O Krisiun, velho conhecido dos fãs de Death Metal ao redor do mundo (eu disse conhecido e não gigante, hein!), possui duas alcunhas distintas: a de ser uma das bandas mais importantes e imponentes do Metal Extremo nacional e a de ser uma banda reta, do tipo que lança discos iguais com músicas possuindo o mesmo formato. Isso pode ser dito por quem não aprecia tais obras, mas não pode ser tratada como uma asneira descomunal por quem é fã. Afinal, discos como o “Black Force Domain” (1995) e, principalmente, “Apocalyptic Revelation”, álbum lançado em 1998, possuem um andamento similar entre as faixas. Mas, ainda sim consegue-se extrair grandes momentos do esporte sonoro nos trabalhos citados.
Com o passar dos anos, o power trio gaúcho, que chegou a ser quarteto em determinado momento da carreira, foi levando mais a sério essa situação, tratando de acrescentar novos elementos à sua receita musical. Porém, em tempos atuais, era esperada uma mistura bastante coesa e voltada para todas as fases percorridas pela banda. E o resultado disso você acompanha comigo por aqui. Siga-me nessa estrada chamada “Mortem Solis”!
A trinca de abertura do mausoléu possui “Sworn Enemies”, “Serpent Messiah” e “Swords Into Flesh” em sua linha de frente. Curiosamente, são três faixas que começam com a letra S. Sem haver qualquer ligação, isso traz à mente a trilogia cinematográfica “Triplo X” (do original “XXX”), com o astro das telonas, Vin Diesel, no papel de Xander Cage.
O inferno borbulhante te mergulha lava abaixo em meio a um clima que remete aos tempos de “Apocalyptic Revelation” (1998) e “Conquerors Of Armageddon” (2000). O atirar de flechas em brasas é feito de imediato sob a batuta dos mestre percussivo Max Kolesne. As variações rítmicas de guitarra proferidas por Moyses Kolesne trazem o ouvinte para um campo que reúne as mais antigas tradições com novas nuances. Os dedilhados mais agudos abrem os olhares para a magnífica faixa chamada “Ageless Venomous”, pertencente ao homônimo álbum de 2001. O carrossel infernal de escalas é intercalado pelo pulsante contrabaixo do também vocalista Alex Camargo, que impõe seu gutural grave a plenos pulmões. Um início realmente dedicado ao fã da banda. “Me julgue como se me conhecesse / Com os rumores miseráveis que você prega / Suas palavras são como promessas quebradas / De falácias degradantes” – julgar sem saber a real e ainda posar como o santo que denuncia a qualquer um que este duvidar à índole é um dos males da atualidade. A canção revela o alvo preparado para virar o jogo e é isso o que deve ser feito. Impedir a mentira de se transformar em verdade absoluta é defender não só a vida como este plano astral em si.
Na sequência, o trio começa com um riff mais denso, acompanhado por leves camadas de bateria, dando um ar de expectativa breve ao montante. Porém, se engana quem pensa que parou por aí. Notas harmônicas são despejadas como golpes de lança, enquanto as linhas de bateria e guitarra amplificam o já elevado nível da trama. Os solos de guitarra surgem para garantir a qualidade do álbum logo em seu princípio. “Works Of Carnage” (2003) e “AssassiNation” (2006) representam boa parte do clima de trabalho neste segundo capítulo recheado de tons e bumbos explosivos com pedais duplos agressivos. “Alimente a serpente da sabedoria, conhecimento brutal concebido / A ascendência dos amaldiçoados é silenciosa e invisível / Chicotes estalam nas costas, lâminas no pescoço dos servos / Multidão de seres miseráveis implorando por salvação e perdão” – assim como os contos da Bíblia são vazios e quebrados, a ideia de um ser salvador fica congestionada diante de tanto sofrimento e dor. Os caminhos sempre levam a uma vida sem arrependimento de domínio pecaminoso, aonde você só encontra o erro depois que o mundo cai. E mesmo nesse estado, o ser amaldiçoado ainda busca a razão na mesma situação furada.
O terceiro parágrafo (contando a partir da descrição referente à faixa de abertura) apresenta a banda gaúcha em seu habitat natural: o Brutal Death Metal. Dedilhados e riffs flamejantes despejam ódio sobre os versos esganiçados por Alex, enquanto seu baixo circunda as arestas do abismo congelante. Novamente remetendo aos tempos áureos da banda, sempre incorporando novos detalhes em seu arsenal bélico sonoro. Os solos de Moyses complementam o poderio marcante do kit de Max, fazendo a dança da morte provocar o maior dos incêndios na aldeia inimiga. Já o jogo de versos, reforça os dizeres de que a sobra de tanta guerra e castigo em vão é um ser esfolado vivo, recém-nascidos brutalizados, filhos condenados descartados como negados. Tripas perfuradas, chifres de ferro que carregam a nomenclatura e a posição do imperador. Portanto, a vida perdeu seu valor real. Tudo em favor da imensa fome da besta, que por sua vez revela o significado do sinal, onde em campos brutais, a hierarquia exige morticídio.
“Necronomical” e “Tomb Of The Nameless” fecham a primeira parte do disco.
A primeira delas apresenta um cântico para a invocação do necronômico, baseado no famoso grimório do Necronomicon… Em busca do levante das criaturas da noite… Os seres prontos para retornarem à vida só que de uma forma um tanto diferente. “Na hora mais sombria, na noite mais escura / Eu convoco o observador de antigos holocaustos / Em nome da aliança, jurado em carne e sangue / Venha e levante-se, bem diante de mim.” Todo esse amálgama é envolvido por uma sonoridade mais “pés no chão”, ao menos inicialmente, lembrando a estrutura constituída no antepenúltimo álbum, “Forged In Fury”, de 2015. O peso e a destruição costumeira se apresentam à frente, tomando de assalto todo o cenário e evidenciando todo o trabalho que é inspirado em grande parte da própria discografia, talvez sendo por completo. Os solos apimentam ainda mais a canção, que por sua vez, mantém o voo alto do disco. A faixa seguinte coloca à tona a tumba do sem nome… Sim, o marido de Maria Madalena, aquele que insistem em crer que fora crucificado… “Jogado em um túmulo vil coletivo / Um buraco no ventre da mãe natureza / Onde o sem nome deve ser incinerado / Cremação em massa para conter a taxa de epidemia.” O acorde distorcido com notas harmônicas nervosas e trepidações exercidas pelo baixo, colocam sob a prateleira mais alta o turbilhão de emoções contidas nas “múzgas” dos “cabras”. A destruição sonora segue de vento em polpa ainda mais afiada e explosiva por conta do solos excepcionais.
De uma forma diferente e surpreendente temos a intro “Dawn Sun Carnage”, bem no meio do manuscrito, com uma climatização desértica… Tambores… Sons que causam suspense, servindo de abertura para “Temple Of The Abattoir”. Ainda caminhando pelo palacete da introdução, vemos os arredores do Coliseu… O aguardo até a próxima batalha… Quem será o próximo a derramar todo seu sangue e perder sua alma pelo bel prazer das autoridades?… O movimento firme e constante do próximo rugido da criatura fica mais rico e potente graças à introdução, tornando ambas irmãs de uma mesma ideia que assemelha ao hino “Slaying Steel” (“Southern Storm”, de 2008).
As páginas que sucedem os versículos anteriores mostram “War Blood Hammer” e “As Angels Burn” como as próximas fases do jogo.
A primeira da próxima dupla citada traz à mente, logo em sua aparição, o petardo “Slain Fate”, do álbum “Bloodshed”, de 2004, engrandecendo o conteúdo do caldeirão de receitas do conglomerado nacional. As alternâncias e solos provocam um misto de tradicional com inovador, sendo que esta característica está sempre ligada aos propósitos musicais do trio. As estrofes revelam a destruição e carnificina de toda a civilização que pode ser reduzida às ruínas da mortalidade em massa. Colocando o martelo do júri brutal em ação, a dominação da fúria do castigo se fará presente. O outro lado de mais essa moeda coloca a máquina de triturar ossos para funcionar. Com certeza, além de ser a faixa mais direta do álbum, a locomotiva sonora carrega em seu âmago a inspiração adquirida junto ao clássico álbum “Black Force Domain”, debut de 1995. Riffs contínuos e exacerbados ao ponto de mostrar ao público e aos inimigos o poderio massacrante da tropa de três combatentes, que brindam com o ouvinte através de um breve solo distorcido. “O horizonte derrete, visões sobrenaturais / Derramando na frente dos meus olhos / Visões distorcidas espectros de nenhuma luz / O fantasma da loucura desce do meu lado” – alucinações que perturbam uma mente aterrorizada, que ao tentar se mover, se mostra petrificada diante de tal situação. Os ventos do inferno indicam a moradia dos pensamentos insanos de uma mente vã, na qual este se desidrata e se sente perdido neste inferno escaldante.
O arsenal é encerrado com mais duas arquiteturas do Extreme Metal. São elas: “Worm God” e “Death Of The Sun”.
Quem acende a pira olímpica do Death Metal é o conjunto entre a breve intro dedilhada (que se repete ao longo da história) de forma mais contida em meio a um solo que a complementa. Partindo depois para a agressão descrita no início do parágrafo. A penúltima etapa do livro musical giratório coloca em evidência o jogo de pedais e bumbos duplos utilizados por Max, enquanto guitarra e baixo mantém o riff inicial até migrar para um ponto mais alto e poderoso. “Em um milênio de escravidão / As raças tornam-se subjugadas / A adesão ao céu é negada / Orações desesperadas suplicam / Unidos em pura decadência / Faça fila para enfrentar a penitência” – irá se curvar ao tal messias e seus sermões de medo, acompanhado pela marcha dos cordeiros, em direção ao precipício. Não passam de um bando de discípulos iludidos de crenças sufocadas. O rodapé do disco é composto por esta que vem a ser a faixa bônus de “Mortem Solis”. Esta traz o tempero à base de enxofre encontrado tanto no álbum antecessor, “Scourge Of The Enthroned” (2018), quanto no “The Great Execution” (2011). Solos viscerais contornam a tampa da caçarola de maldade sonora. As paradas e as quebras de ritmo, seguidas de muita violência, tornam esta uma faixa que deveria sim fazer parte do tracklist principal e trazem à lembrança a excelente canção chamada “Blood Of Lions”, do álbum citado de 2011. Ao menos está presente como bonificação da comanda. “Desça até as profundezas do estado da minha morte / Levante-me desta sepultura para o destino de um imortal / Torne-se a sentinela das nações dizimadas” – a imortalidade perante o destino dos seres petulantes e frágeis torna o alvo ainda mais forte para tomar conta do mundo carnal.
Informações adicionais e considerações finais:
A capa de “Mortem Solis” e o layout foram desenvolvidos por Marcelo Vasco, enquanto a fotografia é de autoria de Maya Melchers. O álbum foi produzido através da parceria entre Krisiun, Hugo Silva e Mark Lewis. A mixagem e masterização foram feitas por Mark no MRL Studios, Nashville, EUA. Foi gravado no Family Mob Studios, São Paulo. O já citado Hugo Silva cuidou da engenharia junto ao assistente Otavio Rossato.
O Krisiun se desdobrou em tempos difíceis vividos pelos povos de todo o planeta para construírem um novo e digno trabalho. O resultado foi algo compatível com sua discografia, apresentando muitas semelhanças e inspirações vindas dos próprios discos anteriores em que muitas lembranças e sensações provocadas pelos outros discos, foram colocadas neste novo material. Obviamente, você poderá ter outras percepções e projeções, entretanto a base descrita se manterá sólida, tamanha a dedicação da banda em estudar o seu próprio arsenal de guerra. Ouça e se surpreenda!
“Shine the light of the apocalypse
Eternal nightfall of atomic radiation
The eminent rise of sickened breeds
The scrolls of creation are calling for pestilent deeds
The mortal pandemic of a new flagellation
Agents of the pest casting emplagued revocation”
Nota: 9,1
Integrantes:
- Moyses Kolesne (guitarra)
- Alex Camargo (vocal, baixo)
- Max Kolesne (bateria)
Faixas:
1. Sworn Enemies
2. Serpent Messiah
3. Swords Into Flesh
4. Necronomical
5. Tomb Of The Nameless
6. Dawn Sun Carnage (Intro)
7. Temple Of The Abattoir
8. War Blood Hammer
9. As Angels Burn
10. Worm God
11. Death Of The Sun (faixa bônus)
Redigido por Stephan Giuliano