Não sabemos exatamente os motivos que fizeram o diretor Jonas Åkerlund transformar em filme a infame trajetória de Dead, Euronymous, Varg, além de todos os famigerados incidentes que aconteceram na Noruega no início dos anos 90, mas o fato é que apesar de bastante violento, chocante e, em muitos momentos, brutal, “Lords Of Chaos” conta a história de um período marcante para a cena Metal. Ele abrange o período da criação do estilo mais radical e extremo entre todos, o Black Metal. E o gênero existe até hoje, inclusive, sendo responsável por uma quantidade generosa de bons lançamentos nos últimos anos.
O filme foi baseado no livro “Lords Of Chaos: The Bloody Rise Of The Satanic Metal Underground”, escrito por Michael J. Moynihan e Didrik Søderlind. O livro relata o surgimento da cena Black Metal norueguesa e foca nos crimes que ocorreram em paralelo no mesmo período. Já o filme, lançado em 2018, como o próprio poster de divulgação deixa claro, é uma história feita de verdades e mentiras. E por que isso? Simples, porque não se trata de um documentário, mas de um filme que tem como intuito entreter e não apenas informar.

Mais perto do que você pensa da realidade
Apesar disso, se você assistir ao documentário “Until The Light Takes Us”, que traz todos os acontecimentos através da ótica de músicos e pessoas que vivenciaram tudo, vai notar que os principais fatos receberam uma abordagem feita com extrema responsabilidade em “Lords Of Chaos”. Até porque o diretor Jonas Åkerlund, de certa forma, estava envolvido na cena Black Metal desde o início. Não se trata de um outsider criando factoides, Åkerlund foi baterista do Bathory no seminal disco de estreia do grupo, esteve envolvido com a cena sueca durante os anos 80 e acompanhou de perto os desdobramentos referentes ao Black Metal norueguês.
Dito isto, podemos dizer que muitas das críticas feitas a “Lords Of Chaos” na época foram desferidas por fãs super passionais que não gostaram de ver seus “heróis” sendo retratados como adolescentes estúpidos. Mas sim, nem tudo mostrado nas quase 2 horas de duração da película deve receber tratamento de verdade incontestável. O próprio Varg Vikernes, assassino confesso de Euronymous, fez críticas mencionando como “mentiras” alguns pontos apresentados. Ok, ele pode ter razão em algumas afirmações, mas é fato que as “mentiras” mencionadas não alteram em absolutamente nada a narrativa exposta pelo diretor.
Varg, em sua “análise”, fez menção a uma possível homossexualidade de Euronymous, apesar que esta afirmação nunca teve confirmação. Sendo assim, ele critica a inclusão de uma personagem, Ann-Marit, que aparece no filme como namorada do líder e guitarrista do Mayhem. Ele também diz que Euronymous não havia cortado o cabelo antes de seu assassinato, como mostrado em “Lords Of Chaos”, e segue com pequenas alterações que, na verdade, não importam muito. Para o desenrolar da história contada, mesmo que todas essas pequenas correções fossem feitas, não mudaria nada.

Realismo chocante nas cenas de violência
Seguindo, é preciso dizer que o filme é bastante minucioso e trata determinadas passagens com extrema clareza e riqueza de detalhes. Como todos sabem, a criação do True Norwegian Black Metal foi muito mais que a ascensão de um estilo musical, mas uma história de crimes e mortes. Nesse aspecto, é preciso dar mérito ao diretor, que conseguiu retratar as ocasiões mais escabrosas do filme com um realismo chocante, capaz de causar incômodo e desconforto no expectador.
Logo no início, a narração de Euronymous prepara o mais desavisado com a seguinte fala:
“Esse sou eu, um adolescente comum, você deve imaginar. Mas não poderia estar mais errado. Eu sou Oystein Aarseth, ou melhor, Euronymous. Eu fui trazido a este mundo para criar sofrimento, caos e morte. Essa é a minha história. E ela vai acabar mal.”
Para aquele que conhece os fatos, de cara, sabe que a narrativa descreve exatamente o que vai acontecer, porém, mesmo sendo avisado previamente, você vai ficar estarrecido com a crueza e veracidade transmitida pelas imagens. “Lords Of Chaos” é uma história sobre excessos, sobre inconsequência e sobre radicalismo. Não chegou para agradar fãs ou enaltecer um estilo musical, mas para retratar uma época onde um grupo de jovens resolveu misturar música, ideias confusas e extremismo religioso. E o pior, alguns deles resolveram viver no limite tudo aquilo que expressavam em palavras através de suas músicas e reuniões secretas nos porões do Inner Circle.

O filme é melhor entendido se analisado em três etapas.
1 – Contexto histórico
A primeira é a que traz o relato histórico, apresentando todos os degraus galgados pelos músicos até a criação do Black Metal. Desde a sagacidade e genialidade musical de Euronymous ao revolucionar o Metal extremo com uma sonoridade totalmente inovadora, passando por seu instinto de liderança e finalizando com o espírito empreendedor ao abrir a própria loja de discos (Helvete) e depois fundar uma gravadora (Deathlike Silence Productions).
2 – Personagens desarranjados mentalmente
A segunda etapa é a que abrange a brutalidade arraigada na mente doentia de alguns dos personagens que envolvem a trama. Três cenas definem muito bem esse aspecto: o suicídio de Dead, retratado de uma forma atordoante e sob uma atmosfera pra lá de tensa; o assassinato do homossexual Magne Andreassen, cometido por Bård Faust (baterista do Emperor), uma cena fortíssima e repleta de violência; por último, o assassinato de Euronymous, esta, a cena mais chocante e impactante do filme. A crueldade, paranoia e raiva de Varg, transpassada de forma brilhante pelo ator Emory Cohen, se transforma no grande destaque em termos de atuação.
3 – A disputa de egos entre Varg e Euronymous
Na última etapa, analiso a roda gigante de emoções em que Varg e Euronymous viviam. No início, Euronymous é o personagem central da cena norueguesa e Varg não passa de um poser que ninguém dá a mínima atenção. Varg, no entanto, vai entendendo o cenário em que vive e começa a se metamorfosear. Ele possui algo que Euronymous não tem, a coragem de executar os planos mais absurdos sem ligar para as consequências. É interessante este ponto da análise, pois quando o filme chega em seu clímax, Varg se torna o personagem central, o cara que invoca a radicalidade dos discursos inflamados, já Euronymous, tem noção que as coisas estão ficando fora de controle e começa a planejar um futuro para ele e sua banda, mas saindo daquele mar de insanidade. Obviamente, ele não teve tempo disso.
Os dois personagens são bastante extremos e é difícil analisar o quanto ambos eram psicóticos. A mensagem que fica é de que dependendo de quão fundo você mergulhar na insanidade, jamais sairá dela.

O Inner Circle
O filme ainda possui uma abordagem muito interessante em torno do Inner Circle. O grupo é popularmente conhecido como uma espécie de seita satanista/pagã, formada por jovens extremistas que agiram em conjunto em prol de um ideal previamente estabelecido, para atear fogo em diversas igrejas da Noruega como revolta pela apropriação cultural do cristianismo no país.
Esta narrativa é totalmente desmontada durante o filme, evidenciando que a parte ideológica fica totalmente em segundo plano. As ações são, inclusive, retratadas como sendo bastante aleatórias. O Inner Circle já existia antes da chegada de Varg, e ele percorre um caminho não muito fácil até ser convidado para participar. Mas o grupo não era mais do que uma reunião de adolescentes trevosos em um porão escuro. Essa realidade só muda quando Varg, à fim de chamar a atenção para seu disco recém lançado, resolve ir sozinho e atear fogo em uma igreja. Recebido como herói por Euronymous depois disto, a partir deste ato a relação entre ambos começa a estreitar.

Fuja dos extremismos
Não posso finalizar esse texto sem deixar muito claro que nada do que é exposto neste filme (com exceção da parte musical), deve ser louvado, reverenciado ou aplaudido. “Lords Of Chaos” é uma história de desgraça, morte, extremismos e muita violência. Os eventos acontecidos na época só deveriam servir de exemplo para que as futuras gerações jamais levassem o radicalismo ideológico a tais níveis. Pode parecer óbvio, mas Dead, Varg e Euronymous não são exemplos a serem seguidos e muito menos copiados.
Fico com a sensação do filme girar em torno da velha máxima: “adolescentes fazem merda”, mas aqui em uma escala muito maior. Mesmo em um país desenvolvido, com economia pujante, sem pobreza ou desigualdades sociais, as coisas podem sair de controle. Quando jovens desocupados e entediados tem acesso a ideologias perigosas e resolvem agir em grupo, o resultado não pode ser bom. E não foi mesmo, ao contrário do filme, este sim, uma experiência intensa que merece ser compartilhada.
Nota: 8,0
