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Resenha: KK’s Priest – “Sermons Of The Sinner” (2021)

Em 2011, quando KK Downing resolveu se aposentar e largar mão de seu posto vitalício no comando de uma das guitarras do poderoso Judas Priest, tivemos a certeza que um ciclo havia se encerrado na carreira da lendária banda inglesa. Não muito tempo depois começaram surgir histórias e declarações polêmicas por parte de KK e percebemos que sua aposentadoria não havia sido pensada como algo totalmente definitivo. O guitarrista demonstrou publicamente sua insatisfação com algumas decisões de seus ex colegas de banda e sentiu-se desrespeitado quando não foi sequer contatado para substituir Glenn Tipton, seu parceiro de longa data, que estava impossibilitado de tocar shows completos por conta da doença de Parkinson. O Judas Priest nem cogitou olhar para traz e simplesmente não deu bola para os resmungos de KK Downing, escolheu o produtor e guitarrista Andy Sneap para substituir Glenn e lançou o badalado “Firepower” em 2018.

   

Durante algum tempo KK se limitou a polemizar e contar sua versão dos fatos em entrevistas mundo afora, porém, chegou a hora em que o assunto saturou e sua resposta precisava ser dada de uma outra maneira. Entendendo isso, o guitarrista resolveu criar uma banda do zero e sua intenção ficou clara desde o início, mais do que provar que ainda poderia ser relevante, ele queria provocar e alfinetar o Judas Priest. Batizou sua nova banda com o nome KK’s Priest e para integrar o line up chamou dois músicos que já haviam passado pelo grupo inglês, o vocalista Tim “Ripper” Owens (que substituiu Halford de 1996 á 2003 e gravou os discos “Jugulator” e “Demolition”) e o baterista Les Binks (que tocou nos clássicos “Stained Class” e “Killing Machine”).

No início, muitos trataram o KK’s Priest como piada, mas essa gente não levou em consideração um detalhe muito importante, Downing estava com sangue no olho e, além de ser um grande guitarrista, também participou das composições do Judas Priest durante 40 anos de sua vida. Venhamos e convenhamos, um cara com essas qualidades, esse histórico e um currículo dessa grandeza não pode ser subestimado jamais.

O Heavy Metal é um estilo musical complexo que envolve e mexe com as nossas paixões. Uma característica que encanta no gênero é a capacidade que músicos como este tem em se reinventar e surpreender até mesmo em circunstâncias onde muitas vezes não acreditamos mais que isso ocorra. O lançamento de “Sermons Of The Sinner” é uma amostra de todo esse potencial, já que ainda em fase de pré lançamento, o quinteto viu alguns fãs menos ajuizados comentarem com desdém o single da canção que dá nome ao trabalho. Alguns dos infames comentários chamavam a banda de “catadinho”, “Priest de renegados” e diziam que a faixa em questão não era mais do que uma “Painkiller genérica”. Muitos não se empolgaram, não ligaram e passaram a não esperar nada além de um disco que copiaria clichês sem muito brilho.

Mas (e temos um contundente “mas” por aqui), não foi isso o que aconteceu no dia 1 de outubro, data do lançamento do registro. Para felicidade geral deste que vos escreve e contrariando qualquer análise prematura, “Sermons Of The Sinner” arrancou suspiros de muitos durante os últimos dias. Através de suas dez composições, evidenciou o que todos deveriam saber há muito tempo: KK Downing é um tremendo guitarrista, um compositor brilhante e sua banda é muito mais do que uma vingança sem sentido contra seus ex comparsas. À partir de agora, tratemos o KK’s Priest como se deve, como um projeto sólido, consistente, com vida própria e formado por músicos acima de tudo talentosos. Nos próximos parágrafos nós vamos entender tudo sobre esta obra.

   

Para completar o time foram chamados o guitarrista A.J. Mills, o baixista Tony Newton e, posteriormente, o baterista Sean Elg precisou substituir Les Binks às pressas, pois o músico machucou os pulsos no momento em que as sessões de gravação estavam iniciando. Uma pena, mas assim quis o destino.

Antes de entrarmos na análise musical do disco, é imprescindível falarmos sobre Tim Owens. Começo afirmando que este cara sempre foi um estupendo vocalista. Técnico ao extremo, com uma voz potente e elástica, Tim sempre cantou demais, mas gravou discos pouco convincentes e que exploraram muito mal a sua imagem. Com exceção de alguns projetos menores e, por sinal, bem legais, como Spirits Of Fire, Charried Walls Of The Damned e Beyond Fear, o cantor sempre chegou nas bandas “de maior potencial” em momentos não muito favoráveis. Nas duas situações mais conhecidas (Judas Priest e Iced Earth), para substituir ídolos dos fãs e, sendo bem sincero, acabou descascando dois abacaxis, já que as bandas preparavam trabalhos “diferentes” e que dividiriam opiniões. Não que eu não goste dos álbuns que ele gravou nestas bandas, mas sejamos justos, se ao invés de “Demolition” ou “Framing Armageddon”, tivessem apresentado coisas parecidas com “Firepower” ou “Horror Show”, a história de Tim teria sido outra bem diferente. A prova disto é este “Sermons Of The Sinner”, um disco composto realmente com tesão e onde Tim pôde mostrar todo seu valor em músicas inquestionavelmente boas. Resultado: o melhor álbum que ele gravou com folga e uma performance de gala como já era esperado.

Quando começamos a audição, logo depois da introdução “Incarnation”, somos arrebatados com duas composições daquelas mais porradas e diretonas: “Hellfire Thunderbolt” e “Sermons Of The Sinner”. Confesso que este começo vigoroso e cheio de testosterona era bem previsível. Por ser um disco de estréia de um músico tarimbado e que resolveu carregar a referência ao Judas Priest até no nome de sua banda, era fácil imaginar que pelo menos o início do disco traria aquela mensagem implícita, “olha, estamos aqui, somos como uma espécie de franquia do Judas Priest e vamos tocar mais rápido, mais pesado e com mais vigor, nosso cantor é ótimo, nossas guitarras são fabulosas e você não vai se arrepender se nos ouvir”. É este o recado que o início anabolizado tenta passar ao ouvinte. Em “Hellfire Thunderbolt”, ao meu ver, o recado chega com mais precisão e assertividade. Os riffs da música são cortantes, o ritmo te faz começar a bangear nos primeiros momentos e o refrão é daqueles em que você cantará com os punhos cerrados para o ar. Em “Sermons Of The Sinner”, KK investe na velocidade e Ripper canta alto quase todo o tempo fazendo menção ao grande masterpiece do Judas, “Painkiller”. De verdade, eu não entendi muito as críticas a este som e não enxergo a faixa como um exagero. O próprio Halford usou deste mesmo expediente em seu primeiro disco solo na faixa “Ressurection” e todos ficaram extasiados na época. KK Downing foi um dos membros fundadores do Judas Priest, ajudou na composição de boa parte das músicas da banda e este é seu DNA, se ele tem um cantor capaz de cantar com facilidade e competência este tipo de música, por que diabos ele não usaria o recurso? Não consigo ver sentido nestas críticas.

Para quem esperava mais do mesmo e clichês baratos durante toda audição, certamente, a hora da virada começa com “Sacerdote Y Diablo”. Que música fantástica! Com belíssimos arranjos, riffs certeiros e solos inspiradíssimos, este Heavy tradicional de primeira linha apresenta uma banda que conhece o caminho que vai trilhar e o faz com sabedoria e desenvoltura. “Raise Your Fists” começa mais cadenciada e durante sua evolução nota-se que a faixa tem um pé no Hard, porém, sem abandonar por completo o peso do Heavy e com linhas vocais muito interessantes. O mesmo acontece com “Brothers Of The Road”, a mais festeira do registro. Podemos dizer que esta dobradinha é o momento “British Steel” do KK’s Priest, principalmente, sem pensarmos em músicas como “United”, “Living After Midnight” e “You Don’t Have To Be Old To Be Wise”.

Lembra que dissemos que o disco surpreendeu muita gente? Então, foi por causa de músicas como “Metal Through And Through”, por exemplo. Pensa em um épico com mais de 8 minutos de duração e, ao contrário do que faz muita banda grande por aí, o KK’s Priest não precisou ficar se repetindo pela eternidade com partes arrastadas infindáveis, sem sal, sem peso e sem chegar a lugar nenhum (prefiro não dizer o nome, mas vocês sabem de quem estou falando). Aqui temos um show de variações, desde cavalgadas, solos mirabolantes, coros e mudanças rítmicas, até uma interpretação perfeita de Tim Owens e uma performance de gala tanto de KK Downing como de seu novo parceiro nas seis cordas, A.J. Mills. Belíssima canção, aliás, belas canções não faltam por aqui, as próximas duas são daquelas que arrancam suspiros de quem quer ouvir Heavy Metal puro, simples e feito por quem sabe do assunto. “Wild And Free” é o tipo de música que eu já consigo visualizar sendo cantada em uníssono nos shows ao vivo da banda e “Hail For The Priest” mal foi lançada e já tem cara de clássico. As duas são porradas cheias de virilidade e feitas para que você jamais se esqueça que disco de Heavy Metal sem faixas que te fazem bangear não é disco de Heavy Metal.

Em um trabalho onde os músicos usam beneficamente alguns dos muitos clichês do gênero e ao mesmo tempo também evidenciam que estão com a criatividade em alta, a faixa de encerramento não poderia ser outra. “Return Of The Sentinel” traz um contraste muito interessante, já que aborda em seu conceito lírico a continuação do clássico “The Sentinel”, gravado em 1984 e presente no maravilhoso “Defenders Of The Faith” (do Judas Priest), mas ao contrário de sua música-irmã que é um Heavy veloz, agressivo e direto, aqui temos um épico com quase 9 minutos de duração. Isso faz com que apesar do tema em comum, musicalmente as duas composições não tem absolutamente mais nada a ver uma com a outra. E se você pensar que isso pode ser um demérito, apenas digo que você ouça “Return Of The Sentinel”, mas antes não esquece de colocar um babador, você vai precisar.

   

Preciso encerrar este texto parabenizando KK Downing por ter nos presenteado com esta verdadeira aula de Heavy Metal. Preciso agradecê-lo também pelos 40 anos de serviços muito bem prestados no Judas Priest. Costumo dizer que os discos que este “jovem senhor” gravou serviram para moldar caráter de muito headbanger ao redor do mundo. Confesso que no início fiquei bastante receoso quando vi o nome da banda fazendo menção ao Priest e, principalmente, quando vi o nome de Tim Owens no projeto, mas verdades precisam ser ditas e estamos aqui para dizê-las, ambos os músicos demonstraram todo o seu valor neste trabalho e espero que este seja apenas a primeira de muitas obras do mesmo quilate. Sabemos que a estrada para KK Downing não deve ser tão longa, já que o músico completou 74 anos de idade, mas se nos basearmos no gás que ele demonstrou ainda possuir neste disco, não me admiraria ver o cara tocando por aí até os 80. Faço votos que isto ocorra.

Nota: 9,2

Integrantes:

  • K. K. Downing (guitarra)
  • A.J. Mills (guitarra)
  • Tim “Ripper” Owens (vocal)
  •    
  • Tony Newton (baixo)
  • Sean Elg (bateria)

Faixas:

  1. Incarnation
  2. Hellfire Thunderbolt
  3.    
  4. Sermons of the Sinner
  5. Sacerdote y diablo
  6. Raise Your Fists
  7. Brothers of the Road
  8. Metal Through and Through
  9.    
  10. Wild and Free
  11. Hail for the Priest
  12. Return of the Sentinel
   

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