pois “Avant-garde” abre a caixa de ferramentas com um solo e somente depois parte para um ataque mais incisivo. O riff principal remete ao Death n’ Roll, mais próximo do Entomed A.D, junto ao lado mais extremo da faixa. Brian Stone não deixa por menos e impõe todo o seu ímpeto vocálico, deixando o som mais robusto e pesado. A vanguarda é colocada à tona para dizer que não é preciso ser alguém maior do que já é por motivos de terceiros. A ideia é ser você mesmo e diferente do que as pessoas costuma fazer ao relacionarem sua falta fé vá e estúpida. A relação fica estreita por existir alguém que se alimenta com mentiras mentiras sagradas.
“Falling” é outra faixa mais direta em seu início e, apesar de não apresentar nenhuma novidade quanto ao material da horda paulistana, ainda sim é louvável o seu peso e sua importância para figurar no tracklist. Em uma parte específica flerta com o Crossover, e após o retorno a essa parte, emenda em algo mais puxado para o Doom Metal para depois retomar as rédeas do sangue metálico, ou seja, do Death Metal. A canção ainda retoma a tomada mais experimental, lembrando os primeiros discos já citados acima, antes de seu fim. E por falar em fim, seus versículos mergulham em algo semelhante ao que chamamos de “o canto do cisne”, que vem a ser uma metáfora sobre a última tentativa de fazer algo grandioso por parte de uma pessoa antes de sua morte. O reconhecimento de que todo homem tem o seu lugar e toda a história tem o seu fim pode ser colocado como um ato de valor. Ao mesmo tempo, pode ser entendido como uma entrega de pontos por parecer um ato de suicídio, o que não pode ser colocado jamais como algo grandioso por se tratar da maior das derrotas em vida. Sem peso e sem fé, a vida se esvai por entre os dedos e escorre pelo ralo da morte plena. Nesse caso, o canto do cisne acaba sendo somente a condecoração do abutre, predestinado a consumir a pútrida carne de alguém que desistiu de lutar nos acréscimos da batalha. “Descending Into Madness” começa ao melhor estilo “Kairos” do Sepultura e também ao Entombed, à época de “Left Hand Path”, super clássico dos suecos de 1990. Até o dono do nanquim virtual possui uma música que contém certa proximidade, mas que nunca foi gravada. Acompanhando os encordoamentos graves, temos a segunda guitarra em modo de harmonia distorcida, trazendo mais para si o seu público. Blast beats para ninguém botar defeito e sonoridade marcante, corrida e intensa. Incluindo os distintos momentos, essa é considerada uma das melhores faixas do álbum. É difícil saber o que resta de nós e quando a letra indaga dessa forma, nos condiciona a enxergar a loucura que é viver com dores das mais diversas, não sendo problemas físicos, mas mentais e espirituais. Sensações de momento, dominados pela tristeza instantânea a qual nos rendemos se ao menos termos chance de defesa. O fardo é pesado e cada um lida de uma forma específica, tornando ainda mais complexa a estrada solitária que nós devemos percorrer sem a companhia de ninguém.
Com espaço para o baixo de Pedro Lemes iniciar “Perpetual War”, o impacto acaba sendo maior e melhor que o convencional. Uma breve lembrança de “Nyctophilia” (2017) é sentida em meio aos versos diabólicos e solos distorcidos ao se tornarem maquiavélicos e vibrantes como espíritos zombeteiros ao verem criaturas perdidas no vale das sombras.
“Seu mundo, meu mundo, está em guerra
A guerra é tudo, o tempo todo
Não há paz, apenas luta
A guerra é um estado permanente”
A guerra permanente pode ser um estado de espírito ou estar diretamente relacionada ao plano terreno e geográfico, ou ambos. Parte disso vem da doutrina cristã, a evangelização junto à perseguição, escravidão e punição aos que resistiram e combateram tal audácia. Tudo está relacionado e sempre fora disputado através de uma batalha, que resultaria em uma guerra com proporções colossais e abissais, tirando o resquício de paz que habitava entre os povoados, vítimas de imperadores cruéis e sem escrúpulos, que ao longo do tempo se divertiram em seus tronos diante de um mar de sangue causados pelos mesmos. A guerra está diante dos olhos de todos, mas nem todos conseguem observar com precisão os percalços e consequências desse mal que assola o mundo desde praticamente sempre.
“Ouroboros” é outra que não foge dos padrões tradicionais da banda. Versos ganham força ao serem proferidos com mais brevidade e de forma bem afiada. A agressividade toma conta do espírito da banda e faz com que você esteja inerte ao som totalmente old school. As variações dentro dos padrões permitem a exploração de solos mais distorcidos e condizentes com a música. A metáfora carregada pela simbologia da serpente Ouroboros, coloca em evidência um pensamento sobre o que de fato estamos fazendo aqui. Voltas e mais voltas diante dos mesmos problemas que nunca são resolvidos. Um looping eterno para o nada e sem poder resolver ou solucionar nada. Seja uma serpente ou dragão que morde a própria cauda, a eternidade está instaurada de modo místico e sem apresentar qualquer ideia que seja para esse lado imortal ser algo que preste por pelo menos um instante. É mais fácil estar calibrado para ser cego para a verdade real e, consequentemente, para continuar voltando ao problema de novo e de novo. “Weed Smokers Dream” é a faixa mais curta do disco, possuindo exatos 1:13min de duração. Direta e incisiva, despeja toda fúria de um som breve, desconjurando a tudo e a todos com sua fórmula vibrante, tanto em riffs quanto vocais acelerados. Assim como início da jornada triunfante, o final é direto e sem qualquer tipo de cerimônia. Utilizando-se de diferenciais voltados totalmente para si, oferece pontos marcantes passageiros, deixando os adeptos mais confortáveis com esse desfecho final e diante de uma temática que costuma aparecer nos álbuns do Nervochaos. A tal da erva está mais uma vez sendo representada e dessa vez parece ser através de um sonho meio maluco, envolvendo situação real e fantasiosa. Para quem aprecia o fumo “cheiroso” é um tema bem interessante. Como é propriamente dito na letra, trata-se de uma canção reefer. Esse termo refere-se a um cigarro que você enrola contendo a droga cannabis.

Considerações endiabradas finais:
Novamente, o Nervochaos aposta em suas próprias habilidades para desenvolver mais um álbum, o terceiro em um intervalo de três anos. Cada álbum mostra cada vez mais a evolução da banda e, mesmo se mantendo bem direta ao ponto, consegue encaixar nuances e trechos pertencentes a outros subgêneros sem se sujeitar a mudar o seu estilo. São ingredientes muito bem inseridos na trama e que elevam o patamar de algo que poderia ficar muito seco, digamos assim, em se tratando de pouca ou nenhuma variação sonora. Brian Stone encaixou muito bem seus vocais, alternando nos momentos propícios e ajudando a deixar tudo em ordem. Quinho, figura carismática e carimbada da banda, segue na toada com a companhia de Woesley Johann, fazendo das guitarras, grandes fábricas de riffs, solos, efeitos e dedilhados sanguinários, todos voltados para a proposta principal. Edu Lane mostrou uma maior variação diante de seu kit, mesmo sem construir nenhuma virada descomunal de bateria, o que não é de seu feitio, insere todo o seu método em cena e amplifica tudo o que costuma colocar no alicerce sonoro da banda, somados aos pequenos e importantes experimentos.
Os destaques finais ficam por conta do baixo poderoso de Pedro Lemes, muito bem gravado, ficando bastante evidente e aparente nas músicas, deixando-as ainda mais redondas, mais completas, além dos momentos em que aparece sozinho para incrementar a receita. E também por conta da produção que entregou um material de muita qualidade, unindo a nitidez quanto aos instrumentos musicais ao lado sujo da obra, deixando o clima contagiante do famoso bueiro.
O encarte do álbum possui um lance muito interessante. Pelo menos a versão nacional. E a curiosidade em questão é a ordem das letras das músicas que não seguem uma sequência reta, dando um incômodo inicial ao se deparar com esse diferencial, mas que depois se torna algo divertido. Não irei revelar qual ordem se encontram as letras para servir de estalo e para você também adquirir o material físico. Vale e muito à pena, pois afinal de contas, se trata do Nervochaos, uma das melhores bandas brasileiras de Death Metal em atividade mundo afora.
“All emotions are disgusting to me
It’s the creaking of a sensitive instrument
I’m not addicted, I’m a user
I don’t lose faith
I spread sin”
Nota: 9,0
Integrantes:
- Brian Stone (vocal)
- Woesley Johann (guitarra)
- Luiz “Quinho” Parisi (guitarra)
- Pedro Lemes (baixo)
- Edu Lane (bateria)
Faixas:
1. Son Of Sin
2. Chaos Prophets
3. Kill For Pleasure
4. Taphephobia
5. Tomb Mold
6. Lullaby Of Obliteration
7. Torn Apart
8. Arrogance Of Ignorance
9. Avant-garde
10. Falling
11. Descending Into Madness
12. Perpetual War
13. Ouroboros
14. Weed Smokers Dream
Redigido por Stephan Giuliano