Estamos já em clima de tempestade de verão, pois aqui o Deus Sol reina fulminantemente. Isso quando não chove por horas a fio. Mas, isso é conversa para outra ocasião. O que interessa mesmo é entender junto com você, caríssimo e assíduo leitor, o quão grandioso e desvalorizado é o Metal feito por pessoas daqui vizinhas a nós. Claro que devemos discutir para saber se vale realmente à pena ou não. Mas, somente o fato de bandas e artistas brasileiros nos brindarem com discos de janeiro a dezembro, coloca uma pá cheia de sangue arrancado do vacilão do sofá e “aifúdi” na fuça do mesmo quanto ao assunto.
Cülpado é a típica one-man-band formada pelo multi instrumentista Jeff Verdani, e que já estava na mira de lançar seu debut desde quando começou a lançar seus singles dos quais figuraram em nossas páginas. Casos de “Canibais de Garanhuns” e “Loucura a Dois”. Com letras em português maquiavélicas e bem encaixadas nas estruturas condizentes com a trilha que percorre os meandros do Death Metal, o Cülpado está aí para fazer mais vítimas de sua sonoridade própria e muito bem dita. “Romper da Realidade” apresenta oito canções que pretendem fixar na mente das pessoas tais versos em nosso idioma local. O disco foi lançado no dia 15 de dezembro via Kill Again Records, tendo a produção em parceria entre Jeff Verdani e Ivan Pellicciotti.
Indo mais adentro da carne podre onde se encontra a ficha técnica, obtemos informações sobre a gravação disco. As guitarras foram gravadas no Reiser Home Studio por Patrick Reiser e também no Estúdio O Beco, sendo este segundo o local responsável também pela edição, mixagem, masterização, bateria, baixo e vocal. Os três últimos levam a assinatura de Ivan Pellicciotti. Já a arte da capa ficou a cargo de Ícaro Freitas (Skull Full Of Ink), e as fotos, cortesia de Mateus Cantaleäno.
Mas, será que essa pipoca paranaense é boa mesmo? A pergunta é proposital e será entendida ao longo da jornada. Aperte os cintos e vamos ao que interessa!
Quando o disco abre logo com sua faixa-título, traz a ligeira impressão de estar gastando cartucho logo cedo, mas o que acontece em “Romper da Realidade”, é que a canção condiz com o fato da mesma estar como abertura da obra. Já demonstrando ser um álbum bem direto de acordo com os primeiros acordes iniciais, a ideia parece funcionar a princípio. O Death Metal é a principal arma no processo de concepção dos riffs e recebe pequenas adições de Thrash, o que gera o apelido de “Death Thrashing Metal”, rompendo toda a falsa realidade vivenciada por alguém que não sabe do que se trata quando o assunto é música. Você pode ter a sensação de matar por prazer, tamanha a violência sonora reunida neste material, mas procura manter a concentração com a intenção de notar cada mudança de andamento sem que se perca no meio do caminho sombrio do Metal da morte que fica cada vez mais visceral e afiado.
Observar o maníaco em sua terrível alçada não te faz o melhor detetive do mundo, pois este posto já pertence a Sherlock Holmes. Portanto, ter o maníaco como um maldito é a expressão certa a se pensar durante a trilha sonora esplêndida. Sem deixar o fervor se esvair a onda de magnetismo sonoro, ativada pelos glóbulos vermelhos e leucócitos espalhados por todo o local do crime, permanece viva e disposta a torturar sua vítima com doses cavalares de cadencia nas cordas e ímpeto nos pedais, até que se mude o ritmo novamente. Não bastando bancar o maníaco descontrolado, tem que fazer picadinho das pobres almas que não suportam os riffs com gosto de ferrugem e cheiro de carne apodrecida. E onde há o Metal mortífero também há blast-beats e jogo de pratos que incendeiam qualquer arena de batalha.
Em “Garanhuns” não se pode vacilar senão poderá servir de alimento para seus habitantes. O seu gosto pode ser horrível, mas o importante é fazer e ver você sofrer diante do ritual em que o mesmo é servido a sangue frio. “Duas mulheres desaparecidas / Num município do Pernambuco / Foram mortas e escondidas em pedaços / Dentro do freezer dos Canibais de Garanhuns” – o cuidado é pouco e canção te condiciona a seguir seu assassino, até que descobre-se que se trata de um trio macabro responsável por contar os detalhes dos rituais que realizavam. Os riffs de guitarra mostram como as vítimas esgorjadas tinham seus restos mortais jogados em covas rasas e a carne que os alimentava era comercializada livremente, e com as partes Thrash mais evidentes, justificando a forma fúnebre de cortejo adiante. O cerimônia é feita com ampla violência onde os disparos de bateria acertam em cheio o alvo distraído e com sua alma já suplicando por sua imprestável vida. As linhas de baixo invocam os diversos males que surgem para enriquecer a sonoridade e esclarecer ao ouvinte que a pregação do dia é em louvor ao Death Metal.
Assim como o mestre Gigio Vieira costuma dizer esse momento é para dançar agarradinho com sua amada (enquanto o pulso ainda pulsa), tornando o ato simplesmente em uma loucura a dois, tamanha agressividade desferida como uma sequência de golpes de seu melhor lutador. “Nossa missão é regurgitar / Os pecados de Caim / Afrontar Deus e bombardear / A sua torre de marfim” – a dança te faz observar por entre as ondas de rádio que contam a todos nós sobre os pensamentos um do outro. Com vista para o conjunto de notas graves despejadas mar auditivo adentro, é possível ouvir a voz de nosso aliado Satã disposto a vir ao nosso encontro para explodir o estopim que renovará o Jardim do Éden. A resposta está na renovação do Jardim, e a pergunta inicial poder respondida através do título daquela que fecha o rodapé deste artefato giratório, ou seja, “Pipoca, Sangue e Pólvora”, do jeito que todos os amantes da angústia e dilaceração “muzgal” adoram e com direito a uma intro dedilhada, antecedendo os primeiros riffs até que todos os instrumentos são apresentados. A mais longa das faixas contendo pouco mais de oito minutos possui poucas mudanças e apresenta elevação de notas, terminando nos mesmos moldes de seu início. Todas as participações especiais no disco executam suas funções de forma magistral, o que só trouxe mais riqueza ao material de estreia de Jeff Verdani. Um ponto não tão alto é o próprio vocal de Verdani que aparenta estar baixo e abafado, o que dispersa um bocado os seus dizeres, mas que não afetam o álbum como um todo. Finalizando a viagem podemos dizer que se trata de “mais um gol brasileiro, meu povo”!…
“As mortes eram parte
de um culto criado
chamado “cartel”
pelo líder assim foi nomeado
Escolhiam que seria eliminado
para tornar o mundo purificado
Um esquizofrênico comandado por forças malignas
realidade projetada por sua mente doentia
e suas duas companheiras contaminadas o seguiam”
Nota: 8,4
Integrantes:
- Jeff Verdani (todos os instrumentos, vocal)
Artistas convidados:
- Ivi (Podridão) – Solo em “Maníaco Maldito”
- Aly Fioren (SadTheory/Carttada) – Solo em “Picadinho”
- Patrick Reiser (Independente) – Solo em “Canibais de Garanhuns”
- Daniel Danmented (Axecuter) – Solos em “Cortejo Fúnebre”
- Luiz Carlos Louzada (Vulcano) – Backing vocal em “Cortejo Fúnebre”
- Kleber Hora (GestosGrosseiros) – Solo em “Loucura a Dois”
Faixas:
1. Romper da Realidade
2. Mato por Prazer
3. Maníaco Maldito
4. Picadinho
5. Canibais de Garanhuns
6. Cortejo Fúnebre
7. Loucura a Dois
8. Pipoca, Sangue e Pólvora
Redigido por Stephan Giuliano