Já viram um escultor trabalhando em pedra? Cada uma de suas ferramentas servem para um propósito, o trabalho de uma lixa não é o mesmo que o de um martelo ou um cinzel, porém, um sem o outro não possui a mesma qualidade no trabalho final. Por muitas vezes, as obras finais resultam de dias e até semanas de trabalho. A precisão de suas mãos tem que ser única, pois qualquer erro ali pode comprometer todo o trabalho. Até a escolha da pedra é importante pro seu objetivo. Após a sua ideia bem clara, suas ferramentas separadas e sua determinação em riste, ele se põe a projetar tudo da maneira mais perfeita possível. Seu cinzel esculpe na pedra de forma continua, quase disforme para quem observa de longe.
Mesmo ainda se tratando de uma pedra sem forma, o escultor consegue olhar adiante e ver o seu plano tomando forma. Com uma lixa, ele vem preparando todas as dobras de sua escultura, organizando aquilo para que se torne mais visível e polido. Ainda com o cinzel, ele se atenta a pequenos detalhes que podem ter passados despercebidos. Agora tratasse dos detalhes finais. Com uma outra lixa, ele vem dando todos os retoques daquela obra.
Polimento e trabalho final
Aquele pedaço de pedra disforme de outrora, agora já possui face e forma. Cada detalhe é perfeitamente alinhado e designado ao seu lugar. Por fim, ele se prepara para os toques finais. A lixa de finalização desliza por toda a obra, com a medida exata de força e na direção correta, aquela pedra que para muitos parecia feia e sem beleza, agora exibe um brilho único. Todos os detalhes do trabalho manual deste escultor, tem o realce certo e sua obra é simplesmente magnífica. Anos de sua vida foram dedicados a esse ofício, e por mais que este fique por muito tempo sem exercer seu trabalho, dentro de sua cabeça, nos seus músculos, toda sua capacidade e genialidade continua funcional e viva.
Artesões Musicais
Isso também é encontrado na música. Como verdadeiros “escultores” sonoros, muitos músicos conseguem lapidar o seu som de uma forma que a “pedra bruta” se torna uma verdadeira obra de arte. Muitos músicos passam anos e anos sem lançar nada em seus determinados projetos e bandas, mas quando decidem fazer isso, somos surpreendidos pela beleza dos versos e construções únicas. Esse é o caso do Job For a Cowboy. A banda americana surgiu em 2003 e fazendo um som que ajudou a moldar uma geração. Com o passar dos anos, a banda foi amadurecendo e se tornando cada vez mais polida e melhor. Para quem não conhece a sua história, aqui vai uma prévia.
Job For a Cowboy nasceu em 2003, fruto de uma união de 5 jovens que tinham entre 15 e 16 anos. Esses 5 jovens gravaram o que seria uma das masterpieces do famigerado Deathcore. “Doom” foi o primeiro lançamento da banda, em 2005, que culminou em músicas pesadas e cheias de breakdowns. Destaques para “Entombment of a Machine”, “Knee Deep” e “Entities”. Essa última, já apresentava muito bem o que a banda buscava fazer, além de um som bruto, JFaC tinha gosto por melodias bem trabalhadas e técnicas.
Em 2007, sai “Genesis”, o disco apresenta uma banda mais madura, distante daquele Deathcore que marcou o seu início de carreira, porém com um Death Metal mais simples. Mas levando em consideração a idade dos músicos, é de se entender o contexto geral. Todos jovens e tocando aquilo que lhes interessava na época. Por fim, a banda ainda apresenta mais dois lançamentos, “Demonocracy” e “Sun Eater”. Esses discos foram ótimos para a carreira da banda, mas mesmo assim, mostravam que os jovens poderiam ainda mais se empenhar em polir sua música.
10 anos de preparação
O encontro perfeito entre o old school e a new school acontece de forma sublime no lançamento de “Moon Healer”. Aqui, conseguimos ver como a banda conseguiu lapidar de forma excelente as suas composições para que sejam atuais e mesmo assim não percam o apelo que todo fã de Metal preza, o old school. O trabalho que, finalmente, viu a luz do sol após 10 anos depois de “Sun Eater”, teve muito tempo para ser preparado. Tal qual um escultor que se esforça em deixar sua obra o mais perfeita possível, os quatro membros remanescentes do Job For a Cowboy (Jonny Davy, Alan Glassman, Nick Schendzielos e Tony Sannicandro) fizeram o máximo para polir e dar o acabamento que faltava ao seu 5° disco de estúdio.
O full é composto por 8 composições brutais e complexas, remontando a época de ouro do Death Metal técnico, que contava com nomes como Gorguts, Deeds of Flesh, Cynic, Atheist e Obscura. Mas quem se engana achando que o peso foi esquecido, se prepare para a descarga sonora que “Moon Healer” pode oferecer.
Artwork e conceito
Lembrando bem do que foi apresentado a nós pelo Death (sim, de nosso saudoso Chuck Schuldiner) em seus discos mais filosóficos, “Moon Healer” consegue ser uma reflexão cósmica sobre a vida, sociedade, divindade, e estudo da Gnose (explorado pela arte do pintor renascentista Hieronymus Bosch). Segundo Jonny:
“Os conceitos do álbum seguem alguém tentando explorar uma existência humana diferente. Eles se consideravam pseudo-alquimistas. Eles eram obcecados por métodos esotéricos para acessar estados alterados de consciência através de vários caminhos, incluindo um foco na glândula pineal, que se acredita que uma pequena glândula endócrina localizada no centro do cérebro desempenha potencialmente um papel nas experiências enteogênicas. Eles cozinhavam consumíveis que alteravam a mente. Mas, ao contrário do que outros viam como uma queda na ilusão, eles acreditavam que estavam abrindo o portal para alguma forma de iluminação profunda.”
Lembrando bastante a escrita de nomes como Edgar Allan Poe e Lovecraft, a concepção lírica do disco é uma obra à parte. Sendo diretamente ligada com a artwork do disco, o sentimento de incerteza beirando a insanidade nos mostra que esse disco não será apenas mais uma obra qualquer.
O início da sinfonia
Primeiramente, o disco apresenta a excelente “Beyond the Chemical Door”, uma faixa perfeita do começo ao fim, que apresenta logo de cara o que o ouvinte pode esperar do lançamento. Técnica, peso, construções bem feitas e muita qualidade. É assustador como a banda evoluiu tanto em sentido técnico. Ouvir como cada nuance dessa faixa se conecta é verdadeiramente belo. Não é a toa que está foi a escolhida como single do disco.
Em seguida, “Etched in Oblivion” remonta as influências mais insanas possíveis. Ouvir essa obra me lembrou bastante de Obscura, tanto do disco do Gorguts como da banda alemã de Tech Death. Mas é claro, mantendo a própria identidade do Job For a Cowboy, e soando como uma banda massiva e única. Um destaque na composição completa do disco vai para a presença magnífica do baixo de Nick Schendzielos, sim, conhecido por ser baixista do Havok.
E por falar em baixo, precisamos exaltar também o trabalho incrível de Navene Koperweis. O baterista apenas assume seu papel como membro de sessão para esse lançamento, mas parece que está tão entrosado com a banda que é possível imaginar que ele é um dos membros fundadores do grupo. Essa afinidade é facilmente percebida em “Grinding Wheels of Ophanim”, onde ouvimos excelentes jams da bateria se mesclando aos trabalhos de baixo e guitarra. Em nenhum momento um instrumento quer se sobressair ao outro, todos estão dosados perfeitamente, se combinando e dando ordem ao caos.
O passado, só que bem feito
Por outro lado, quem sente falta do peso e dos riffs entrecortados que a banda apresentava, “The Sun Gave Me Ashes So I Sought Out the Moon” vai te satisfazer. Ao invés de breakdowns abusivos e gritos ensurdecedores, na faixa encontramos riffs cadenciados e com pequenas pausas e notas fantasmas criando um som sincopado, mas organizado. Os vocais mais maduros de Jonny Davy parecem muito mais efetivos agora, combinando de forma ideal com cada passagem da obra. Outro ponto excepcional no conjunto, são os solos de Alan e Tony, cheios de técnica e que não servem apenas como “encheção” de linguiça. Todos eles são construídos de forma consciente e encaixados de forma ideal ao disco.
Talvez fazendo o papel da obra mais fraseada do disco, as partes diferenciadas de “Into the Crystalline Crypts” constroem um cenário de questionamentos e incertezas, regado a raiva e desilusões. Sentimentos de loucura em detrimento da razão preenchem cada nota da composição. Simplesmente uma obra que revitaliza mais ainda a audição do disco, preparando o ouvinte para a próxima e matadora faixa.
“A Sorrow-Filled Moon” reune todos os elementos já presentes da composição e elabora de forma inteligente um monologo com o ouvinte. Com sua introdução despretensiosa feita por sons quase atmosféricos dos instrumentos, essa faixa cresce de forma progressiva, trabalhando cada frase como se fosse única. Apesar de toda técnica empregada aqui, a faixa se torna de fácil assimilação, dando gosto de ouvi-la sem enjoar.
É valido notar aqui o uso criativo do arco. Começando de baixo, com uma introdução mais introspectiva, e progressivamente aumentando até seu ápice, e novamente se reduzindo até uma finalização sucinta.
Finalizando com Excelência
Para finalizar, a banda usa duas músicas que já foram apresentadas ao público por meio de singles. “The Agony Seeping Storm” é a dose necessária de peso para o disco. Com riffs rápidos e vocais agressivos, essa seria a obra perfeita em sentido transitório, mostrando que a maturidade musical da banda está ai. Peso e técnica andando de mãos dadas. Novamente as linhas insanas de baixo são uma beleza à parte.
Por fim, “The Forever Rot” talvez seja o Magnus opus desse disco. Com uma construção bem técnica, e letras extremamente esotéricas, a composição facilmente agradará desde o fã do Death mais cru, até o fã do Metal extremo mais atual. Os 6 minutos de composição são intensos, intrusivos e impactantes. É uma experiência única ouvir essa composição dando a atenção devida para cada verso entoado por Jonny Davis. Sua voz bem trabalhada da vida ao lirismo, e preenche os ecos construidos pelo trabalho instrumental. Simplesmente incrível!
“I can overhear my shadow’s dimming cry
It wept and said
“Only that of which can destroy itself is truly alive”
No longer was I to be revived
My body had been purged
Bathed by the sound of flies”
Job For A Cowboy totalmente refinado?
Como um conhecedor da trajetória do grupo, para mim é maravilhoso ver como a banda conseguiu tanto evoluir e se tornar algo melhor. Musicalmente falando, a evolução foi impecável e fez com que eles encontrassem o caminho certo.
Muito tempo demorou para que esse polimento ocorresse, é verdade. Mas a banda começou cedo, levou alguns anos, mas atingiu a maturidade e polimento ideal. Hoje, o grupo entrega aos seus ouvintes um disco conciso, bem feito, inspirado. Pergunto-me, será que valeria mais a pena a banda lançar dezenas de discos medianos e mal construídos?
Bem, acredito que a resposta seja obvia. Obrigado, Job For a Cowboy, pelo tempo ideal e pelo trabalho entregado!
Nota: 9,0
Integrantes:
Jonny Davy (vocais)
Alan Glassman (guitarras)
Nick Schendzielos (baixo)
Tony Sannicandro (guitarras)
Navene Koperweis (bateria – membro de sessão)
Faixas:
- Beyond the Chemical Doorway
- Etched in Oblivion
- Grinding Wheels of Ophanim
- The Sun Gave Me Ashes So I Sought Out the Moon
- Into the Crystalline Crypts
- A Sorrow-Filled Moon
- The Agony Seeping Storm
- The Forever Rot
Redigido por Yurian ‘Dollynho’ Paiva