O império eslavo possui muitos momentos de sofrimento e glória resultantes de várias histórias de diversas épocas vividas. Depois da disseminação da U.R.S.S. muitos países que já se declaravam independentes surgiram, dentre alguns que retomaram seu espaço no globo terrestre. Neste momento nossos saudosos leitores e amantes da boa música estão em território russo e prestes a conhecer mais uma nova banda residente de Onega. Onega é uma cidade no noroeste de Arkhangelsk, na Rússia, situada na foz do rio Onega, a poucos quilômetros da costa da baía de Onega, no Mar Branco. E como podemos notar de primeira, o Яkорь canta em seu dialeto natal junto ao famoso e pouco exposto alfabeto cirílico. Falando da banda em si, esta foi formada em 2016 e a pronúncia do seu nome é “Yakor”, que significa âncora. Nome bastante sugestivo para o estilo de som que os russos praticam o Doom Metal melódico, que por si só se sobressaem com maestria desde o seu início do qual descreverei a seguir.
Este é o debut do Yakor lançado em 1° de janeiro via Gate Of The Silver Key. Anteriormente a banda produziu uma canção em colaboração com a também russa Trawler. Banda de Soulthern Metal segundo a descrição exposta. O nome da música é Чёрный эсминец (Chornyy esminets – destruidor negro ou sombrio em tradução literal). A capa traz uma ideia mais certa do que significa, mostrando uma fotografia de navios de guerra. Agora partindo para o primeiro álbum, aviso que sensações de tristeza, melancolia, técnica e feeling percorrerão todo este trabalho em que digo logo se tratar de uma obra muito concisa e digna de aplausos. E também mencionando que as traduções dos nomes das músicas estarão inseridas ao final do texto no espaço destinado ao set list do disco.

A primeira nota de “Девятый день” (Devyatyy den’) já mostra o que eu disse acima. Algo bem arrastado como um fardo repleto de lamentações e frustrações, contornado por muitas melodias que engrandecem a canção. “Meu nono dia está cada vez mais perto / Meus dedos já estão enegrecidos / No chão congelado vou ter um refúgio / Bem, aos quarenta anos nos encontraremos novamente.” – O nono dia está perto, mas ainda há espaço para prosseguir e vontade de viver. Em “Отчаянный” (Otchayannyy), o baixo pesado e a voz carregada de Sergey Belov se unem às guitarras soturnas de Vadim Bayov e Vitaly Rudy, tomando uma quase reza de encontro às influências que passeiam por Candlemass e Dark Tranquillity. “Eu fiquei na conflagração / Eu assisti minha casa queimar / Como estão minhas mãos atadas / E as crianças estão trancadas e com chave” – tocante e intrigante como os lamentos e imploro por piedade são glorificadas pela melodia e o peso na medida impostos.
O terceiro hino lúgubre intitulado “Реквием по утопшему” (Rekviyem po utopshemu) segue sua marcha fúnebre, trazendo novamente a dupla de guitarristas em completa sintonia. O tempo e a paciência do baterista Sergey Kostin para com as partes trabalhadas no metrônomo na medida evidenciam uma completa dedicação, pois para quem toca bateria sabe que não é tão simples tocar Doom Metal por conta destes espaços que a música exige e é bem fácil de errar por conta destes “vazios” necessários. “Suas pegadas são apenas o som da água / Voe para cima, saia da ponte / Homem afogado, homem afogado / Sobre o que seus lábios estão calados? / Talvez isso não seja dado para entender vivo?” – o momento de partir deixa em dúvida até mesmo o mais experiente espírito que ao ascender aos céus leva consigo a dúvida de ter vivido o suficiente. “Укуси сильней” (Ukusy sylʹney) aparece como a quarta canção do disco e fortalece ainda mais os laços de tristeza, dor e admiração que este estilo traz musicalmente falando. Uma coisa muito boa também é que diversas passagens trazem à tona duas bandas das quais eu gosto bastante, principalmente em suas fases iniciais: Tristania e Graveworm. Ambas as bandas que passearam por esse universo, oferecendo um leque de qualidade imensurável como esta que destaco aqui neste momento. “Eu sei que você está calada / Você odeia em silêncio / Minha mente ficou cega / Ela não vê nada.”

Já ultrapassamos a metade deste pergaminho balsâmico e a faixa-título “Я не вернусь” (Ya ne vernus’) entrega ao ouvinte algo ainda mais denso e intrigante, fazendo quem gosta deste estilo vibrar como se o time para qual este mesmo torce fizesse um gol de placa. “Fazendo o meu caminho para cabelos grisalhos / Causando tristeza severa / Eu caí nesse poço preto / Adeus, eu não voltarei / Primeira neve / Me leve até você” – um adeus de quem não encontra nenhuma esperança de seguir em frente? Talvez… O mundo é cruel consigo mesmo e cada detalhe vale muito para mais ou para menos. O sexto mandamento atende pelo nome de “Пропавший лесовозник” (Propavshiy lesovoznik) e traz consigo uma boa dose de Vanitas e Darkwell para o tabuleiro das almas arrependidas e desesperadas. Mais uma despedida de quem tentou e perdeu as forças para o destino amargo e solitário: “Adeus meu amigo, floresta fria para você sepultura / E a neve não é fofa. / Acordando de repente, eu vejo isso, / Consome energia. /E não há uma alma por perto!”. O final com as últimas novas estendidas casam muito bem com que vem na sequência.
“Отец” (Otets) é a penúltima ordem de versos angustiantes deste papiro musical na qual oferece mais um pouco de tudo o que este disco contém. Porém, ela se inicia com um solo matador, trazendo uma pitada certeira de Heavy tradicional, que depois retorna à caminhada agonizante e sufocante destacada em todo o percurso, somado ao sempre utilizado canto gregoriano, que quando bem encaixado torna a obra ainda mais presente e imponente. “Deixei de acreditar em Deus / Inferno. Morda-me com fogo / Afinal, a mãe não está melhorando / Ela só piora todos os dias” – sempre é de se pensar se vale à pena acreditar ou não de acordo com o que é proposto. Cada qual que siga a sua trilha sem pesar na crença de ninguém. Lembrando a você espertalhão que não é “tetas”, hein?! É “Otets” o nome da canção. O fim está diante de nós com a última música do disco nomeada “Зарывая землёй” (Zaryvaya zemloy) com mais uma introdução voltada ao Heavy, mas naquele formato mais de balada sem nenhum tipo de exagero. Depois disso o que vem á tona é algo bastante inspirado no gigante Black Sabbath com riffs e solos bem propícios ao que Tony Iommi e cia. produziram ao longo do tempo. “Objetivo e meios / Essa não é a questão / Eu estou no meu caminho terminou / Como um corvo atrás de uma névoa negra / Você não ouve o alarme / O inferno parece um paraíso quente / Eu vim para me despedir de você” – alguns determinam até aonde podem ir e outros deixam que o “destino” tome conta de suas respectivas essências, o que de fato faz pensar em muitas coisas referentes à vida e morte. “Hoje lamentamos o nascimento / Amanhã comemoramos o funeral!”- o inverso é mais inteligente do que aparenta ser.
Concluo ao término da bolacha que continua sendo difícil analisar álbuns dessas regiões com mais rapidez e destaque devido o bombardeio de lançamentos ocidentais que caem no colo dos brasileiros com muito mais facilidade, embora este disco esteja postado há bastante tempo. Eu procuro me dedicar por igual a todos os países e províncias para conhecer novas bandas, deixando um pouco de lado os berços tradicionais da música pesada. E ao fazer isso surpresas magníficas como esta podem acontecer e acontecem com frequência. E aos que não estão nem aí com as novidades dentro deste circuito e detestam quando as bandas não cantam em inglês, dedico este último verso tirado da segunda faixa “Otchayannyy”.
“Боже помилуй.Боже…”
Nota: 9,2
Integrantes:
- Сергей Костин (Sergey Kostin) (bateria)
- Вадим Баёв (Vadim Bayov) (guitarra)
- Виталий Рудый (Vitaly Rudy) (guitarra)
- Сергей Белов (Sergey Belov) (vocal e baixo)
Faixas:
1. Девятый день – Trad. “Nono Dia”
2. Отчаянный – Trad. “Desesperado”
3. Реквием по утопшему – Trad. “Réquiem Para Os Afogados”
4. Укуси сильней – Trad. “Mordida Mais Forte”
5. Я не вернусь – Trad. “Eu Não Voltarei”
6. Пропавший лесовозник – Trad. “Portador Da Floresta Desaparecido”
7. Отец – Trad. “Pai”
8. Зарывая землёй – Trad. “Enterrar A Terra”
Redigido por Stephan Giuliano