Esta notícia é uma contribuição do site Be Geeker: o guitarrista Jairo “Tormentor” Guedz, ex-Sepultura e atual The Troops Of Doom, participou recentemente de um bate-papo com o Rockast e falou sobre a precariedade técnica no início do Sepultura. Ao relembrar o primeiro ensaio da banda e as dificuldades da época, Jairo conta:
“No início foi complicado por que na verdade, não só musicalmente e tecnicamente eu era um pouco superior ao resto, e depois a evolução da banda veio com o Andreas, inclusive, e eu sempre falo isso, que ainda era muito mais técnico do que eu, tocava muito mais, ele já tinha uma escola clássica de heavy metal e tudo e trouxe toda essa mudança para a banda também. Mas no início, bem no início foi muito difícil por que quando eu fui ver o primeiro ensaio que o Max falou comigo ‘vamos lá ver o primeiro ensaio’, era ele, Paulo, o Iggor e o Wagner, que era o vocalista e depois foi para o Sarcófago, eu falei, e eu tenho um irmão de criação que cresceu comigo, produtor musical e ele é exatamente da minha idade, ele falou pra mim, ‘você não vai entrar nessa banda não, né? Você não vai entrar nessa barca que isso aí não vai dar em nada não’, por que era muita bagunça. Eu não sabia o que eles estavam tocando, e ao mesmo tempo que eles estavam tocando, eles comendo uma banana e paravam de tocar e comia uma banana e o Iggor jogava a casca de banana no Max, aí o Max pegava uma pedra no chão e jogava na bateria, aí o outro jogava uma baqueta de volta, e saíam correndo em volta do barracão lá do lote que a gente ensaiava, que eles ensaiavam, e eu falei ‘ cara, são uns moleques, antes de eu entrar nessa banda eu vou ter que educar os meninos, falar sim para eles, ‘fica quieto’, ‘segura sua guitarra’, ‘você, toca sua bateria’ [risos] por que os caras eram malucos, sabe? E o Wagner fazia muita bagunça e não cantava nada fica só gritando eu falei ‘cara, não tem condição de fazer isso’. E então a gente começou a tocar na casa do Max, fora dos ensaios, eu comecei a passar umas ideias minhas, e fomos aprendendo juntos. Eu baixei minha bola um pouquinho, o Max evoluiu bastante, começamos a ouvir muita coisa, tirar as coisas em casa, então ‘cara, é assim, os caras palhetam assim, que não sei o que’, ‘olha aí Iggor como é que o cara faz a virada dessa bateria’, então assim, agora, tecnicamente a gente não chegou a ser muito mais evoluídos naquela época por que a gente esbarrou na nossa questão de equipamento também, então quer dizer, não tinha condição também, né? O equipamento era muito ruim, era muito precário, você não tinha importação no Brasil, né? Até o governo Collor você não tinha importação então eram umas guitarras muito ruins, tudo muito tosco; o Iggor, a bateria dele era um Frankenstein de coisas de fanfarra da escola, com tambor de escola de samba, era uma zona, até ele tocar numa bateria de verdade, ele foi tocar numa bateria de verdade dentro do estúdio, quando a gente foi gravar. Foi a primeira vez que ele tocou mesmo, então, eu acho que tem gente fala assim, ‘nossa, a produção daqueles álbuns é muito pobre, é muito precária e tudo, é até desafinada’, e eu falo ‘cara, aquilo é o melhor que a gente conseguia naquela época’, até por que os produtores, o pessoal que trabalhava dentro do estúdio também não entendia nada do que a gente estava fazendo, e daquele novo estilo de rock que estava chegando, os caras não entendiam nada, eles achavam que a gente estava zoando o barraco, até chegar num ponto ali nos anos 90 onde os caras já entendiam, e o mercado obrigou que todo mundo se educasse e falar ‘isso é metal, isso é heavy metal, temos que aprender a trabalhar com isso’, então abriram as importações e Max teve sua Fender, Gibson, etc. Foi muito difícil o início.”
Jairo Guedz prosseguiu falando sobre “Bestial Devastation” e “Morbid Visions” e as críticas com relação à produção dos dois registros, o que estes discos representam para ele e o que eles têm de especial que supera qualquer crítica.
“Eu acho que o que mais representa pra mim, eu gosto muito do Morbid Visions por que é o álbum full lenght mesmo da banda, e tudo. Mas eu considero o Bestial Devastation uma das pedras fundamentais do death metal mundial, junto com outras poucas pedras espalhadas pelo planeta. Eu acho que isso é o que me dá orgulho dele, eu lembro de cada minuto da gravação, eu lembro de cada coisa da cena, do lugar que a gente estava e de tudo o que a gente passou. Era pegar ônibus para ir ao estúdio, entrar no estúdio e sentir que você está em lugar onde você não é bem vindo, os caras te olhando assim, ‘ih, olha lá, já chegou os meninos, já chegou os meninos barulhentos, que não sei o que’, aí você ia tocar o cara, ‘não, não pode usar o ampli nessa altura não, você vai estragar meu equipamento’, “não baixinho, não bate na bateria desse jeito não que você me fode’, que não sei o que não sei o que… ‘olha, sua guitarra está com um som muito ruim cara, não é assim não’, eu ‘é assim, é assim mesmo, é ruim mesmo, é distorção isso aí, é desse jeito’, por que os caras queriam dar polimento em tudo, e ia virar um Legião Urbana, eu nem sei o que é que o cara queria fazer, então assim, eles ‘rock, né? Rita Lee?’ eu, ‘não, é rock, mas não é isso não, o nosso é death metal’ e os caras nem faziam ideia do que era. E hoje, olhando para trás vendo que nós estávamos ali sozinhos, quatro moleques, eu era o mais velho, mas mesmo assim era moleque também, virgem nas ideias, e vendo que a gente estava ali contra tudo e contra todos, e a gente conseguiu arrancar um disco, o Bestial, em uma tarde de estúdio, e na outra tarde fizeram a mixagem lá, então é fenomenal pra mim, é motivo de orgulho.
A Cogumelo não tenho nada a reclamar. Pelo contrário, ela foi a única cabeça de todo este processo, as únicas pessoas que são o João Eduardo e a Patty, a esposa dele, que são os donos da Cogumelo, que acreditaram na banda que não fosse nossa família, ou nosso público. Mas quem podia fazer alguma coisa pela banda, quem tinha como investir na banda, era a Cogumelo, e ela fez. Então eu acho que juntou tudo, juntou nossa sede de tocar, gravar e fazer shows, com a confiança deles no resultado.”