Existem três necessidades primordiais na vida de basicamente todas as espécies conhecidas, são elas: O inicio, o processo e o fim de ciclos. Para que as coisas continuem fluindo, apesar dos percalços, é necessário entender a importância do final de um ciclo, para que outro se inicie com êxito. Este é um conceito muito bem conhecido no meio do Metal, e apesar de ser algo que inicialmente seja difícil, inaceitável e até traumático, com o tempo é compreendido que foi necessário se desligar ou finalizar um projeto, para dar vida a outro que corresponda suas necessidades. E para o alvorecer do Crypta, foi necessário que Fernanda Lira (Baixo e Vocal) e Luana Dammeto (Bateria) se desligassem do Nervosa, uma banda já estabelecida e bem estruturada. Para que esse novo ciclo finalmente visse a luz do dia, a guitarrista holandesa Sonia Anubis (Ex-Burning Witches, Cobra Spell) entrou para a banda, que inicialmente seria um trio. Quase 12 meses depois, a incrível e prodigiosa guitarrista Tainá Bergamaschi se junta ao Crypta, estabilizando oficialmente o projeto como um quarteto.
Acredito que seja necessário fazer algumas observações contundentes a respeito não apenas da sonoridade do debut , mas sobre o quarteto em si. Basicamente, o Crypta é uma banda essencialmente Death/Thrash Metal, extremamente influenciada pelo Death Metal Old School e Death Metal Melódico, em alguns momentos flerta com Black Metal, mas sem perder sua essência. Isso é o que foi vendido na extensa campanha de divulgação das meninas desde o inicio, e é isso que irá encontrar aqui, ou seja, se você esperava pela revolução do Metal ou por algo que mudasse os rumos da música extrema, vai se frustrar imensamente, então culpe apenas suas expectativas. Agora se você conhece o trabalho da dona Fernanda Lira e sua comadre dona Luana, você sabia muito bem o que estava por vir, um álbum que entrega prontamente o que foi proferido, Death Metal com requintes de Thrash. Dito isso, algumas características do álbum justificam uma certa polarização. Talvez o principal, seja o devastador desempenho vocal da supracitada Fernanda Lira, que divide os fãs do Metal extremo desde sua época no front do Nervosa. Os vocais da moça talvez nunca foram tão intensos, rasgados e ríspidos como estão neste registro, está no ápice da sua interpretação perniciosa e mantém isso durante todo o álbum. Porém devo admitir, que a frequência com que a moça intercala entre os vocais mais rasgados e altos, com vocais guturais e baixos, seja um aspecto que por vezes se torna cansativo e enjoativo, não pelo ato de intercalar as técnicas vocais, mas pela sua forma quase que deslocada. Mas não podemos dizer que essa característica tenha prejudicado todo o registro… Será?
Gravado no Family Mob Studio em São Paulo, “Echoes of the Soul” foi produzido por Thiago Vakka (Jupiterian) , mixado pelo altamente requisitado Arthur Rizk (Eternal Champion, Power Trip, Cavalera Conspiracy) e masterizado pelo lendário produtor Jens Bogren (Sepultura, Kreator, Arch Enemy) em seu estúdio na Suécia. Já podemos destacar que a parte técnica do álbum é fantástica, registro extremamente bem produzido e mixado, todo mundo tem seu espaço aqui, não só por parte das duas comadres, mas as duas aquisições valiosíssimas para o projeto, responsáveis pelas guitarras. Sonia Anúbis, de apenas 22 anos e a dona Tainá, com certeza, elevaram o debut da banda para outro nível. Seus estilos e suas particularidades casaram muito bem aqui, dos riffs mais agressivos e tenebrosos até os solos mais melódicos e técnicos, a sonoridade das meninas encontram um equilíbrio muito fluente.
Sem mais delongas, somos prontamente arremessados no covil soturno, onde estão enterrados os sacerdotes e membros do alto clero em “Awakening” . Mas é logo em seguida que o álbum começa de vez, com “Starvation”, segundo single lançado pela banda, e um petardo brutal e sem dó que denuncia um dos maiores males da humanidade que simplesmente é ignorado e negado constantemente, a fome. Logo em seguida, temos “Possessed”, faixa que ao meu ver é a melhor de todo o registro, extremamente inquietante e agressiva, com uma atmosfera macabra que permeia no instrumental e transcorre pelos vocais demoníacos de Fernanda, que soam como se estivessem blasfemando maldições de maneira muito convincente, enquanto Luana simplesmente destrói tudo ao fundo, numa série de blast-beats insanos.
Em “Death Arcana”, o ritmo fica mais cadenciado e ameaçador, e quem brilha aqui são as moças das seis cordas, com uma série de riffs cavalgados e solos fantásticos e cheios de feeling, muito bem executados. “Shadow Within” é mais do mesmo citado acima, porém muito competente, Death Metal carniceiro e podre com a nossa querida Fernanda mostrando todo o seu poderio vocal, fazendo a sua famigerada transição insana entre graves e agudos.
Em “Under The Black Wings”, o ritmo volta desacelerar e o caldo engrossa novamente, aquela faixa que estimula o pescoço e a cabeça, quase impossível não banguear junto com os riffs. Em “Kali”, temos uma faixa que se destaca muito de todo o registro, com dona Luana descendo a mão sem dó no seu Kit, com uma intro digna de Judas Priest, indo de encontro com riffs mais melódicos e harmoniosos, cortesia da aliança musical entre Brasil e Holanda. Fernanda Lira citou recentemente em um vídeo no canal oficial do Crypta, que a faixa que carrega o nome da Deusa Hindu “Kali”, vista superficialmente como a deusa da morte e destruição, fala muito mais sobre o ego, egoísmo e como a própria entidade Hindu se denomina como a destruidora do ego.
Em “Blood Stained Heritage”, somos jogados na sanguinária amálgama de Thrash/Death, e novamente temos um série de ótimos solos , solos simples porém ótimos. Chegando próximo do final temos a maravilhosa “Dark Night of The Soul”, que poderia muito bem encerrar o registro com chave de ouro, além de ser o suprassumo de basicamente toda a sonoridade já supracitada acima, onde todas a integrantes brilham, a faixa se encerra com uma atmosfera digna de conclusão, com breves acordes cheios de acalento e esperança, depois de toda a destruição e desgraça ter passado.
O disco então se encerra oficialmente com “From the Ashes”, décima faixa e primeiro single lançado pela banda, que poderia muito bem ter sido a faixa inicial do registro, considerando que foi o primeiro contato que publico teve com a proposta de som das meninas, além de ser uma verdadeira arrasa quarteirão devastadora, perfeita como cartão de visita de um debut de Death Metal. Perderam uma oportunidade nessa.
Chegando ao final deste passeio pelos covil do diabo, devo insistir que se trata de um álbum muitíssimo competente e de acordo com o que foi proposto e com certeza com o passar do tempo e um melhor entrosamento musical entre as meninas, poderemos ver o potencial real deste projeto que promete evoluir bastante ainda, temos quatro moças que sabem muito bem como fazer musica pesada de qualidade, conseguiram assinar um contrato com uma das mais importantes gravadoras especializadas em Metal, e um registro muito bem produzido e tocado já lançado. Sem dúvidas um diferencial no cenário tão competitivo e saturado do Metal atual .
Nota: 8.5
Integrantes:
- Fernanda Lira (vocal, baixo)
- Luana Dametto (bateria)
- Tainá Bergamaschi (guitarra)
- Sonia Anubis (guitarra)
Faixas:
- Awakening
- Starvation
- Possessed
- Death Arcana
- Shadow Within
- Under The Black Wings
- Kali
- Blood Stained Heritage
- Dark Night Of The Soul
- From The Ashes
Redigido por: Vaz