Quem vivenciou de perto sabe que o ano de 1986 foi mais um dos bastante produtivos no quesito Heavy Metal, e sabe também que foi um ano que proporcionou aos seus respectivos adeptos um vasto leque de discos, os quais se tornaram grandes clássicos do Metal mundial, em pouco tempo, devido a cada um desses trabalhos ser completo por si só, ou seja, nos padrões de discos em que você não pula uma faixa sequer e mal sabe dizer qual a sua favorita, já que vem à sua mente várias canções de um mesmo álbum. E o caso vai mais além quando pensamos nas gratas surpresas ocasionadas por grandes mulheres que engrandeceram ainda mais a qualidade e a variedade não só dos discos, como também das bandas que vieram a conquistar o seu devido espaço e a sua fatia de mercado. Vale ressaltar que quando citamos determinadas bandas, temos que baixar um pouco o sarrafo para não simplesmente jogá-las em patamares nunca alcançados pelas mesmas. O Holy Moses nasceu e permaneceu no underground, talvez um pouco no meio termo que é aquele, que para muitos, trata-se de um estado em que a banda está bem com uma ótima base de fãs/clientes e que não sofre os males do mainstream que normalmente muda a musicalidade das bandas ao alcançar o estrelato e justificar a sua manutenção com tais mudanças, o que não é simples nem de longe.
Quem pincela o quadro com os garranchos digitais revela ao nobre leitor que este conheceu o Holy Moses da grandiosa Sabina Classen (hoje com seu sobrenome de solteira, Hankel-Hirtz) graças a um de seus amigos que era e é bastante fã da banda alemã. Isso foi meio graças também aos suecos do Arch Enemy que tinham à frente de seus vocais a super competente Angela Gossow, e isso acabou ligando os pontos, digamos assim. Por nome essa banda de Aachen, North Rhine-Westphalia, já era conhecida, mas ainda não havia despertado o total interesse em aprofundar o conhecimento perante a sua sonoridade. Agora voltando aos anos 80, não era nada fácil ver uma banda com mulheres ou com uma mulher liderando conseguir o seu espaço rapidamente. A rainha Doro Pesch ajudou a despertar isso em meio a outras mulheres que já eram consideradas ícones da música pesada, mas sabemos que a desconfiança era maior e não é preciso explicar muito isso. Claro que existem exceções como no caso da própria Doro, que inclusive já revelou que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito ou imposição por ser mulher. Isso é muito gratificante saber por entender que existem saídas para esse tipo de situação, afinal, nem todo mundo é ignorante a esse ponto. Sobre o Holy Moses, a banda aparenta ser mais nova, porém surgiu nos redondos anos de 1980! É isso mesmo, garotinho! Nos primeiros cinco anos de existência lançou exatamente sete demo tapes, mostrando que precisavam lançar um álbum completo se quisessem ao menos se manter firmes no cenário que era amplamente competitivo e exalava enxofre do bom em se tratando das excelentes bandas. O Thrash Metal americano, por exemplo, vivia o seu auge que nunca mais seria alcançado novamente, durando até os primeiros anos da década posterior.
Com um pé no Speed, os thrashers alemães depositavam toda a sua energia em prol da música pesada e veloz, e pareciam saber o que estavam fazendo. A banda foi fundada por Ramon Brüssler e Jochen Fünders e sua demo mais famosa é a de 1985, intitulada “Walpurgisnight”, que possui a faixa de mesmo nome que logo depois figurou no set do debut, e também é uma das canções mais conhecidas deles no geral. Antes da estreia de “Queen Of Siam”, foi lançado um split album nomeado “Metallic Bunny’s Fast Collection” (1985) com as bandas Fact, Atlain, Steeler e Carrie, e também mais uma demo no mesmo ano da primeira bolacha giratória. Lançado no dia 12 de maio via Aaarrg Records, eles finalmente conseguiram o seu maior sonho à época, fazendo um bom barulho na cena local e em lugares aos arredores. O álbum foi produzido por Ralph Hubert, e todas as composições receberam as assinaturas de Andy e Sabina Classen. A obra foi gravada no Phönix Studio, em Bochum, e foi masterizado no Studio-Nord-Bremen. Além dos ex-casados Andy (guitarra) e Sabina Classen (vocal), a banda contava com o saudoso Herbert Dreger (R.I.P. 2012) na bateria e Ramon Brüssler (Brüsseller) no baixo. O também baterista Jörg Michael contribuiu com gravações e arranjos, apesar do crédito todo estar ligado à banda. Mas, se o Holy Moses não figurou entre as principais bandas desta magnífica vertente em seu início, até por já contar com bandas mais experientes no cenário, como eles alcançaram tal alcunha? Não foi apenas por lançarem um álbum incrível como é o excelente “Queen Of Siam”, mas por promover a ideia de que as mulheres podem figurar facilmente em bandas de Metal extremo, e foi aí que a ideia ganhou força. Através dos guturais e linhas rasgadas de vocal de Sabina, outras mulheres puderam se inspirar em sua técnica e seu jeito de fazer música. O receio de alguém torcer o nariz foi deixando de lado e logo adiante outras mulheres puderam se aventurar por esses temas. E se hoje em dia temos diversas bandas com mulheres fazendo vocais mais agressivos, incluindo também o nosso país, deve-se e muito à Sabina e a outras mulheres de sua época que souberam se arriscar e explorar um novo lugar que anteriormente era bem raro de avistar uma mulher “berrando” por lá. Por conta do ano de lançamento, o álbum da banda germânica foi ofuscado por outros álbuns de bandas conterrâneas, e de regiões vizinhas. O lado bom é que mesmo assim a banda conseguiu seguir em frente e permanece na ativa até os dias de hoje, contando com apenas a Sabina como membro original.
O Thrash agressivo praticado pelo Holy Moses atraiu diversos amantes da música pesada que eram fãs de bandas do porte de Slayer, que lançara um de seus grandes clássicos, o maravilhoso “Reign In Blood”, aproveitando o parágrafo para mencionar outros grandes tesouros do esporte sonoro lançados neste mesmo ano: “Master Of Puppets” (Metallica), “Pleasure To Kill (Kreator), “Peace Sells… But Who’s Buying” (Megadeth), “Darkness Descends” (Dark Angel), “Doomsday For The Deceiver” (Flotsam And Jetsam), “Eternal Devastation” (Destruction), “Game Over” (Nuclear Assault), “Morbid Visions” (Sepultura), “Possessed By Fire” (Exumer), dentre muitos outros itens valiosíssimos. Só para tomar como parâmetro em relação ao tipo de som tocado por quem aprecia guitarras mais cavernosas e serrilhadas. E isso favoreceu o Holy Moses que soube muito bem explorar isso e angariar mais fãs, e estes fãs passaram a ir atrás do seu álbum de estreia, tornando esta que já tinha uma experiência bacana através de suas demos lançadas antes do álbum, uma banda que poderia voar mais alto do que o considerado normal. Baseando o seu som nos moldes de Kreator e Destruction, o Holy Moses chamou a atenção com vocais guturais e uma levada muito pesada, que superava outros nomes conhecidos à época. Se compararmos com as linhas sonoras de bandas como Necronomicon, Darkness, Assassin e Accu§er, só para citar algumas, verás que o riff teu não foge à luta, e que a fórmula executada pelo Holy Moses é ainda mais calcada em construções mais pesadas do que a maioria dessas bandas. E se as bandas de Teutonic Thrash Metal não se sobressaiam tanto em relação às vendas de discos, os seus shows eram disputados à tapa, e, nada como vender os seus discos no seu próprio show. Foi a partir daí que a banda começou a crescer e se tornando cada vez mais conhecida. É só ver hoje que se alguém citar o nome de Sabina, logo lembrará sua banda e seu disco de estreia. O Holy Moses teria lançado três demos oficiais, sendo a primeira, “Black Metal Masters” de 1981, seguida pela já citada “Walpurgisnight” de 1985, e finalmente “The Bitch” de 1986. As demos “oficiais” adicionais consistem em sessões de ensaio, bem como apresentações ao vivo. Tudo isso contribuiu para o breve, porém, produtivo sucesso com a vinda do tão esperado debut. O público que passara a cultivar de sonoridades mais pesadas que o Heavy Metal tradicional e convencional à época ainda era pequeno comparado a outros públicos, mas passara a crescer e se dedicar mais a cada material lançado pelas bandas que caminhavam por este território.
Sabina e Andy se aproveitaram disso e através de suas demos, tanto de estúdio, quanto suas sessões ao vivo, puderam usar como fator primordial de divulgação da banda e de como era forjado o seu aço. Sem ficar apenas fazendo sombra ao Kreator, ao Sodom e ao Destruction, o Holy Moses possuía sua identidade própria, e junto ao poder de fogo das guitarras de Andy e da voz potente e visceral de Sabina, a banda soube caminhar por terras muitas vezes inférteis e se manter sóbria, mesmo fazendo parte daquele grupo de bandas que não conseguiam, facilmente, manter um baterista fixo. Demorou realmente para que isso acontecesse, e muito por conta disso, lançavam apenas demos ao invés de um EP, ou até mesmo um disco. Embora muitos digam que o verdadeiro sucesso da banda está por trás do álbum seguinte, “Finished With The Dogs” (1987), por conta da participação do baterista Uli Kusch, e tendo figurado no festival Dynamo Open Air, a banda realmente despontou com seu álbum anterior, muito por conta das novidades retratadas neste mesmo papel borrado de nanquim. Os primeiros e pequenos festivais é que encaminharam a banda para um patamar pessoal nunca atingido até então. Podemos dizer que ambos os discos formam este ciclo feliz para Sabina e seus compatriotas. Das sete faixas da clássica demo “Walpurgisnight”, quatro foram incluídas no disco de estreia do Holy Moses. A faixa-título da demo, conforme foi mencionada aqui, “Bursting Rest”, “Torches For Hire”, e a faixa que leva o nome do debut. Difícil dizer qual é a melhor, portanto, digo que ambas possuem o mesmo poder de fogo e torna o tanto a demo quanto o álbum muito além de excepcionais. Outras canções como, “Necropolis”, faixa de abertura do disco, “Don’t Mess Around With The Bitch” e “Road Crew” merecem ser mencionadas, pois a qualidade bate lá no topo! Vamos àquela viagem supersônica do álbum!
De forma vagarosa surge “Necropolis” com sua mira afiada através de uma guitarra bem distorcida, que logo descamba para a pancadaria. Sabina comanda o seu exército de bravos homens até o local de batalha repleto de solos de guitarra promovidos por Andy, linhas de baixo soberbas que provocam desmoronamentos proferidos por Ramon, e bateria agressiva no ponto certo condizente com a estratégia oferecida junto aos versos espalhados para mostrar que enquanto coisas horripilantes acontecem, as pessoas acham que estão fazendo o certo em orar para alguém que não está presente, muito pelo contrário, pois quem está ouvindo os anseios é “ele”, e tudo isso é retratado nos tempos da antiga Babilônia. Quase que no mesmo tom inicial temos a chegada de “Don’t Mess Around With The Bitch”, com um tom mais cavernoso e fantasmagórico graças aos efeitos vocálicos de Sabina, a banda caminha para mais uma sessão de golpes certeiros. Bateria rica em variações e momentos mais tradicionais, tudo funciona na mais exímia ordem. Momentos mais insanos e velozes acontecem e fazem alusão ao Speed Metal, mas que em seguida retomam o caminho inicial. O retrato falado é sobre as noites em luz vermelha, abordando diretamente as características e fatos de um ambiente regado à bebida, cigarro e sexo pago. Lá estão meninas e senhoras gordas com muita maquiagem em rostos jovens que já são velhos, com muito batom barato na ponta do cigarro. Homens com dinheiro para gastar e mulheres para trabalhar e receber o seu ordenado. Simples assim. Em um ritmo mais acelerado a partir dos seus primeiros segundos se comparada com suas canções irmãs, “Devils Dancer” coloca ordem na casa mais uma vez e coloca o ouvinte à mesa principal para apreciar de perto a balada da dançarina do Diabo que está viva e pronta para aterrorizar a sua festa. “Brincando com uma dançarina do demônio / Você sabe que um lobo está atrás de você.” O ritmo cavalgado evidencia tais fatos regados a feiticeiros negros, cavalos brancos e o paraíso se tornando o verdadeiro inferno.
A intro pesadíssima de bateria entrega ao adepto sua quarta artilharia que carrega o nome que leva o título do disco. “Queen Of Siam” traz a Sabina cantando um pouco mais do que verbalizando vorazmente, e isso só enriquece a receita da bolacha giratória. “Com asas de ferro – e olhos de fogo / Na luz infernal – ela fica cada vez mais alta / Os portões negros do inferno – em tamanho sem suporte / Estou chorando algumas lágrimas – (elas) rastejam dos meus olhos” – é o hino da rainha de Sião representada por solos executados com maestria por Andy que tem a seu favor a dupla Ramon e Herbert para tornar o feito ainda mais grandioso. Bem mais agressiva e fervilhante, “Road Crew” chega com seu off-road esmagando e destruindo tudo o que vê pela frente. Os vocais de Sabina ficam ainda mais nervosos e infernais num tom “motörheadiano”, que despacha qualquer santo e demônio para bem longe de tão infernal que ela se mostra. Seria um cover para a faixa clássica do próprio Motörhead, mas sofreu tantas mudanças no som e na composição das letras que nem dá para chamar de cover. Porém, mesmo assim possui o seu charme e é realmente muito boa também. Andando pelas ruas sozinho à noite você se mostra sempre pronto a enfrentar cada desafio, porém, você nunca pensa que está com medo de lutar. Ainda mais quando vista ao longe uma mulher estranha se aproxima e junto a ela você desenvolve um medo repentino, observando as nuvens cobrindo a lua e sensação de estar diante da própria morte. A bruxa vadia deseja arrancar o seu coração de todas as formas possíveis e inimagináveis. Sabina encarna a própria bruxa em “Walpurgisnight” e desempenha um papel fundamental nesta clássica canção.
Para entender a sétima lança do destino nomenclaturada “Bursting Rest”, é preciso perceber que ao toque do primeiro riff, você precisa pegar o olho do demônio, na qual verá que o fim da sua vida é o começo do verdadeiro fim, e que também pertence ao começo do fim dos tempos em que você sente a onda atemporal te pegando agora. Vocais no estilo padronizado por Sabina, guitarras enraivecidas e alternantes entre o Thrash com passagens de Speed e Heavy Metal, cortesia de Andy (que não é o Bogard, irmão do Terry! Até que aguentei bastante ao não fazer essa piada logo, hein!), e também de toda a estrutura elaborada por baixo e bateria bastante intrínsecos e cirúrgicos. Sendo assim, nesta condição você imagina somente esta solução: “Fumar e beber é a lei da minha vida / Você não sabe, mas é o fim do amor / Isso é o que eu sei que é difícil chorar / Você não vê que seu coração está vagando como uma pedra.” A oitava e última faixa com letra atende por “Dear Little Friend”, que retrata uma bela amizade com um trágico fim inesperado. Meio Heavy, meio Hard a canção dá as caras e se mostra versátil quanto ao trabalho de seus instrumentistas. Isso se modifica no compasso seguinte, com uma bateria bem mais explorada, contando como uma ponte para o retorno à fase inicial da “múzga”. Um Thrash mais cadenciado e respeitado por quem escuta nota a nota, na qual temos novamente a mesma ponte que dessa vez serve de abertura para o solo de guitarra mais uma vez bastante competente. O álbum se encerra com o excelente tema instrumental de “Torches Of Hire”, que sofre diversas nuances muito bem executadas. Embora com uma guitarra base meio chiada, tudo funciona bem, e a sujeira é sempre adorável quando aparece em seus melhores momentos. Vale ressaltar que “Queen Of Siam” foi relançado em 2006, tendo como bônus o EP “Walpurgisnight”. E se você ainda não conhece o trabalho destes germânicos, não perca mais tempo e conheça do que era e é capaz a mestra Genkai das vocalistas de Metal extremo dos dias atuais.
“Corpos podres torturados por sombras
Ar perverso sobre lagos de sangue
Crianças recém-nascidas com furúnculos de peste
Arrancando os olhos de suas mães
Você chama isso de pecado, ele chama de vida
Você orou a Deus, mas esta é a besta
Cuidado que os anjos percebem
A rainha é chamada de Babilônia”
Nota: 9,2
Integrantes:
- Sabina Classen (vocal)
- Andy Classen (guitarra)
- Ramon Brüssler (baixo)
- Herbert Dreger (R.I.P. 2012) (bateria)
Faixas:
- Necropolis
- Don’t Mess Around With The Bitch
- Devils Dancer
- Queen Of Siam
- Road Crew
- Walpurgisnight
- Bursting Rest
- Dear Little Friend
- Torches Of Hire
Redigido por: Stephan Giuliano