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Resenha: Yaşru – “Kar Prensesi” (2021)

Gravadora: SoundAge Productions

   

Istambul é considerada uma das grandes cidades e pontos turísticos do mundo, pertencente logicamente à gloriosa e brava Turquia como sua capital. E é de lá que em meados de 2009 surgiu o Yaşru, que significa mistério em turco antigo. Calcado em temas que envolvem sagas históricas locais e conflitos antigos na Ásia Central, o power trio turco aposta na junção entre o Folk e o Doom Metal para espalhar a sua mensagem por todo o continente e, consequentemente, para todo o globo terrestre. Berk Öner (ex-Seraphim, ex-Sidre) na voz e guitarra, Ömer Serezli no baixo, e Cemil Can Çolak na bateria formam a trinca importante e necessária para condução do navio que parte de Istambul com seu quinto álbum de estúdio em busca de maior reconhecimento e uma fatia mais representativa do mercado fonográfico de Heavy Metal. Sucessor do álbum “Ant Kadehi” (2017), “Kar Prensesi” foi lançado no dia 12 de fevereiro via SoundAge Productions e também foi disponibilizado pela distribuidora CD Baby (todas as plataformas digitais). Completam a discografia os álbuns: “Öz” (2014), “Börübay” (2016) e o já citado “Ant Kadehi” (2017). Somente no álbum anterior é que o guitarrista Batuhan Yıldırım é creditado, de acordo com as informações obtidas.

O enredo turco para este álbum coloca em evidência toda a aura e essência do Folk diante da melancolia forjada junto ao Doom para que juntos possam trazer diversas sensações ao ouvinte. Essa é a ideia inicial que me passa ao encarar esta situação nova que é a de ouvir mais um lançamento e apresentar ao caro leitor que nos acompanha e que nos possibilita a angariar mais bandas e discos para que possamos juntos aprender cada vez mais sobre esse universo musical que tanto amamos. O Metal está em voga por aqui como sempre e para os adeptos que não conhecem a carreira do Yaşru poderão acompanhar agora através dos parágrafos voltados para “Kar Prensesi”. Normalmente o Folk Metal possui uma lista de bandas com temas mais alegres e atrativos aos povos festeiros que amam uma fogueira que enfeita as reuniões tradicionais de época. Mas, com essa junção ao Doom que é praticamente o oposto de toda essa festividade, acaba deixando uma curiosidade a mais no ar. Afinal, quando uma banda se propõe a investir em estilos antagônicos quando confrontados, não é tão fácil assim de manter uma harmonia entre as extremidades. Outro fator importante são as camadas sonoras que podem ir para um lado e para o outro de modo tão claro que ocorrem aquelas emendas ou pausas das quais atrapalham o andamento da canção. Não é toda banda que consegue executar estilos diferentes em que as mudanças e climatizações ocorram de modo natural. Resta saber se o misterioso Yaşru consegue executar essa tarefa com êxito.

“Kışın Tatlı Hüznü”

O Doom acobertado pelas tradições locais começa a espalhar sua mensagem através de “Kışın Tatlı Hüznü”, que possui um lyric video em que a neve sobreposta cai sobre o cenário indicando o ciclo final da vida através da chegada do intenso inverno. “Os assobios do vento ecoam na floresta / As canções de inverno dos lobos misturam-se com estes assobios / Uma espera silenciosa no frio do chão / “Ta escuro” meu amigo / Em minha triste solidão” – o silêncio dos pássaros e o céu no horizonte em tons de roxo e avermelhado através do pôr do sol enfeitam e condecoram os últimos passos. Em compassos arrastados com bases mantendo um ritmo que lembram ideias contidas no Black Metal, mas sem sair do Doom de origem, contemplam os vocais que parecem ecoar de modo sombrio entre as montanhas congeladas. As bases principais de um Doom denso e entristecido estão bem presentes com detalhes refinados que engrandecem o trabalho. O famoso tremolo da qual estava sendo colocado no início da jornada se faz ativo junto a este cenário. O Folk Metal aparece em um segundo plano administrando estes detalhes repletos de tons, cores e cheiros de esperança que se esvai, mas que de algum modo soa bem e serve de entrada para os solos de guitarra de Mr. Berk que também é o dono dos vocais cavernosos que conduzem a trama. Ao comparar com bandas mais renomadas posso citar o Tristania em seus tempos áureos e o Graveworm com suas camadas sonoras extremas, soturnas e vocais com tais características citadas. Em “Uzak Karanlık” nos deparamos com mais uma mensagem pesada de um fardo que incomoda a quem passara ou passará por isso. As lembranças dos entes queridos que se foram e deste que acaba de enterrar com suas próprias mãos, sem saber o real sentido de tudo isso e os motivos de não poder atingir a plenitude ao se libertar o do plano terrestre o quanto antes. Para não ficarem apenas nos versos, estes são acobertados por sonoridades oriundas de instrumentos históricos locais, até que os acordes intrínsecos dos instrumentos convencionais se mostram presentes. Com uma aura mais Folk, a caminhada revela ainda mais mistério diante das mensagens lúgubres desferidas pelos vocais característicos de Berk. Já o baixista Ömer (sei que você pensou no consagrado Homer J. Simpson) apresenta linhas de baixo muito marcantes, enquanto a bateria de Cemil carrega o piano de tristezas com grande competência. As variações sonoras mostram um Yaşru em excelente fase até o presente momento. Os instrumentos folclóricos locais são denominados como instrumentos étnicos, e, como são mais de um, apenas são colocados dessa forma. Talvez até para facilitar as informações, mas seria mais interessante estarem descritos para serem colocados em pauta de um modo melhor.

   

A terceira escadaria central da música contraída por fortes emoções é logo ali onde está escrito na placa: “Sonsuzluğa Uğurlarken”. Seria um novo especial do Ken Masters no novo Street Fighter? Calma aí, que não mudamos o cenário! Apenas um momento de descontração diante de um trabalho bastante acumulado por urânio entristecido. Pense que é como aquele seu amigo que perde o controle no velório e começa a rir copiosamente sem parar. Bem, continuando… Enquanto aguardamos o adeus à eternidade, passamos por muitos percalços até o desfecho final onde é contado através de uma canção instrumental. Aqui o álbum te transporta por horizontes turcos mesmo que nunca tenha viajado para este lugar. Mergulhe em teu passado e perceba o quão breve é a vida, e quando o sopro gelado do inverno vem, estremecendo e congelando a sua espinha, num piscar de olhos toda a sua vida é repassada até a chegada de seu último suspiro e a queda definitiva. Elevação espiritual. Uma vez que o ciclo do tempo e vida há de continuar. É hora de partir. Viva esse momento no instante em que “Kar Prensesi” mostra o lado mais Folk do disco com toda a orquestração necessária e voltada para o tema e para a estrutura do estilo original do Yaşru. E é através da faixa-título “Kar Prensesi” que o segundo álbum dos turcos segue seu rumo dessa vez se utilizando de linhas vocais limpas, além das conhecidas vozes cavernosas e submundanas. Destaque para os pedais duplos executados por Cemil nos momentos mais intensos da canção. Mais melódica que as anteriores, esta abre espaço para o Folk que tem o Doom como seu reforço primordial para que o nível da obra permaneça no alto. “Em um dia frio e escuro de inverno / Você olhou tão profundamente para mim / Significou uma despedida eterna / Flocos de neve em seu cabelo preto / O cheiro que você deixa enquanto abraça / Ainda em meus ombros agora” – uma despedida é sempre uma despedida, não importa como e quando ela aconteça. Doerá e o único remédio proposto é praticamente o de ir embora para sempre junto. Essa parte pertencente a este plano astral não costuma reunir as duas almas, mas de algum modo uma vigia e cuida da outra, se assim for aceito entre as partes através do âmago dos seres envolvidos. Músicas que lidam com temas sensíveis costumam tocar mais intensamente ao serem analisadas de modo mais detalhado, e isso faz a mente de quem escreve ir ainda mais adiante do que se fosse apenas ouvir de modo corriqueiro ou simplesmente ligar o som. Costumo dizer que adoro as chegadas e odeio as despedidas, mesmo que o sentido para isso seja em vida ao invés do que fora proposto na obra. Afinal, despedida é sempre uma despedida. O nome da causa dessa despedida para todo o sempre agora é Princesa da Neve.

“Kutsal Saygı”, mais especificamente sendo o santo respeito, envolve os padrões que remetem à vida desde o início dos tempos. A mãe natureza oferece a vida e os recursos para que cada ser possa vivenciar a sua estadia até que aquela que ofereceu a todos os seres possa cobrar a essência e o corpo carnal de cada um destes mesmos. “Nesta vida o que você tem na mãe natureza / Tudo vive, pelo menos, tanto quanto você tem um direito / Não existe imortalidade neste mundo, respeite a terra / Lembre-se, você tem um dia para dar a esta terra o seu corpo” – respeitar essa terra é o que menos a humanidade faz e só se lembra disso quando ela mesma apanha da vida. Isso sem contar aqueles que propõem coisas sem sentido para toda a sociedade ao mesmo tempo em que se ausenta da trama. Aí fica fácil opinar se esquivando das adversidades que possam surgir. O legado é deixado de modo que faça prevalecer o Folk Metal através dos bons ventos guiados pela luz que permeia a escuridão de nossos pensamentos. Os solos são tão bem encaixados que acabam combinando junto aos instrumentos étnicos destrinchados na canção. E o que se pode notar além das próprias músicas e suas mensagens em si é que o álbum começa praticamente todo Doom, e vai ganhando uma aura Folk, até que a partir da terceira canção já muda o cenário colocando o Folk na linha de frente. Ainda aproveitando o parágrafo deixo um trecho da faixa traduzida e bastante interessante: “Você ouve o sussurro dessas árvores? / Você ouve a melodia desses mares? / Você ouve a respiração desta terra? / Não é tão difícil de entender, os sentimentos de todas as almas.”

Mais pesada e com um andamento mais agitado devido ao kit de Cemil, “Başka Boyutta” entra em clima de despedida do álbum. Sim, já estamos no rodapé deste papiro turco musical e, apesar das músicas serem mais longas como cortesia do estilo, dá a impressão de serem mais curtas, tamanha à qualidade de ambas até o momento. Junto à sensação de saudade ao mesmo tempo em que somos jogados em outra dimensão, a canção final alerta sobre dor e sofrimento de forma injusta, reforçando que o fim do mundo está em suas lágrimas. Ou seja, quando há a desistência, há o fim para tudo e até mesmo para aquela alma inocente atormentada. São os caminhos sem nomenclatura de justiça ou bondade. Isso é dependente de escolhas terrenas e nem sempre as escolhas condizem com determinada trajetória. “Se um buraco de minhoca nos tirasse daqui / Se nos arremessasse longe e amplamente / Nos livraríamos dessa dor sem fim / Vamos nos encontrar em dimensões infinitas.” Ultrapassando os sete minutos e 30 segundos, não é uma música tão longa assim, mas é a maior faixa do álbum e uma das mais potentes em seus pontos altos, e equiparável às antecessoras nos pontos mais melodiosos e repletos de acabrunhamento. Vocais graves e limpos enveredam por toda a arquitetura construída para este último desdobramento sonoro. Uma escolha bastante acertada para o fechamento deste livro de poesias esmorecidas. Na altura dos quatro minutos entram aqueles formatos orquestrados que se isolam e são tocados livremente até que surgem linhas sonoras que remetem ao fim da canção de modo calmo sem maiores exaltações.

Chegamos sãos e salvos desta viagem envolta por diversos sentimentos que muitas vezes são ignorados por demonstrarem fraqueza de acordo com certos aprendizados. Sofrer, chorar, sentir dor, saudade, enfim, tudo isso é muito humano e cada um de nós passou ou passará por tais sensações. Não que seja algo a desejar para o próximo (desde que este seja alguém de valor), mas por ser algo humano, comum e real, não se pode deixar de lado mesmo que venha a ser algum tipo de fraqueza. Pois, a partir disso a pessoa pode se fortalecer e isso realmente costuma acontecer. A Princesa da Neve como é retratada é entendida como todo tipo de perda irreparável, desde um falecimento até mesmo uma viagem para nunca mais se encontrar novamente. É difícil pensar que isso possa ter ocorrido de diversas formas até com quem está com o controle do lápis virtual, mas é complicado desde uma perda de uma pessoa amada que se foi e nunca mais voltou até mesmo uma perda definitiva sem mesmo poder dizer adeus. E quanto aos outros temas que são ligados a este, é compreensível tal entendimento e o que é esclarecido nas canções condiz com a obra em si. Tudo é provido pela natureza e um dia a natureza requer tudo de volta para a partir daí iniciar um novo ciclo da vida.

Quanto à sonoridade demonstrada pelo Yaşru, houve uma evolução grande em relação aos trabalhos anteriores de modo a constar que no universo do Folk Metal, o pessoal de Istambul pode muito bem ampliar a sua fatia de mercado, e assim que for viável a volta dos shows, poderão mostrar de melhor forma o seu novo trabalho e a sua forma de unir o Folk ao Doom numa harmonia especial e personalizada. O Folk está em alta, assim como todo o Metal em si, e ao lado dos primos Pagan e Viking estão numa fase talvez jamais imaginada. Afinal de contas, não é um tipo de som tão fácil de assimilar. Até eu mesmo custei a ouvir determinadas bandas e perceber a qualidade das mesmas. Assim como os russos do Alkonost que lançaram um álbum impecável, o Yaşru também mostrou do que é capaz, e está firme e pronto para alçar voos cada vez maiores. A receita apresentada é muito boa e super positiva para o atual momento em que muitas pessoas estão refletindo sobre estes tempos sombrios. E o mapa do Heavy Metal continua a ampliar seus horizontes, deixando cada vez mais aquele papo de meia dúzia de países de lado. O Metal é global, diria o antropólogo Sam Dunn com suas pesquisas e seus excepcionais documentários. E em meio a isso bandas de todos os cantos do mundo estão surgindo e lançando discos de gente grande. Que o Yaşru siga firme, pois já se pode imaginar um novo álbum mais adiante. E que mais bandas de diversos lugares possam aparecer e conquistar o seu espaço.

   

Cantar em seu dialeto natal é algo muito gratificante não só para quem compõe, mas também para quem gosta de ouvir outras línguas, mesmo que não as entenda de imediato por não ser fluente em determinado idioma. Mas, a música é arte. E a arte possui linguagem universal.

“Yine de gelir dedim, döner dedim, ben bekledim
Yine de gözlerim hep uzaklarda, ufuklarda”
“Dediler ki; fırtınada kaybolmuşsun, uzaklarda
Dediler ki; senin adın artık, Kar Prensesi”

Nota: 9,1

Integrantes:

  • Berk (vocal, guitarra)
  • Ömer (baixo)
  •    
  • Cemil (bateria)

Faixas:

  • 1. Kışın Tatlı Hüznü
  • 2. Uzak Karanlık
  •    
  • 3. Sonsuzluğa Uğurlarken
  • 4. Kar Prensesi
  • 5. Kutsal Saygı
  • 6. Başka Boyutta
   

Redigido por: Stephan Giuliano

   

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