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Resenha: Karcinoma – “Invictus” (2021)

Gravadora: Wroth Emitter Productions

   

Pertencente à região de Yaroslavl, Yaroslavl Oblast, na Rússia, o Karcinoma possui aquele histórico de longevidade com pouco material lançado. Não chega a ser um Glacier, por exemplo, que depois de anos-luz, lançou seu debut ano passado (muito bom por sinal e resenhado por este mesmo que toma conta do pincel digital neste instante), mas o Karcinoma possuía até então apenas o disco “The Night… Apogee Of Madness” de 1998, época em que a banda enveredava por caminhos muito mais extremos do que atualmente, porém, parece que definitivamente se encontraram musicalmente falando. Em buscas mais apuradas você irá se deparar com nomenclaturas grandes como Symphonic/Death/Black/Gothic Metal, e isso está condizente com todos os elementos contidos no álbum que avaliaremos juntos a seguir. A proposta principal eu já revelo que encaminha a obra para um Gothic e Symphonic que são contornados pelo Black Metal e também pelo Death Metal, além de trazer junto em seu livro de receita umas colheres de sal de Power Metal, sem transbordar a batedeira. Para ser mais exato sobre a existência deste time eslavo, a banda foi formada em 1993 e anunciou sem fim em 2001. Somente em 2016, como uma fênix siberiana, o trio retomou seu posto e seguiu adiante até conseguir lançar seu segundo álbum de estúdio, “Invictus”, no dia 15 de maio via Wroth Emitter Productions. Todas as canções são assinadas pelo guitarrista e baixista Mikhail “Opirus” Bukanov, enquanto as letras possuem autorias diversas e que estarão descritas durante a leitura deste pergaminho destinado ao leste europeu. O álbum foi gravado no Mixedblood Studio, Yaroslavl, entre setembro de 2019 e janeiro de 2020, e também no mesmo local, foi mixado e masterizado por Vlad Anatoliev em fevereiro – março de 2020.

Falando um pouco sobre o território russo, não é todo mundo que conhece as maravilhas oriundas daquele gélido lugar. Por falar em gélido, há espaço para o Sol lá também. Mas, não entraremos nesse tipo de assunto para não ampliar as variantes em prol da geografia, e ao mesmo tempo, esquecendo-me do principal assunto: a “múzga”.

A queda da Cortina de Ferro fez com que as bandas pudessem, enfim, mostrar o seu empenho em prol do Heavy Metal, e de lá surgiram grandes surpresas como Aria (Ария), Aspid (Аспид), Master (Мастер), Shah, e um pouco mais recente, Arkona (Аркона), Smuta (Смута), entre tantas outras bandas. Isso sem mencionar as que surgiram somente no ano passado, além deste ano vigente. Seja cantando no dialeto eslavo ou em inglês, cada banda desse país apresenta muita qualidade, podendo fazer um paralelo com seu histórico referente à arte em si. Escritores, cineastas, artistas de todas as formas de arte, sempre apareceram para elevar o patamar da criação. Grandes livros, temas orquestrais, filmes, e muito mais têm a sua origem russa. É claro que você logo vai pensar nos momentos de União Soviética, a cortina que já foi citada, mas também há espaço para mencionar os grandes momentos do esporte mostrados aos headbangers do mundo todo construídos pelos compatriotas do inesquecível guarda-metas Lev Yashin, único goleiro a receber a bola de ouro da revista France Football em 1963. Eu estava lá! (risos)

Ao se deparar com o mais recente full length do Karcinoma (não confundir com a calcinha da Dona Norma, hein!), você poderá lembrar da trajetória de bandas do calibre de Paradise Lost e Theatres Des Vampires, na qual mudaram a sua sonoridade, conseguindo se consolidar no Metal, mesmo seguindo um outro caminho dentro do estilo. Se antes a banda seguia pelos caminhos do chamado Brutal Death Metal, possuindo apena a demo “The Melancholic Spasm” de 1995 para contar história, hoje a ideia é outra, mas se engana aquele que já desdenha imaginando que eles largaram por completo as suas raízes. Os cidadãos de Yaroslavl continuam explorando os caminhos do Death Metal, somando ao Black Metal, conforme já foi citado, só que a parte principal da poesia traz consigo os ligamentos necessários para produzir algo voltado para Symphonic/Gothic Metal. Já sabemos tudo isso, mas ainda falta descobrir se o principal subgênero vem a ser Symphonic mesmo ou se é Gothic. Vamos abrir as portas da catedral e averiguar este mistério. Sigam-me os que não têm medo do lobo mau!

   

“Incantamentum” official videoclip

A capa de “Invictus” é toda em vermelho que faz um paralelo com as sombras em preto, mostrando ser a entrada de uma catedral com alguém ao fundo. A partir daí a jornada se inicia com “Incantamentum”, faixa de introdução que inicia diante de muita gritaria, corvos, chuva forte, sinos badalando, alguém seguindo pelos fundos, passando pela terra molhada em meio à floresta e adentrando a este lugar que possivelmente é a catedral onde está acontecendo um ritual. Versos tirados de Genesis, capítulo 1, versículo 6, são entoados, ao instante em que há a incorporação e exorcismo do demônio, momento em que a banda entra em ação, e Yana acompanha o ritmo com sua voz super afinada e ideal para a ocasião. Lembrando que a mesma faz as vozes deste demônio, segundo o manual descrito. Logo em seguida temos a presença da faixa-título, ou seja, “Invictus” entra para garantir a invencibilidade da obra e apresenta todo o seu arsenal afiado para entrar em combate. Seja a invencibilidade do demônio das trevas ou do salvador da luz, a banda mostra habilidade quanto às nuances provocadas por ela mesma. Opirus sabe como trabalhar e construir seus riffs e melodias de guitarra, acompanhado pelo baixo criado por ele mesmo. Tepesh demonstra total controle de seu kit e transita por todos os estilos especificados com maestria. Os teclados, hora mais transparentes, e em sua maior parte, fantasmagóricos e vampíricos, trazem à tona a arte gótica para o certame, cortesia do músico Synthezx, que contribui para a climatização de todo o álbum. Yana “Hivernalia” é um show à parte e executa o seu papel com muito feeling e técnica únicos. Na própria canção, ela exercita a sua voz, lembrando canções como “Under Preasure” (Queen & David Bowie), em que o gigante Freddie Mercury transforma exercícios de canto como trecho da letra desta clássica canção.

Com um tom que transita sob uma junção Gothic/Death/Black, a terceira faixa dita o ritmo da aventura macabra com “La Casa Sotto La Tredicesima Luna”. Cantar em italiano combina numa ópera inesperada e visceral, junto ao clima de suspense e terror impregnado na canção. Estamos diante da casa sob a décima terceira lua e toda a atenção é necessária para entender a trama que pode estar em um momento mais calmo e sinfônico, mas que logo descamba para um Gothic/Death fervoroso. Imagine uma Ventrue na Camarilla convocando seus aliados com seu cântico, momentos antes de iniciar o abate. Sim, os momentos sangrentos ocorrem, e temos um pouco de Pestilence nos riffs mais hipnóticos, que logo dão espaço para o baixo e os teclados manterem este mesmo clima. Até que tudo retoma o lugar de início como se estivesse dizendo ao público que esta etapa está concluída, e que mais mistérios foram revelados para a sequência da jornada. Quem dera o Nightwish e o Tristania seguissem esse caminho… No caso da segunda, precisariam voltar dois certos componentes primordiais para a banda, já a primeira… Deixa pra lá. Mais para o fim da canção temos um pouco de Heavy Metal de leve como abertura para a entrada dos blast beats. Sim, fique atento que tudo aqui é eletrizante! Tanto esta como sua antecessora são músicas com mais de oito minutos e poderiam dar um recado especial ao Iron Maiden de como fazer boas músicas longas sem soar como puro repeteco de si mesmas.

Um violão introduz a próxima etapa… “Mama” é uma canção cantada em francês e entrega ao ouvinte um trabalho mais do que global, magistral até o presente momento. Se você sabe falar francês, pode muito bem acompanhar a bela voz de Hivernalia e se encantar com toda a climatização vivida junto à quarta faixa de “Invictus”. Acordes palhetados se fazem presentes e tocam a alma de quem os sentem, acompanhados pelo piano de cauda do convidado Anton Bukanov, também conhecido por Mmmaestro. Sim, com três Ms. Bateria decolando é o que se ouve os primeiros segundos de “The Grace Of Vicious Horror”, faixa que logo encontra os outros instrumentos e se mostra como a faixa mais extrema do disco. Que junção perfeita de estilos! Óbvio que haverá momentos mais leves que contrastam com o início, porém, sem perder o peso. Os riffs estão presentes e em nenhum momento ficam ocultos por conta dos teclados. Os teclados mais voltados para o Gothic deixam mais espaço para a guitarra e para o baixo percorrerem seus caminhos mais livremente. Opirus é realmente um pensador nato para construir grandes trechos de canção assim. Tepesh o acompanha como se fosse um grande irmão de batalha, e Hivernalia é uma séria candidata à grande revelação feminina com sua magnífica voz. Mais uma vez o estrondo retorna para o deleite dos adeptos de uma sonoridade mais diversificada e extrema ao mesmo tempo. O timbre de cada instrumento ajuda e muito na composição de cada ambiente oferecido pela banda e a ordem das canções só trouxe mais qualidade ao trabalho em si. Você se vê diante de uma terra arrasada temendo a graça do horror vicioso que assombra o vilarejo. Hivernalia encarna a criatura com vocais rasgados e recitando toda a história até retoma sua voz mais suave e normal, para prosseguir com o rito. Com 10min23seg esta é a canção mais longa do álbum, e também a preferida deste humilde dono do nanquim virtual que vos escreve.

“Bella Tristezza Celeste” video live

   

“Bella Tristezza Celeste” inicia seu percurso junto a um violão melodioso que remete a um outro tema. Lembra em certos momentos outra clássica canção, “Behind Blue Eyes”, música do glorioso The Who. Mais uma vez com o dialeto da terra da bota sendo utilizado, o clima triste e esperançoso permeia os vastos campos criados por este disco. Triste e contagiante é esta tristeza celestial, que atravessa os quatro cantos do planeta para que todos possam ouvir os versos recitados pela intérprete Hivernalia. Não apenas um violão, mas mais de um para satisfazer a dor latente que incendeia diante da fogueira dos corais da esplêndida cantora que energiza a caldeira com seu potencial vocálico até que… São ouvidos batimentos cardíacos sendo medidos e enfraquecendo pouco a pouco… no instante em que começa a próxima poesia cantada. Os batimentos param e dão a vez para os teclados de Synthezx, que está presente em todos os momentos “tecladísticos” do disco. Os riffs de guitarra proferidos por Opirus, e o estilo de vocal mais denso de Hivernalia, evidenciam toda a aura gótica do álbum, e mantém a junção com o Death Metal, para que todo o laço sombrio seja jogado diante do ouvinte, e o mesmo fique sem reação sobre qual ação tomar. Apenas ouça “Le Passé” e sinta o que esta aventura possa lhe proporcionar de bom. Tepesh segue com seu show à parte comandando o seu jogo de tons, bumbos, surdo e caixa, além do comboio de pratos e todo o artifício percussivo para que possa exercer sua função de forma a ser destacada a plenos pulmões lá do alto da montanha mais alta e mais gelada possível. O contrabaixo se faz presente com todo o toque especial e o cuidado necessário para que a canção seja atingida de forma certeira e a torne ainda mais poderosa do que viria a ser. Em francês até o “lálálá” fica mais belo e condizente com a obra. E atrás da porta já se desconfia quem possa estar prestes a te atacar é melhor se precaver ouvindo o que a banda tem a dizer para não se perder cair em tentação. Livre-se do mal e continue por aqui, pois as nuances só fortalecem um álbum que veio para brigar forte dentro de seu propósito sonoro. Com uma pitada de Black Metal para reacender a pira de chamas extremas infernais, a faixa chega ao seu fim.

A abertura para a maldição de “The Curse” começa com o lado principal da receita em evidência, e logo em seguida surgem as camadas mais pesadas e velozes despejadas a rodo por seus respectivos integrantes. Após tais momentos, é hora das guitarras trazerem lances mais melódicos até se provarem dignas de solos memoráveis. Opirus parece não pensar duas vezes e entrega todo o seu feeling em mais uma canção de destaque. Por conta desse desafio todo, pode-se dizer que haverá mais fãs desta faixa em se tratando das linhas de guitarra inseridas nesta canção. Tudo o que se espera numa junção dos estilos citados tantas vezes por aqui acontece de modo muito bem equilibrado, sem que haja sobrecarga para nenhuma das vertentes. Teclados e baixo contemplam a guitarra, que apoiada pela bateria, faz todo o serviço de forma única e sem maiores questionamentos. Todo o ritual é realizado de forma eficiente e eficaz, sem deixar rastro para possíveis dúvidas. O “lálálá” da canção anterior retorna por aqui no momento certo, alinhando o multiverso dos russos, e dando uma bela lição nas criaturas envenenadas por “múzga” ruim. É chegado o anoitecer de inverno com mais linhas de violão anunciando o final da jornada eslava. “Winter Nightfall” segue no ritmo da neve que cai no solo, cobrindo toda a paisagem de branco e congelando corações esperançosos por mais um nascer do Sol. As melodias caem através da audição contornada pela voz de Hivernalia e conta novamente com a participação do pianista Mmmaestro. O fim chega o som do vento congelante e através de leves passos pela neve.

Karcinoma, assim como seu compatriota Alkonost, carimba o seu passaporte para um caminho frutífero. É só manter a altíssima qualidade de suas canções que poderá ir muito longe, e quem sabe, aterrissando em terras brasileiras para eventualmente realizar seus shows como o próprio Arkona de Masha “Scream” já o faz. E como a banda foi generosa ao não esconder informações técnicas do disco, também serão citados os compositores de “Invictus”. São eles: W. E. Henley (faixa-título), V. Anatolyev (faixa 3), M. Bukanov (faixas 4, 5, 8), F. Petrarca (faixa 6), Y. Filippova (faixa 7), R. Bridges (faixa 9). Como poderá ver através do sobrenome, saberá de quem se trata cada compositor. As criaturas já estão à solta e para impedir um ataque surpresa é mais do que certo ouvir esse disco por completo sempre que estiver disposto a ouvir algo com conteúdo de verdade. Karcinoma é um dos nomes que poderá fazer parte dos próximos casts de shows mundo afora. Que seja feita vossa vontade.

Nota: 9,4

Integrantes:

   
  • Yana “Hivernalia” Filippova (vocais líricos e rasgados)
  • Mikhail “Opirus” Bukanov (guitarra, baixo)
  • Vlad “Tepesh” Anatolev (bateria)

Músicos convidados:

   
  • Anton “Synthezx” Levin (teclados)
  • Anton “Mmmaestro” Bukanov (piano de cauda) – faixas 4 e 9

Faixas:

  • 1.Incantamentum
  •    
  • 2.Invictus
  • 3.La Casa Sotto La Tredicesima Luna
  • 4.Mama
  • 5.The Grace Of Vicious Horror
  • 6.Bella Tristezza Celeste
  •    
  • 7.Le Passé
  • 8.The Curse
  • 9.Winter Nightfall

Redigido por: Stephan Giuliano

   
   

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