Após uma saída conturbada do gigante Black Sabbath, da qual contribuiu com os clássicos “Heaven And Hell” (1980) e “Mob Rules” (1981), além do primeiro álbum ao vivo oficial de sua então ex-banda, o magnífico “Live Evil” (1982), Ronnie James Dio se pôs novamente à prova ao encarar mais um grande desafio em sua carreira como músico: o de ter sua própria banda de Heavy Metal. “Holy Diver” chegou destruindo galáxias a rodo e colocou o baixinho em um patamar bastante seguro para seguir em frente com a banda que carrega o seu nome artístico. A banda Dio, conforme Ronnie gostava de mencionar ao esclarecer que nunca teve o intuito de ter algo solo, estava respirando maravilhosos ares e a expectativa quanto ao sucessor do incrível e eterno debut crescia dia após dia. Além disso, o desafio de manter o alto nível era algo bastante desafiador para o cantor, apesar de ter realizado isso junto ao Black Sabbath de Tony Iommi com os álbuns citados acima. Era hora de atingir a segunda dobra de ótimos discos agora sob a sua tutela e o resultado foi muito mais surpreendente do que se imaginava.
Tendo a produção do próprio Ronnie James Dio, “The Last In Line” viu os primeiros raios de Sol no dia 2 de julho de 1984. Quem teve a honra como gravadora e distribuidora desse artefato raro de tão valioso foi a felizarda Warner Bros. Records, com destaque para o timbre instrumental bastante característico e excelente a meu ver. O segundo álbum de Dio não impactou os fãs e os veículos de informação logo de cara como ocorrera com “Holy Diver”. Muito talvez por conta do próprio “Holy Diver” ainda causar impacto por várias temporadas. O sucessor daquele que apresentou a mascote Murray ao mundo do Metal, percorreu o mesmo caminho pouco depois, alcançando ótimos números nos charts mundo afora. Agora com dois álbuns de amplo sucesso, Dio vivenciaria talvez o melhor momento de sua carreira, isso contando com as várias turnês de sucesso e cheias de pirotecnia, modelo que Dio sempre apreciava desde os tempos de Rainbow. A impactante capa apresentando Murray ao fundo de uma cidadela repleta de criaturas desesperadas é assinada por Barry Jackson.

Penso que essa é a capa mais bem elaborada de Dio e também uma das mais icônicas de todo o Heavy/Rock. Junto a isso, contando a favor do marketing da banda, o sucesso foi confirmado com os números, que por sua vez não paravam de crescer. Tanto que em 1987, ano de lançamento de “Dream Evil”, quarto e também espetacular álbum do baixinho, “The Last In Line” continuava a alcançar posições e novas marcas de vendagem. Isso resultou em diversas premiações e excelentes marcas atingidas nos mais renomados charts ao redor do mundo. A certificação Silver veio um ano antes, em 1986, juntamente com “Holy Diver”, ambas as conquistas no Reino Unido. No ano de lançamento já foi disco de ouro pela RIAA e em 1987, disco de platina. Alcançou o 4º lugar no Reino Unido e 23º nos EUA.
The “Last In Line”, assim como o inesquecível debut, é o tipo do álbum em que ao lembrar qualquer música do tracklist, você começa a cantarolar automaticamente pelo menos o refrão. Ou ela simplesmente se desenvolve na sua cabeça como se você estivesse ouvindo o disco. Não acredita?! Façamos o teste, então!
Esse é o típico e raríssimo álbum em questão de qualidade musical e sabe por qual motivo? Simples! Por não haver chance de destacar a trinca inicial, já que existe uma quadra fortíssima, a começar pelo hino “We Rock”, seguida pela estonteante faixa-título, passando pela contagiante “Breathless”, e fechando as quatro estações com a eletrizante “I Speed At Night”. Todas essas com feitos tão grandiosos que grudam na mente como se estivesse um rádio em sintonia e rolando o disco. Indo mais ao âmago da obra, temos em “We Rock” um início marcante que coloca em dúvida sobre acionar o botão repeat ou deixar ir para a próxima faixa. Isso já mostra o poderio da canção, que por sua vez, despeja um riff capaz de te colocar junto à banda como se fosse um integrante e convidado especial. Seu próprio nome incita ao simples e poderoso refrão. Mas, antes disso temos uma introdução muito bem trabalhada para que o disparo inicial seja completamente certeiro. “Você assiste seus rostos / Você verá os traços / Das coisas que eles querem ser / Mas só nós podemos ver” – somente nós enxergamos e podemos nos livrar das amarras que a mentecápta e vacilona sociedade nos impõe.
“The Last In Line” é o outro hino do disco que possui uma variação de acordes com ritmo mais cadenciado e que é capaz de ampliar a magnitude sonora causada pela faixa de abertura. Seu início calmo e tentador induz ao ato que está por vir. E a magia se faz presente até os últimos acordes. Contribuição exemplar do também exercida pelo trio composto por Appice, Campbell e Bain. “Todos nós nascemos na cruz / Nós somos o lance antes do lance / Você sabe que pode se libertar / Mas a única maneira que você vai é para baixo” – É a consequência de um percurso pré-definido que termina em completo caos. Assim como o nome da canção que também carrega um qualificado refrão, somos os últimos da fila, e se somos os últimos, tempo algum tempo para observar e analisar as nuances mundanas para não cairmos em completa tentação.
Em “Breathless” temos uma espécie de junção de suas antecessoras, ganhando um corpo próprio, fazendo valer a sequência da jornada. Sendo Heavy, Hard, Classic Rock, ou simplesmente Dio, possui seus pontos de ataque e momentos nem tão calmos, porém menos estridentes e que tomam para si todas as atenções até o seu final. “É sempre pior à noite / Quando a escuridão mata a luz / Estamos na zona de perigo” – referente ao fato de se sentir sozinho por não ser atendido e muito menos ouvido por qualquer pessoa que seja. “I Speed At Night” chega com o ímpeto de um corcel puro sangue, sendo aquela que pisa mais fundo no acelerador dentre a primeira quadra citada. É a versão Rock n’ Roll com pé no acelerador até afundar o assoalho e soltar faíscas da biqueira de aço do cidadão! Lembrando que além da produção do disco, Ronnie também cuidou da criação das melodias das canções e, obviamente, das composições. Por entre as notas afiadas temos a abordagem de um plano rivalizador entre aquele que crê e o que segue o rumo inverso. “Meus demônios, eles parecem desaparecer / Sem visão, só vejo para ouvir / Proteção, eu nunca precisei de nenhuma” – todos podem viver com suas diferenças e crenças, mas não me obrigue a pertencer ao “seu” mundo. Eu já vivencio o “meu” desde sempre e também estou cheio de problemas a resolver.
“One Night In City” é a clássica canção que remete aos momentos em que se chega de carro até o centro da cidade, tendo que reduzir a velocidade, dando um toque especial e abrangente aos detalhes do lugar. Viradas de bateria do mestre Vinny Appice para não sentir falta jamais, condução de baixo magistral e guitarra que calcula e executa em altíssimo nível seu jogo de notas e solos que destacam a história entre a obscura criança chamada Johnny, e seu encontro com a princesa Sally, após a fuga do garoto pela parte clara da noite densa que parecia ser muito bonita e agradável. Ambos queriam liberdade e se divertir pela cidade. Efeitos de voz enaltecem o lado obscuro do garoto que fugiu de seu patronos em busca de seus sonhos. O começo de “Evil Eyes” é contagiante como uma derrapada na curva às pressas para chegar no show em mesma noite. Riffs e solos precisos de Viviam Campbell simulam a ação, enquanto o mestre despeja seu vinho “vocificado” através dos versos que transcendem o brilho das estrelas. Mais uma que te puxa para cantar junto em meio a todo espetáculo oferecido. “É o chamado da cidade / O jeito que o preto é bonito para o coração mais puro / São lugares de prazer / Eles te prometem tesouros se você voar/ E então lá se vai a alma de você e eu” – estamos sendo lançados à própria sorte através do anoitecer e cada um faz a aposta que bem entender. Você pode decolar e terá que saber chegar ao solo novamente em algum momento. Nesse meio tempo vidas vem e vão, algumas sem alma, outras sem coração. E algumas escapam ilesas nessa brilhante noite.
Teclados à vista, é hora de mais um show com “Mistery”, representante da tríade final! Melodias mais que assertivas dentro de algo tão bem elaborado que você consegue entender o motivo dela estar em sétimo lugar por aqui. É aqui exatamente onde ela deve ficar. Vivian Campbell mostra em seus solos magistrais que essa é a completa verdade. “Quando há trovão, deve haver chuva / Mas nem sempre segue a regra / E o sábio está sempre certo? / Não, ele pode bancar o tolo” – em tempos atuais em que os tolos bancam os sábios, o mistério ganha força e dúvida diante da falta de sabedoria de grande parte da população corrompida e facilmente manipulada por assassinos renomados. O sábio pode bancar o tolo ainda e o faz para descansar seu espírito diante de tanta ignorância jogada aos quatro ventos. Portanto, chuva sem trovão e trovão sem tempestade podem conviver em harmonia nesse mundo mágico repleto de mistérios. “Eat Your Heart Out” com seu riff inicial “hardiloso” entrega uma bela revolta sonora junto ao discurso proferido por Dio quanto a uma garota maldosa que amaldiçoou seu personagem. O saudoso Jimmy Bain acrescenta mais tempero ao seu baixo nervoso, agregado pelos repiques amplamente convincentes de Vinny Appice para com seu kit. Os solos de guitarra abrilhantam ainda mais a curta faixa. “Eu fui um prisioneiro apenas trancado / Dentro de sua prisão de veludo / Mas não importa nada / Algumas coisas podem crescer sem a luz” – o prisioneiro liberto das garras da donzela má se vê em vantagem para contar os erros de quem o impediu de respirar. E agora… “Vá comer seu coração / Você tem sido uma garota má, má / Você esteve com fome toda a sua vida / Então coma isso.”
Para finalizar a obra magnífica de Ronnie James Dio, nada como viajar para o deserto egípcio, fazendo alusão à já citada e maravilhosa capa de “The Last In Line”, e buscar inspiração na já nascida faixa clássica, “Egypt (The Chains Are On)”. A climatização oferecida atende ao referido tema e abre o coração da criatura com a espada mais reluzente disponível. Compassos vagarosos destacam-se junto à gloriosa voz de Dio. Também se destaca o baixo de Bain com sua levada segura e cativante. Há alguns diferenciais alá Geezer Butler que enriquecem não apenas as suas linhas como a música em um todo. Guitarra que mergulha no mundo da fantasia e se distorce como água cristalina, servindo de abertura para o momento mais intenso da canção, além dos sensacionais solos de Campbell. Appice mantém o alicerce sonoro firme com seus tons e bumbos pesados. Toda a estrutura é tão grandiosa que a mesma foi interpretada pela rainha Doro Pesch.

Considerações finais:
O segundo álbum mestre da voz trouxe a estreia do tecladista Claude Schnell (ex-Rough Cutt) e isso fez com que os panos de fundo e toda a temática mergulhada através das teclas ganhasse força e qualidade, ainda que contornados pelas mãos e ideias do próprio Dio. A parceria resultou em um rápido sucesso que seria sequenciado em seu terceiro álbum, o também maravilhoso “Sacred Heart”. O clima abrangente das canções trazem a ideia de como seria um show na íntegra e, como o próprio cantor gostava de uma pirotecnia, Murray era garantia de presença, assim como Dean, após o lançamento do terceiro e já citado disco. Quem cuidou da engenharia de som foi Angelo Arcuri com o assistente Rich Markowitz. George Marino (R.I.P. 2012) fez a masterização do álbum. A concepção original da capa foi idealizada por Wendy Dio, viúva de Ronnie. E o maior defeito de “The Last In Line” é simplesmente porque ele termina.
Informações adicionais:
De acordo com a revista Hit Parader, Ronnie está em 10º lugar na lista dos 100 Melhores Vocalistas de Heavy Metal. Já pelo site Loudwire, Dio aparece na 5ª posição de acordo com a lista dos 50 Melhores Cantores de Rock e Metal. Em novembro de 2013, o cantor venceu uma disputa através da votação dos fãs, também pelo Loudwire, se sagrando o vencedor e se tornando o Greatest Metal Frontman, tendo vencido batalhas contra ícones como King Diamond, Bruce Dickinson e Rob Halford. Dio se tornou imortal através de suas músicas e isso ninguém apagará. Ao mesmo tempo que deve ser celebrado e reverenciado por toda a eternidade.
“We’ll know for the first time
If we’re evil or divine
We’re the last in line”
Nota: 10,0
Integrantes:
- Ronnie James Dio (R.I.P. 2010) (vocal, teclado)
- Vinny Appice (bateria)
- Jimmy Bain (R.I.P. 2016) (baixo)
- Viviam Campbell (guitarra)
- Claude Schnell (teclado)
Faixas:
1. We Rock
2. The Last In Line
3. Breathless
4. I Speed At Night
5. One Night In City
6. Evil Eyes
7. Mistery
8. Eat Your Heart Out
9. Egypt (The Chains Are On)
Redigido por Stephan Giuliano
Aproveite para também entender como tudo começou após a saída de Ronnie James Dio do glorioso Black Sabbath, clicando logo abaixo: