Há muito tempo debatemos a origem do Heavy Metal, não somente a respeito do termo em si, assim como também sobre os elementos musicais que o constituiem. Embora a maioria das convicções aponte para o quarteto britânico Black Sabbath como o pai desse gênero e, até certo ponto, é uma opinião com ótima fundamentação, há correntes com pensamentos distintos a esse senso mais comum. Algumas delas beiram o absurdo, como por exemplo, acreditar que o Heavy Metal inicou com Iron Maiden, porém há outras ideias bem mais coerentes, utilizando a lógica factual.
Nesse texto, portanto, vamos apresentar uma dessas opiniões contrárias, que é a tese defendida e baseada em fatos pelo autor do mesmo. Antes de mais nada, é necessário dizer que não há, de maneira alguma, a tentativa de chegar a uma verdade absoluta. Essa matéria tampouco representa o pensamento de toda a equipe do Mundo Metal. Dito isso, embarquem conosco em uma fatia importante da história da música pesada. Pois, independente de sua conclusão, a relevância do que apresentaremos aqui é inegável e inegociável.
Santíssima Trindade do Rock Britânico + Judas Priest = A origem do Heavy Metal tradicional
Em primeiro lugar, esse subtítulo já deixa claro que o Black Sabbath jamais pode estar fora quando o assunto for a origem de todos os subgêneros de Heavy Metal. Entretanto, ele não é o único pai dessa criança e nesse caso temos uma múltipla paternidade.
1968/1969 – As sementes
Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath surgiram quase ao mesmo tempo no final da década de 60. Como resultado, a revolução que eles plantaram no Rock’n’Roll jamais deixou de dar frutos até então. O primeiro deles a gravar foi o Deep Purple, lançando o seu debut “Shades of Deep Purple” em 1968. Mas a sonoridade ainda era bem comum na década em questão, apesar do sucesso de “Hush”, cover de Joe South. Ainda no mesmo ano, veio o segundo álbum “The Book of Taliesyn”. Talvez somente o tema instrumental “Wring That Neck” represente um pouco do que a banda se tornaria em um futuro próximo. O terceiro auto-intitulado veio no ano seguinte, um pouco antes do debut do Led Zeppelin, “I”, que por sua vez, principalmente por causa do estilo de Robert Plant, já se mostrou algo pouco mais impressionante. Tanto que Led Zeppelin lançou “II” logo em seguida, já mostrando que eles não estavam para brincadeira.
1970 – As raízes da origem do Heavy Metal tradicional
O ano de 1970 é, inegavelmente, o mais importante quando nos referimos as raízes do Heavy Metal. O quarteto da cidade de Birmingham, Black Sabbath, anteriormente Earth, foi o primeiro do três a lançar nesse ano e lançou o seu lendário debut. Aquele som sombrio das guitarras de Iommi, o baixo “gordo” de Geezeer Butler, a bateria quebrada de Bill Ward, assim como a risada macabra de Ozzy Osbourne assustaram a alguns e maravilharam a outros.
Ainda no final de 1969, logo após o lançamento de seu terceiro disco, Deep Purple trocou seu vocalista e seu baixista. Dois integrantes da banda Episode VI, o galês baixista Roger Glover e o britânico vocalista Ian Gillan, os substituíram. Dessa forma, nascia a Mark II do Deep Purple para marcar seu nome na história da música para sempre.
Em seu quarto álbum, “Deep Purple In Rock”, a revolução de sua sonoridade, finalmente, aconteceu, sendo como um novo começo de história. Na faixa de abertura, “Speed King”, o baterista Ian Paice apresentou uma aceleração incomum para a época. Da mesma forma, a voz de Ian Gillan e a dinâmica de solos de Ritchie Blackmore (guitarra) e Jon Lord (teclado) se sobressaíram. O mesmo podemos dizer sobre “Child in Time”, os agudos inalcancáveis de Gillan fizeram dele uma lenda e tornaram-se referência para o que viria posteriormente.
“Paranoid”, o maior sucesso comercial do Black Sabbath
Em setembro de 1970, foi a vez do Black Sabbath presentear ao mundo com “Paranoid”, seu segundo disco. Um trabalho completo e fantástico em todos os sentidos, apresentando os mesmos ingredientes “malvados” do debut, só que em um estágio de maior evolução. “War Pigs” criticando as guerras que estavam acontecendo naquela época, e nunca deixaram de acontecer, e “Paranoid” fizeram um sucesso incrível. Ainda cito “Eletric Funeral” que, do mesmo modo que a canção “Black Sabbath”, faria nascer em um futuro não tão próximo o que chamamos de Doom Metal.
Ainda em 1970, saiu “III” do Led Zeppelin. Nesse disco temos “Immigrant Song”, uma canção com uma levada ímpar. Talvez provavelmente, ela tenha ajudado a influenciar as “cavalgadas” do Heavy Metal. Ainda assim esse não foi o disco mais importante desse quarteto.
1971 – O caule
O primeiro dos três a brilhar em 1971 foi o Black Sabbath. Eles lançaram o seu clássico terceiro disco “Master Of Reality”, encerrando, desse modo, o ciclo do produtor Rodger Bain, do qual falaremos mais adiante nessa matéria. O single “Children of the Grave” já mais a cara do Heavy Metal que conheceríamos adiante. Inclusive podemos a definir essa canção como Heavy/Doom. A produção do baixo de Geezer Butler resultou em algo que serviu de referência para muitos baixistas que vieram depois dele. Além disso, “Lord of this World” e “After Forever” se agigantaram em peso e intensidade.
Após o sucesso de “In Rock”, Deep Purple apresentou o álbum “Fireball”, o segundo com a produção de Martin Birch. A faixa título que abre o disco “doa elementos” para o que chamaríamos mais tarde de Speed Metal. Vocês, certamente, devem me perguntar se “Speed King” já não fez isso no registro que lhe antecede. A resposta é sim, podemos batizar tanto “Speed King” como “Fireball” de proto-Speed Metal.
A Santíssima Trindade do Rock Britânico encerrou 1971 com “Led Zeppeling IV” ou álbum sem título. Esse foi o mais importante disco da banda, já que poucos álbuns o superaram em vendagem até o presente. “Rock’n Roll”, “Black Dog” e “Stairway to Heaven” são os maiores clássicos que nasceram nesse disco, tornando-se até símbolo dessa geração de 70’s.
1972 a 1974 – As folhas
Deep Purple
Em 1972, Deep Purple lança “Machine Head”, seu principal clássico, o qual vendeu quase dez milhões de cópias só na época do lançamento. “Highway Star” e “Space Truckin'” quase entram na mesma “classificação” de proto-Speed Metal que “Speed King” e “Fireball”, ainda que sejam um pouco mais amenas. Todas as canções desse disco são perfeitas, mas só essa que citamos é que consideramos importantes para a formação do Heavy Metal.
Já em 1973, “Who Do We Think We Are” chega em um momento difícil de relacionamento interno. Tanto que no mesmo ano, Ian Gillan junto com Roger Glover deixam a banda. David Coverdale e Glenn Hughes, respectivamente, os substituem, fazendo com que a Mark III nascesse. A Mark III gravou dois discos no ano de 1974, “Burn” e “Stormbringer”, sendo justamente as faixas títulos as que mais se parecem com o que chamaríamos adiante de Heavy Metal.
Black Sabbath
Em setembro do mesmo ano, Black Sabbath lança o seu quarto álbum, “Volume IV”, que a princípio se chamaria “Snowblind”. Mesmo que conste o nome de Patrick Meehan como produtor, a banda sentiu-se livre para fazer o que bem entendia no disco, livrando-se da tirania de Rodger Bain. A produção ficou levemente “abafada” e isso deu as canções um clima ainda mais macabro. O seu sucessor “Sabbath Bloody Sabbath”, de 1973, mantém a mesma filosofia de produção, mas o resultado final fica nitidamente melhor que “Volume IV”. Sua faixa título é, decerto, o melhor exemplo para o tema de nossa matéria.
Led Zeppelin
Diante do sucesso de seu quarto registro oficial, Led Zeppelin descansou em 1972, pois, segundo consta, Jimmy Page estava passando por um período de baixa criatividade. Tanto é assim que, em “Houses of Holy”, de 1973, os teclados de John Paul Jones é que são responsáveis pela maioria do “riffs”. Ou seja, o teclado passou a ser o principal instrumento da harmonia do Led Zeppelin desde então. Talvez por conta dessa observação é que o disco passa batido em relação ao nosso assunto, mesmo sendo perfeito em sua parte musical, já que sua sonoridade é totalmente presa ao Prog Hard Rock.
Raízes fora da Santíssima Trindade Britânica
Fora dessas três bandas em questão, Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin, há muitas raízes de Heavy Metal que poderíamos citar, mas, obviamente, vamos dar apenas alguns poucos exemplos para que não nos alonguemos demais. Assim sendo, vamos citar alguns dos mais importantes: a conhecíssima canção “Helter Skelter” dos Beatles é sim proto-Metal. Sim, os garotos de Liverpool também colaboraram para o Heavy Metal e em mais de um exemplo, pois se prestarmos bastante a atenção, a parte final de “I Want You (She’s So Heavy)” remete ao que conhecemos atualmente como Doom Metal.
Enquanto em 1971, Led Zeppelin lançava “Immigrant Song”, uma banda alemã chamada Lucifer’s Friend impressionava a Europa com “Ride The Sky” e há quem diga que houve plágio nesse caso. Preferimos pensar com sendo somente coincidência, já que tanto a voz de Robert Plant quanto a de John Lawton são impressionantes e para agora é isso que mais importa.
Motörhead
Motörhead nasceu na cidade de Londres, na Inglaterra, no ano de 1975, a princípio como Bastards. Seus quatro primeiros álbuns, “Motörhead” (1977), “Overkill” (1979), “Bomber” (1979), assim como “Ace of Spades” (1980) são a própria tradução do que é Heavy Metal, tanto na sonoridade, quanto na atitude. Além disso, Motörhead foi uma das principais influências para o surgimento do Thrash Metal.
Lemmy Kilmister é a própria personificação do que é o Heavy Metal, criticando, sem freios, à classe política, ao Estado e às religiões, sem exceção, e o melhor de tudo, sem o maldito politicamente correto. Ao contrário do Judas Priest, Motörhead não se inspirou na Santíssima Trindade do Rock Britânico, mas no próprio Rock’n’Roll em si.
De 1976 a 1980 – Judas Priest, as flores, os frutos e a padronização do Heavy Metal
Em 1974, outra banda britânica de Birmingham, Judas Priest, lançou o seu álbum de estreia, “Rocka Rolla”, porém, o produtor Rodger Bain (ex-Black Sabbath), achou o som da banda, pasmem, muito pesado e tirou toda a intensidade do quinteto no resultado final do disco.
Já em 1976, sem Rodger Bain, Judas Priest, conseguiu mostrar a sua verdadeira sonoridade, juntando todos aqueles elementos os quais cederam Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin, unindo tudo isso em uma só música, a qual, finalmente, pudemos chamar de Heavy Metal tradicional, com todas as letras. Essa tendência foi se intensificando e a cada novo disco do Judas Priest, “Sin After Sin” (1977), “Stained Class” (1978) e “Killing Machine” (1978), os elementos de Blues presentes no Hard Rock da década de 70 foram dando lugar aos elementos clássicos que formaram o Heavy Metal tradicional.
Quando surgiu a NWOBHM no final da década de 70, “British Steel” do Judas Priest, em 1980, surfou nessa onda, afinal de contas, Judas Priest mereceu participar da festa do gênero que ele ajudou as juntar as peças do quebra-cabeças e definir em um formato padrão.
As influências na música do Judas Priest
A fim de ajudar os leitores a refletirem mais profundamente sobre o que dissemos, daremos alguns exemplos, em forma de questionamentos, de canções do Judas Priest que têm influência na Santissa Trindade:
- Será que os agudos de Rob Halford na lindíssima “Dream Deceiver/Deceiver” não lhes fazem lembrar o que Gillan fez em “Child in Time”?
- Será que os riffs de “Victim Of Changes” e “The Ripper” não lhes fazem lembrar os riffs que criou Tony Iommi?
- Por último, será que a canção “Evil Fantasies”, a qual fecha o álbum “Killing Machine”, não lembra nem um pouco Led Zeppelin?
Respondam para vocês mesmo e cheguem as próprias conclusões, só não digam que não há fundamentação para o que afirmamos, pois há de sobra.
Judas Priest e a Santíssima Trintade Britânica do Rock a partir de 1980
Na início da década de 80, como já dissemos, Judas Priest passeava pela NWOBHM, ao passo que Black Sabbath fez exatamente o mesmo ao lançar os álbuns “Heaven And Hell” (1980) e “Mob Rules” (1981) com Ronnie James Dio no vocal. Led Zeppelin encerrou suas atividades logo após o falecimento de John Bohnan, em 1980. Quanto ao Deep Purple, que havia encerrado suas atividades em 1976, retornou em 1984 com a Mark II para a gravação e lançamento de “Perfect Strangers”, permanecendo até os dias de hoje, porém sem exercer a mesma relevância de outrora.
Black Sabbath encerrou suas atividades definitivamente em 2015, dois anos após o lançamento de seu último disco, “13”, com 75% de seu line-up original.
Já o Judas Priest, atualmente, continua firme e forme, mesmo com uma história que teve altos e baixos, continua mantendo viva a chama do Heavy Metal através de albúns como o seu mais recente lançamento, “Invincible Shield”
Conclusão
Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath criaram os elementos formadores do Heavy Metal, mas, salvo Black Sabbath, nunca foram bandas que assinassem esse gênero. Coube ao Judas Priest a tarefa de reunir todos esses ingredientes de autoria da Santíssima Trindade de Rock e uní-los em uma música única, chamada Heavy Metal tradicional.
Mas, se para vocês, a fórmula “Santíssima trindade do Rock Britânico + Judas Priest = A origem do Heavy Metal tradicional” não está correta, apresente a sua versão dessa história, estamos loucos para saber.
Belo texto , mas existem algumas ressalvas , kkk .