Quantas vezes você escutou esta frase? “O Pantera salvou o Metal nos anos 90″. Muitas vezes, eu aposto. Mas quanto disso é verdade e quanto é apenas alucinação? Vamos tentar esclarecer.
No início dos anos 90, o Metal estava em alta e muitas bandas estavam ascendendo ao mainstream. Discos como “Painkiller” (Judas Priest), “Rust In Peace” (Megadeth), “Coma Of Souls” (Kreator), “Seasons In The Abyss” (Slayer), “Empire” (Queensryche), “Tales From The Twilight World” (Blind Guardian), “Spiritual Healing” (Death), “Slaughter In The Vatican” (Exhorder), “The Eye” (King Diamond), “Cause Of Death” (Obituary), “Into The Mirror Black” (Sanctuary), assim como “Cowboys From Hell” (Pantera) e muitos outros, foram todos lançados na virada da década, no ano de 1990.
Convenhamos, este foi um ano muito promissor. E, caso você pudesse voltar no tempo, iria perceber que absolutamente ninguém realmente era capaz de prever o que estava por vir.
Os fatores que resultaram na queda
Mas acontece que alguns fatores são preponderantes para que você entenda o que realmente aconteceu. O primeiro deles foi a famigerada ascensão do Grunge. Mas que fique claro, este não foi o principal fator que desbancou inúmeras bandas de Metal.
Nesta época, os artistas eram guiados pelos executivos das grandes gravadoras e, como bem sabemos, tais figuras mandavam e desmandavam em seus contratados. Eram estes os figurões engravatados que direcionavam e, até mesmo, exigiam que bandas desviassem suas sonoridades para algo totalmente diferente de suas características (geralmente, músicas mais comerciais e pasteurizadas).
Se as vendas iam bem, a gravadora pouco intervia, caso contrário, o artista precisaria dar um jeito ou perderia seu contrato. Faça um pequeno exercício mental e responda: quantas bandas você conhece que aceitou gravar álbuns comerciais ou com musicalidades antagônicas às suas próprias características? Poderíamos listar uma quantidade realmente grande de exemplos.
Mas acontece que uma banda em específico acabou sendo decisiva na derrocada de muitas outras bandas nesta época: o Metallica.
A influência do Metallica
Ao se aprofundar na aparição do Thrash Metal nos Estados Unidos, no início dos anos 80, você vai notar que o Metallica puxou a fila para que outros grupos da Bay Area de São Francisco pudessem se destacar também. O quarteto foi o primeiro a assinar um contrato, o primeiro a sair em turnê pelo país, o primeiro a fazer sucesso…
No documentário “Murder In The Front Row”, integrantes das demais bandas contam que se comunicavam com os membros do Metallica por cartas. Eles pegavam dicas do que fazer e de qual caminho seguir. Grande parte das bandas de Thrash que vinham ganhando destaque na mídia, esperava o Metallica agir para imitar ou replicar a tomada de decisão.
Obviamente, quando o Metallica resolveu deixar o Thrash Metal de lado e investir em um álbum mais comercial como “Black Album”, alguns músicos ficaram reticentes. Mas quando viram o sucesso avassalador do disco e as músicas sendo tocadas em todas as rádios, programas de música e comerciais de TV… bem, é só dar uma olhada no que fez o Exodus, o Testament, o Death Angel, o Megadeth e outras. Não foi mera coincidência, foi influência direta do Metallica.
Em busca do pote de ouro…
Nem preciso mencionar que boa parte destas tentativas foram verdadeiros tiros no pé. Em um passe de mágica, várias bandas promissoras no cenário Thrash tinham virado a casaca e deixado os fãs antigos emputecidos. Isso sem contar as coincidências desastrosas como as bandas da Alemanha desacelerando. Das mais relevantes, o Destruction se separou do vocalista/baixista Schmier, entrou em crise e o Kreator ativou o modo “década da esquisitice musical”. Somente o Sodom permaneceu firme e forte. Voltando aos states, o Slayer ficou em stand-by retornando apenas em 1994 (depois do caldo já ter azedado, diga-se de passagem) e, veja, não foi só isso…
Estamos até agora falando de Thrash Metal, mas o Heavy tradicional penou também. O primeiro golpe levado pelo Heavy foi o próprio surgimento do Thrash, mas para complicar ainda mais, diversas bandas de Heavy que vinham muito bem nos anos 80, começaram a derrapar no inicio dos 90. Algumas mudaram suas sonoridades para tentar vender mais e agradar as gravadoras (caso do Queensryche), outras perderam músicos importantes (como o Judas Priest, que perdeu Rob Halford e ficou anos sem gravar) e outras viviam seus últimos dias de auge (o Iron Maiden é um bom exemplo, já que lançou um disco de sucesso em 1992 e logo depois viu Bruce Dickinson dar no pé para se arriscar em carreira solo).
Os estilos extremos vinham em ascensão com, principalmente, a cena Death Metal fervilhando em Tampa, na Flórida. Mas convenhamos, o Death Metal era muito violento musicalmente e, para CEO’s e diretores de corporações, acreditava-se que não era algo muito fácil de se vender. Por outro lado, o Grunge era algo de fácil abordagem. Perceba como existiram diversos fatores para que o Metal perdesse espaço para o Grunge.
O Pantera seguiu o caminho inverso
E você deve estar se perguntando, “Ok, até aqui tudo certo, mas e o Pantera?”
Bem, o Metallica para escalonar até a posição mais alta do mainstream precisou “amaciar” sua sonoridade. De Thrash old school veloz e visceral, o grupo precisou de um produtor (Bob Rock) bem sucedido na arte de “suavizar” elementos de agressividade, tornando-os mais comerciais e radiofônicos.
O Pantera escolheu andar do outro lado da via.
Começando como uma banda de Hard Rock/Glam Metal nos anos 80, o quarteto texano já estava em um processo de mudança acentuado. O primeiro álbum com o vocalista Phil Anselmo (“Power Metal”, de 1988) já demonstrava ser muito mais agressivo que os trabalhos anteriores. Mas nada que se comparasse ao impacto que “Cowboys From Hell” causaria nos ouvintes em 1990.
Em 1991, enquanto o Metallica aveludou geral com seu disco autointitulado (popularmente conhecido como “Black Album”), o Pantera deu sua resposta no ano seguinte e foi um recado ainda mais brutal. “Vulgar Display Of Power” provocou uma verdadeira revolução. A banda trouxe diversos elementos diferentes, adicionou mais Groove em sua música e, certamente, a deixou mais violenta e visceral.
Cada vez mais pesado
Para você ter uma ideia, nessa época, caso você sintonizasse sua TV na MTV ou ligasse seu rádio em alguma FM, provavelmente, se depararia com uma sequência de músicas parecida com esta: “The Unforgiven” (Metallica), “Come As You Are” (Nirvana), “Don’t Cry” (Guns N’ Roses), “Easy” (Faith No More), “Under The Bridge” (Red Hot Chilli Peppers) e, do nada, uma “Fuckin Hostile” ou “Mouth For War”, do Pantera, interromperia a programação normal para entregar música pesada de verdade ao ouvinte. E isso também acontecia nas rádios e programas voltados ao mainstream ou grande público. Então, sim, o Pantera além de se destacar em um cenário voltado a bandas de Rock e Metal, também rivalizou com artistas Pop do alto escalão.
Talvez você não saiba, mas “Far Beyond Driven”, de 1994, estreou diretamente no primeiro lugar da Billboard, se tornando o primeiro e único disco de Metal extremo a atingir tal posição.
Na época do lançamento, Phil Anselmo comentou o seguinte:
“O Metallica tinha atingido esse ápice, e agora eles estão meio que diminuindo e escrevendo coisas mais comerciais, enquanto percebemos que nosso ponto forte, mais uma vez, era nos ater ao Heavy Metal e torná-lo tão pesado quanto nosso estilo permitisse”
Durante as gravações de “Far Beyond Driven”, o Pantera foi pressionado pela gravadora para que fizesse um disco mais comercial e palatável como o Metallica havia feito. Mas a banda se fechou e recusou todas as investidas. A ideia era ser ainda mais brutal do que no disco anterior e se manter o mais longe possível da musicalidade do Metallica.
O veredicto é por sua conta
Bem, se o Pantera salvou de fato o Metal, acho que você, amigo leitor, pode fazer a sua avaliação, mas uma coisa podemos afirmar com toda a certeza. Enquanto o Thrash Metal era reduzido ao pó, o Heavy via seus maiores nomes passando por dificuldades, o Death era muito extremo para o mainstream e, com isso, o Grunge juntamente com alguns nomes do Hard Rock, dominavam os charts e paradas de sucesso de todo o mundo, músicas como “Cowboys From Hell”, “Domination”, “Walk”, “Fuckin Hostile”, “Mouth For War”, “This Love”, “5 Minutes Alone”, “I’m Broken”, “Becoming”, “Strenght Beyond Strenght” e outras, seguiram cooptando jovens e abrindo portas para todo um universo de música pesada.
Ninguém me contou, eu vi tudo isso acontecer…