O Heavy Metal tradicional vem se destacando nos últimos tempos graças a enxurrada de bandas que vem aparecendo ano após ano como resultado do movimento denominado NWOTHM (para os leigos, uma menção ao movimento inglês NWOBHM, mas agora, fazendo referência a nova onda do Heavy tradicional retrô). Este novo movimento tem uma premissa simples e funcional, que é resgatar aquela sonoridade mais pura que nos remete ao início dos anos 80. Com isso, tivemos uma nova geração inteira de bandas, soando como os nossos heróis do passado e isso deveria ser motivo para uma alegria sem fim, mas alguns questionamentos são capazes de nos preocupar (leia-se tirar o sono). Vamos a eles:
- Estes novos nomes conseguirão fazer frente a geração pioneira que praticamente criou todos os grandes pilares musicais do estilo?
- A NWOTHM conseguirá nos dar mais do que um simples revival de uma época mágica?
- Stallion, Enforcer, Ambush, Skull Fist, Metal Inquisitor, RAM, Night Demon e tantos outros, são apenas clones ou, realmente, tem potencial para levar o Heavy Metal a outro nível jamais imaginado?
- Sem uma grande exposição na grande mídia mainstream, como essa galera poderá garantir uma longa e proveitosa carreira?
- Caso consigam isso, como farão sem entrar em um looping infinito de repetição de fórmulas?
Vamos tentar responder a alguns destes questionamentos nesta análise e, ao final, o caro amigo leitor poderá tirar as suas conclusões.
Primeiro, devo fazer uma explicação prévia, escolhi este novo trabalho do Stallion para abordar este tema por um único motivo: “Slaves Of Time” conseguirá elucidar, basicamente, todas as perguntas realizadas anteriormente. Esta será uma resenha diferente.
1. Produção
Em um passado próximo, o Stallion não admitiu interferência externa em seus álbuns. Os integrantes da banda produziram e mixaram o debut “Rise And Ride” e o ótimo “From The Dead”, gerando algumas críticas implacáveis a respeito de como a musicalidade de ambos os registros poderia ser melhor. Em “Slaves Of Time”, buscaram um profissional do ramo, trata-se do engenheiro de som Marco Brinkmann, que deu um polimento diferenciado as músicas e deixou a produção mais ajustada.
2. Evolução musical
Recomendo “Slaves Of Time”, principalmente, aos que ouviram os trabalhos anteriores e torceram o nariz. A banda demonstrou ser resiliente e, de forma natural, começa a apresentar um estilo próprio ao tocar um gênero já bastante datado e sem muitas opções de inovação. Conforme os anos estão passando, os integrantes vão, nitidamente, dominando melhor os seus instrumentos, se aprimorando tecnicamente e, com isso, ganham segurança para se arriscar por terrenos ainda não explorados (sem abandonar as suas principais características, só pra deixar claro).
A musicalidade deste disco é muito abrangente, trazendo desde canções bem tradicionais como “Meltdown” e a faixa de abertura “Wake Up The Demons”, esta segunda, com uma introdução belíssima, riffs cortantes e um refrão pra lá de pegajoso, até porradas Speed Metal de primeira linhagem como nas devastadoras “Kill The Beast” e “Dynamiter”. Ainda há espaço para uma viagem Hard ‘N’ Heavy a lá AC/DC com a grudenta “Time To Reload” (uma das melhores músicas da banda) e coisas que beiram o Thrash Metal, caso de “No Mercy” e “Merchants Of Fear”.
3. Identidade
Somente estas músicas já garantiriam uma boa nota a “Slaves Of Time”, mas é aí que entram três sons um tanto diferentes e tudo fica bem mais interessante. “All In” e “Brain Dead” trazem um conceito parecido entre si, mas é evidente que nessas composições, a banda está encontrando algo novo dentro de sua própria identidade. Ambas possuem algumas variações, mudanças bruscas de andamento e viradas inesperadas, além de criar uma experiência única que te faz viajar entre os estilos mais tradicionais. Vou exemplificar usando sonoridades de bandas manjadas e você vai pescar a idéia, em “Brain Dead” começa com um Overkill em ritmo frenético e vocais rasgados, de repente, tudo muda e você já está ouvindo King Diamond, depois entra um solo totalmente Judas Priest… Deu pra entender? É importante ressaltar que essas mudanças bruscas ocorrem com muita naturalidade e caso você não esteja com todas as atenções voltadas a audição, provavelmente, nem vai notar. Um adendo importante, mesmo citando nomes clássicos, o Stallion tem sua própria abordagem e jamais soa como um uma mera cópia.
4. Diferencial
Bem, se você chegou até aqui, já percebeu que estamos diante de um álbum diferenciado e, em todo álbum diferenciado, existe uma música diferenciada. “Slaves Of Time” não foge a regra e nos apresenta a grandiosa “Die With Me”. As grandes bandas dos anos 80, vez ou outra, nos agraciavam com power-balads majestosas, podemos citar aqui “Beyond The Realms Of Death” (Judas Priest), “The Eagle Has Landed” (Saxon), “Remember Tomorrow” (Iron Maiden) e tantas outras, é fato que esta nova geração, com pouquíssimas exceções (talvez “Ode To Death”, no último do Enforcer, e “Ravnfell”, no último do RAM), ainda não tinha conseguido reproduzir muito bem estes tipos peculiares de power-balads, ao menos até agora. “Die With Me” é um deleite e há muito tempo eu não ouvia algo tão mágico. Começa como uma poderosa balada, vai crescendo, encorpando e culmina em um som pulsante e repleto de passagens memoráveis. Um clássico dos novos tempos!
5. Respondendo aos questionamentos
Nos anos 80, os estilos estavam sendo criados enquanto as bandas lançavam seus discos. Era algo como um assustador “tudo ao mesmo tempo agora” e, talvez por isso, muitas bandas não conseguiram desenvolver todo seu potencial. Alguns poucos nomes se tornavam gigantes colossais e aqueles que permaneciam no underground, eram fadados ao esquecimento. O número de grupos promissores que não passaram do debut ou do segundo disco foi estratosférico. Era tudo muito dinâmico, nos primeiros anos da década de 80 tínhamos o Heavy clássico em alta, em seguida surgiu o Speed, o Thrash, na sequência o Power, o Death, o embrião do Black e, simplesmente, não havia tempo. As pessoas iam se interessando pelas novas sonoridades e, muitas vezes, iam deixando as antigas de lado, como músico, você seguia a onda ou ela te levava. Eram tempos desbravadores e somente os mais cascas-grossas ou aqueles agraciados pelo poder das gravadoras sobreviveram. Hoje não é mais assim.
As bandas pertencentes a esta nova geração não vão ser grandes ou integrar o mainstream como os heróis do passado conseguiram, afinal, a grande mídia não está mais interessada no Heavy Metal (pelo menos por enquanto), por outro lado, as novas bandas não dependem mais das megacorporações para que sua música chegue aos seus fãs, não precisam compor canções comerciais para tocar nas rádios, não precisam “vender suas almas” e, tão pouco, conviver com a pressão de ter que vender milhares de cópias para continuar existindo. Vivemos em um mundo globalizado e digital, onde você acessa uma página como esta em uma rede social e tem acesso imediato a informação necessária para escutar aquela banda que pode vir a ser sua paixão
Talvez, esta nova safra não consiga fazer frente aos pioneiros, mas terá algo que eles jamais tiveram: tempo para se desenvolver de maneira adequada. Errar, acertar, evoluir, criar identidade, amadurecer…
Talvez, esta nova safra tenha aparecido não para emular ou promover um revival de uma época que não voltará mais, mas para dar a estes jovens músicos, todas as condições que muitos de nossos heróis (famosos e anônimos) não tiveram para que o Heavy tradicional evolua e chegue a um novo patamar jamais pensado.
Talvez, este seja apenas um devaneio romântico, mas caso você resolva dar play em “Slaves Of Time” ou em algum outro grande disco lançado por esta nova geração e, ao fazer isso, você sinta aquela sensação indescritível tomando conta, aquele arrepio que sentimos todas as vezes em que paramos pra ouvir o nosso gênero musical predileto, talvez, você vai concordar comigo.
Nota: 9,5
Integrantes:
- Aaron (bateria)
- Äxxl (guitarra)
- Pauly (vocal)
- Stämpfe (baixo)
- Clode (guitarra)
Faixas:
- Waking the Demons
- No Mercy
- Time to Reload
- All In
- Brain Dead
- Die with Me
- Merchants of Fear
- Dynamiter
- Kill the Beast
- Meltdown
Redigido por Fabio Reis