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Sepultura: “o Brasil é um dos piores lugares do mundo para morrer”, diz Andreas Kisser

O guitarrista do Sepultura, Andreas Kisser, revelou em uma nova entrevista a Loud TV, que a morte de usa esposa, Patrícia Perissinoto, em junho de 2022, após perder a batalha contra o câncer de cólon, acelerou a sua decisão de encerrar as atividades do Sepultura e iniciar uma turnê de despedida. Andreas comentou sobre o doloroso processo pelo qual passou após a morte de Patrícia e refletiu sobre a morte, o movimento Mãetricia (criado em homenagem à Patrícia) e o tabu que existe em cima do tema da morte no Brasil.

   

“Sim, com certeza. Definitivamente. A morte de Patricia, minha falecida esposa, foi há dois anos e meio, devido ao câncer. O processo foi muito doloroso, muito difícil, é claro, como podemos imaginar, mas tem sido uma experiência aberta, para conhecer a mim mesmo, minha família, novas oportunidades de falar sobre a vida por causa da morte.”

Ele acrescentou:

“O Brasil é um dos piores lugares para morrer. Muitas pessoas são esquecidas pela sociedade, passando pelos mesmos problemas com câncer e doenças muito difíceis e coisas assim. E eu criei esse movimento para inspirar e estimular as pessoas no Brasil a falar sobre a morte em muitos aspectos, sobre eutanásia, sobre suicídio, suicídio assistido, sobre cuidados paliativos, especialmente, porque no Brasil, ainda estamos crescendo dessa maneira, porque minha esposa, ela tinha cuidados paliativos e coisas assim.

Tivemos o privilégio de dar isso, por causa do seguro saúde e todas essas coisas. Mas a maioria das pessoas no Brasil, elas não têm isso. Então começamos esse movimento, essa campanha, um festival Patfest, um festival de música também que fizemos por dois anos agora. Acabei de fazer a terceira edição agora para arrecadar fundos para as pessoas que tomam e dão cuidados paliativos para as favelas no Rio, para as pessoas muito pobres que são esquecidas pela sociedade e coisas assim, e ao mesmo tempo estimular as pessoas a falar sobre a morte.

Aprendi que a morte é a minha maior professora. Estou aprendendo muito sobre a vida porque respeito a finitude. Não podemos controlar isso. Todos nós vamos morrer. Você vai morrer. A câmera vai morrer. [Risos] Qualquer dispositivo eletrônico. Então é o que é. Não podemos escolher. O que podemos escolher é viver o momento. A intensidade do presente é muito mais intensa se você respeitar a finitude.

Se você vai assistir a um filme no cinema e ele não tem fim, não há significado, não há mensagem. Um livro, qualquer coisa que você faça na vida, um trabalho, esta entrevista, temos que terminar. A maneira como pensamos em fases — começo, causa e efeito; começo, meio e conclusão. E essa é a vida. Vamos respeitar isso. Não vamos tentar viver para sempre, IA, robôs e todas essas coisas. Vamos ser humanos e respeitar a finitude, respeitar a morte.”

Andreas ainda vive o processo do luto, e fala sobre a importância de discutir a morte e cuidados paliativos com a família, por mais que alguns considerem um tema incômodo. Ele explicou:

“Tem sido muito incrível para mim, a experiência que tive com minha família, minha esposa e o Sepultura agora. É algo muito respeitoso que damos a nós mesmos, o respeito pelo presente e pela vida que temos. Claro, é uma situação muito difícil, muito dolorosa, muita tristeza e pesar, o pesar, mas ao mesmo tempo, há uma beleza em torno de tudo. Devemos falar sobre morrer com nossa família, os últimos desejos, como vamos dividir o dinheiro para as pessoas que ficam, os documentos que você precisa assinar.

As pessoas têm essa ideia de que se você falar sobre morrer, coisas ruins vão acontecer e coisas assim. É totalmente o oposto. E Patricia, minha esposa, ela costumava falar sobre morrer todas as vezes. Como muito normal. Ela dizia: ‘Quando eu morrer, por favor, não esqueça meu travesseiro. Não esqueça meu cobertor. E coloque meu pijama e meias nos meus pés porque eu não quero ficar com frio. E todos nós rimos sobre isso. Mas quando ela morreu, nós fizemos isso.

Não consigo explicar em palavras a sensação de realizar um desejo de sua pessoa amada. Coisas simples, coisas simples. E isso traz paz para você. Traz compreensão. Traz um sentimento de gratidão pela vida por ela fazer parte da nossa vida por tantos anos. Tenho três filhos com ela, e muitos dos Andreas que eu costumava ser morreram com ela. Mas estou descobrindo outro que está surgindo disso. É uma experiência muito — não sei como posso descrever — incrível. É o que é. É a vida. Vamos viver enquanto estamos vivos. Viver é cuidar de nós mesmos até o último minuto. É por isso que os cuidados paliativos entram em jogo.

Fiquei chocado ao ouvir dos médicos no Brasil, quando tudo estava acontecendo com minha esposa, que apenas uma pequena porcentagem dos hospitais no Brasil tem uma equipe paliativa. Eu disse, ‘Que porra é essa, cara? Como você faz isso? Você improvisa ou simplesmente deixa seus pacientes morrerem ou simplesmente dá a eles morfina?’

Os cuidados paliativos são tudo. A medicina em geral deve ser paliativa, cuidar de nós mesmos. Todos nós vivemos com doenças em nossa vida e temos que lidar com isso. COVID, por exemplo. Estamos lidando com isso. Estamos aprendendo a lidar. Não tem cura, mas aprendemos a lidar com isso. E esse é o tipo de pensamento que precisamos mudar, especialmente no Brasil, e falar sobre morrer, como eu disse, eutanásia, suicídio assistido e tantas coisas diferentes que a maioria dos brasileiros nem sabe que existe, a possibilidade, enquanto nossos vizinhos no Equador, no Chile ou na Argentina estão muito mais avançados nessas questões. O mesmo nos EUA, o mesmo na Europa, como Suíça ou Bélgica, em lugares diferentes. Não sei sobre a França, mas acredito que há uma discussão que aconteceu ou ainda está acontecendo… Em Portugal recentemente também.

Então precisamos estimular as pessoas no Brasil a falar sobre isso, pelo menos para ter uma discussão, para que possamos avançar como país e melhorar nosso processo de morrer. Nós podemos realmente melhorar muito. Podemos trabalhar e melhorar muito esse processo. Mas ele está crescendo. Nos últimos três anos após o festival, tornei pública minha experiência falando sobre minha esposa e tudo o que aconteceu, em entrevistas e tudo, durante o festival e etc., e sentimos que está melhorando. Então estamos muito felizes por podermos transformar nossa dor como família e amigos em algo vivo assim, tão positivo e tão inspirado, pelo menos para nossa família e para mim. E está crescendo, então vamos ver.”

Assista a entrevista completa abaixo:

   

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