Ian Fraser Kilmister (Lemmy) é originário de Stoke-on-Trent, uma pequena cidade do condado de Staffordshire, na região de West Midlands, na Inglaterra.
Desde muito cedo desenvolveu fascínio pela música e pelo poder que a mesma exercia nas pessoas. Ainda jovem, já era dono de um espírito rebelde por natureza e, apesar de ter nascido na véspera do natal em 1945, foi um dos maiores críticos religiosos que o Rock concebeu. Além de ter escrito inúmeras letras sobre este tema, também era um opositor ferrenho da classe política como um todo. Lemmy era um adepto imparável da liberdade, nada poderia colocá-lo dentro de uma caixa, ele fazia suas próprias regras e jamais abriu mão de seus ideais.
Algumas coisas faziam a cabeça de Lemmy. O Rock and Roll sem dúvida foi a força motriz por traz de tudo, mas ele era fascinado por outras coisas também: jogos, bebidas, alguns tipos de drogas e, obviamente, mulheres. Em entrevista para o documentário “Live Fast, Die Old”, ele disse que entrou no mundo da música apenas por conta do fascínio que as mulheres tinham por músicos:
“Não, talvez eu não tenha amado a música desde muito jovem, mas eu tive um violão antes de saber tocar. Um moleque levou um violão pra escola depois de uma semana de provas, então este moleque pegou o violão e imediatamente ficou cercado de garotas. Eu pensei: ‘é isso que eu quero para mim!’, entendeu? Nessa época eu estava muito frustrado, vivia em agonia, e esse moleque e outros guitarristas na escola viviam cercados de meninas, eles pareciam encantá-las. Eu nem sabia tocar, sabe? Mas tinha um violão e isso já foi o suficiente para começar tudo.”
A saber, no documentário “49% Motherfucker, 51% son of a bitch”, Henry Rollins menciona uma frase dita por Lemmy que dá uma noção exata de quando a música realmente tocou o coração do músico. Segundo Rollins, certa vez, Lemmy disse a frase que explicaria toda sua devoção ao gênero:
“Eu me lembro de como era antes de existir o Rock and Roll. Eu me lembro quando só existiam discos da Rosemary Clooney. Me lembro antes de existir o Rock, quando só havia os discos da sua mãe. Depois ouvimos Elvis e não conseguimos mais voltar atrás. Ouvimos Rock and Roll pela primeira vez e sabíamos que era aquilo que queríamos.”
Antes do estrelato
Muito antes do Motorhead, Lemmy teve toda uma vivência dentro do mundo do Rock. Aos 16 anos de idade, encantado por aquele tipo de música, viajou para assistir uma banda novata que estava sendo muito comentada e causando alvoroço no interior da Inglaterra. Lemmy foi até Liverpool e conferiu um show dos Beatles no Cavern Club, antes mesmo de gravarem seu primeiro disco. Anos mais tarde, se tornaria a sua banda favorita em todos os tempos.
Segundo reza a lenda, ele andava no meio dos músicos até que o deixassem tocar, e caso não deixassem, ele carregava os instrumentos e ajudava no backstage. Foi assim que se tornou roadie de Jimmy Hendrix e também o seu traficante particular. Depois de tocar em alguns grupos como The Rockin’ Vickers e Sam Gopal, o Hawkwind apareceu e, foi então que a carreira do músico começou a ter algum destaque. Lemmy permaneceu na banda de 1971 à 1975, até ser expulso por ter sido detido na fronteira do Canadá por posse de “speed” (anfetamina). “Motorhead” foi a última música que Lemmy compôs para o Hawkwind, mas como foi demitido, acabou virando o nome e a primeira composição de sua próxima banda.
“Sunrise, wrong side of another day,
Sky high and six thousand miles away,
Don´t know how long I´ve been awake,
Wound up in an amazing state,
Can´t get enough,
And you know it´s righteous stuff,
Goes up like prices at Christmas,
Motorhead, you can call me Motorhead, alright”
Influência
Quem acompanha o Mundo Metal há mais tempo sabe que, principalmente, nas nossas redes sociais, costumamos usar a figura emblemática de Lemmy Kilmister como uma espécie de “patrono”. E isso tem um propósito muito maior do que o fato do líder do Motorhead ter sido um dos rockstars mais famosos da história. Lemmy foi um músico diferenciado em todos os sentidos. Ele entendia o que significava estar envolvido com o Rock, praticava o que pregava e dedicou toda sua vida a isso.
Atitude!
O Motorhead enfrentou executivos e gravadoras durante toda sua carreira. A banda sempre se negou a ceder às pressões e nunca compactuou com qualquer tipo de exigência que os fizessem ser algum tipo de produto pré-fabricado. As regras do show business não se aplicavam ao trio e, para Lemmy, esse sempre foi o diferencial. Ele disse:
“É isso que as pessoas gostam no Motorhead: a atitude! Nós nunca desistimos de nada, nunca deixamos que nos façam fazer nada que não queremos, nunca dissemos ‘ok, sim senhor’, nunca fizemos isso, nós sempre dissemos ‘foda-se’, e continuamos dizendo. É por isso que estamos tão quebrados (risos)”
Certa vez, questionado sobre seus objetivos com o Motorhead, Lemmy disse o seguinte:
“Nós estamos apenas reavaliando certas coisas. Preciso ter um bom objetivo e é por isso que o Rock se destaca. É reclamar, gritar, amaldiçoar e chutar, mas não se meter em nenhum tipo de política, porque os políticos são a anátema do Rock and Roll, são o maior oposto que você pode encontrar. O Motorhead já estaria acabado se tivesse algum tipo de direcionamento político.”
O Motorhead é considerado um dos três nomes mais importantes e influentes para o desenvolvimento do Heavy Metal, da mesma forma que o Black Sabbath e Judas Priest. Se para o que conhecemos hoje como Heavy tradicional, os dois últimos citados foram os grandes desbravadores, sem o Motorhead provavelmente não existiria Speed Metal, Thrash Metal e qualquer outro estilo mais extremo. A banda se tornou uma daquelas grandes unânimidades como AC/DC, Led Zeppelin, Deep Purple ou o próprio Sabbath.
Com uma coleção irresistível de clássicos, o Motorhead adicionou velocidade, acidez, sujeira, assim como muito peso ao Rock and Roll. As críticas a sociedade, ao fanatismo religioso e a desorganização política mundial, soam como um soco na cara dos mais desavisados. As visões de mundo de Lemmy chocaram moralistas, desafiaram o statos quo e foram tão politicamente incorretas quanto podiam. Suas falas vinham acompanhadas de sarcasmo e eram sempre ditas de forma rústica e tão explícita quanto seu cérebro pudesse suportar antes de explodir.
Estilo de vida
Lemmy tinha um estilo de vida ao qual podemos classificar como auto destrutivo ou, no mínimo, pouco recomendado. Inúmeras lendas surgiram à partir deste tipo de comportamento e a figura quase messiânica que encarnava todas as nuances do Rock and Roll era tão imponente que, até hoje, rende uma espécie de adoração.
Decerto, você já ouviu algumas histórias sobre tomar Jack & Coke no café da manhã, matar algumas garrafas de bourbon por dia sem ficar bêbado ou as famigeradas festas repletas de groupies e todo o tipo de ilegalidades. Bem, onde há fumaça, há também uma grande chance de existir fogo e é muito provável que todas essas histórias sejam verdadeiras. Mas uma coisa não podemos nos esquecer, Lemmy não fazia publicidade em cima de seu estilo de vida. Não existe música, álbum, livro, entrevista ou qualquer outra coisa onde ele incentiva seus fãs a ter o mesmo tipo de comportamento. Ao contrário disso, era comum ver Lemmy dizer frases como esta aqui:
“Não, eu não faço publicidade disto. Eu não quero que os garotos usem drogas por minha causa. Mas também não quero o contrário. Eu não faria publicidade de um estilo de vida que tirou a vida de muitos amigos meus, ok?”
Ozzy Osbourne disse em 2010:
“Nunca vi Lemmy bêbado ou qualquer coisa do gênero. De acordo com as estatísticas, ele já deveria estar morto. Todos nós vivemos este tipo de vida, mas ele… ele deve ser feito de ferro ou algo parecido”
Ao responder sobre como o Motorhead sobreviveu todos estes anos, certa vez, Lemmy disse que o segredo foi: “loucura controlada”.
O mito
Por mais que tentemos entender como ele conseguiu sobreviver tanto tempo na estrada fazendo o que fazia, é certo que o mito seguirá intacto por muito tempo. Jamais saberemos os segredos por trás da emblemática figura que subia no palco segurando um Rickembacker plugado a um Marshal e tocava tão alto quanto podia. Foi assim, sendo quem queria ser e fazendo o que queria fazer, que Lemmy levou o Motorhead a lançar álbuns fundamentais para o Rock/Metal.
Desde o começo, quando surgiram com discos espetaculares como “Overkill”, “Bomber”, “Ace Of Spades” e “Iron Fist”, o Motorhead demonstrou ser uma fera incontrolável capaz de devorar qualquer um que se aproximasse. Além da sonoridade, tinham atitude, postura, coragem e energia. Foram criticados e massacrados pela mídia, mas o público os amava e por isso tiveram uma carreira longa e bem sucedida. A cada audição, nos deparamos com frases cortantes como navalha sendo desferidas ao som de uma metralhadora incessante de riffs e ritmos hipnotizantes.
“Você sabe que é o chefe/ mas sou aquele que te custa
Posso ver nos livros/ você me faz parecer ter uma aparência suja
Você sabe, você me faz vomitar/ E não estou longe de fazer isso
Você sabe que pode me roubar/ Mas você não pode me parar
Tenho todos os ases/ todos os ases/
Tenho todos os ases e não gosto de pessoas que não tem faces”All The Aces
“Se você gosta de apostar, te digo sou o cara certo
Ganhar algumas, perder outras, dá no mesmo para mim
O prazer está em jogar, não faz diferença o que você diz
Eu não tenho sua ganância, a única carta que preciso é
O Ás de Espadas, o Ás de Espadas”Ace Of Spades
“Não preciso de crença cega
Não preciso de alívio cômico
Não preciso ver cicatrizes
Não preciso de Jesus Cristo Superstar
Não preciso de televisão aos domingo
Aposte sua vida, não preciso de religião”(Don’t Need) Religion
Conteúdo lírico
A cada lançamento, Lemmy se tornava um letrista melhor e aumentava seu nível de sarcasmo e crítica a patamares pouco vistos. “Orgasmatron”, “Rock N’ Roll”, “1916” e “March Or Die”, seguiram produzindo novos hits e o Motorhead, aos poucos, foi trazido ao mainstream sem perder qualquer resquício de rebeldia. Melhor, a banda ficava a cada ano mais suja e desafiadora. Imagine um adolescente ouvindo estas palavras em 1986:
“Eu sou o único, Orgasmatron
A mão com sede de sucesso
Minha imagem é de agonia
Meus servos estupram a terraServil e arrogante
Clandestino e vaidoso
Dois mil anos de sofrimento
De tortura em meu nomeA hipocrisia produz superioridade
Paranoia é a lei
Meu nome, sou chamado de religião
Prostituta sádica e sagrada”
A religião era um dos temas mais abordados pelo Motorhead. Lemmy era um crítico assíduo e espositor ferrenho do sistema criado pelos homens para enriquecer às custas da fé cega das pessoas. Ele também usava sua música para denunciar a elite do poder e as manipulações políticas que causavam dor e sofrimento sem precedente para as pessoas.
Em “Death Or Glory”, canção presente no ótimo “Bastards”, lançado em 1993, Lemmy se colocou no lugar e no papel de soldados e pessoas que conheceram a “morte ou a glória”, combatendo ou presenciando guerras que serviam para finalidades deploráveis:
“Eu balancei um sabre, eu fui um jovem Hussar
Eu fui um cossaco lutando pelo Czar
Eu fui um Viking, um Berserker do Norte
Um gladiador romano assassinado apenas por esporteEu estava com Bonaparte, morri em Waterloo
Eu fui um Cavaleiro Franco, um judeu polonês
Eu fui um espartano na Guerra de Tróia
Eu fui um guerreiro com um cavalo loucoMorte ou glória, morte ou glória
Marche sempre com confiança e fúria
Morte ou glória, morte ou glória
O sobrevivente solitário, nenhum conforto para mim
Morte ou glória, morte ou glória
Juiz, juri e carrasco
Morte ou glória, morte ou glória
Sangue e ferro, sempre a mesma velha história”
Personificação do Rock and Roll
Apesar da faceta afrontadora ser uma das principais marcas, o Motorhead explorava muito bem temas mais leves e debochados. O ode ao Rock and Roll, a vida na estrada, relacionamentos, festas e mulheres, também faziam parte do escrutínio da banda.
Como alguém que sabia exatamente o que representava, em faixas como “Rock N’ Roll” e “Built For Speed”, Lemmy praticamente descreveu sua personalidade.
“Você conhece as regras, todos vocês conhecem o jogo
Tente e faça o que é certo
E eu juro, não posso reclamar
Se eu morrer esta noite
Mas não acho que esteja escrito nas estrelas
Para que eu siga meu caminho
Estarei aqui por muito, muito tempo, querida
Estou aqui para ficarEu nasci para o rock’n’roll, é tudo que eu preciso
Eu nasci para detonar
Eu fui construído para a velocidade”
“Eu sou apaixonado pelo Rock ‘N Roll
Isso satisfaz minha alma
Se é assim que tem que ser, não vou ficar bravo
Eu tenho o Rock ‘N Roll, para me salvar do frio
E se isso é tudo, não é tão ruim
Rock ‘N Roll!”
Se o Black Sabbath e o Judas Priest são os nomes necessários para se conhecer a evolução do Heavy Metal em termos de padrões, características, assim como musicalidade, o Motorhead é a banda que faz tudo fazer sentido. Não há como entender o Rock and Roll ou o Heavy Metal de forma satisfatória sem fazer um “estudo” minimamente aprofundado na discografia dos ingleses e, principalmente, na história de Lemmy.
Lemmy vive!
Em uma entrevista concedida para a TV britânica, questionaram Lemmy, se sua vida fosse um filme, como ele gostaria que terminasse? Ele respondeu dessa forma:
“Com o som de trovões e eu desaparecendo no topo de uma montanha… eu desapareceria e subiria os dizeres: ‘enganei vocês de novo’. Sim! (risos)”
De certa forma, tenho a impressão que este final profetizado não foi totalmente equivocado. Já que hoje, quase tudo se transformou em motivo para “cancelamentos” e, depois de décadas, a censura novamente ronda o Rock and Roll. É certo que as falas de Lemmy seriam tiradas de contexto por uma geração que ainda falta muito para entender os pilares aos quais o gênero foi erguido.
Lemmy faleceu em 28 de dezembro de 2015 devido a problemas de saúde que o acompanhavam há tempos. Ele tinha completado 70 anos quatro dias antes de sua morte.
A presença física de Lemmy se foi, mas seu espírito transgressor, inadequado, politicamente incorreto e ácido como o inferno, permanece vivo. Lemmy será para sempre o fantasma perfeito que vai assombrar as mentes de todos aqueles que tentam colocar o Rock e o Metal dentro de uma caixa. As canções do Motorhead foram eternizadas para lembrar a todos que o Rock não se dobrará a ideologias ou credos. Lemmy foi eternizado para lembrar a todos que o Rock possui uma alma selvagem e desbravadora. Ou seja, não somos os que respondem “sim, senhor”, somos aqueles que dizem “foda-se!”.
“The King Is Dead, Long Live The King!”
Descanse em paz, Lemmy Kilmister.
Redigido por Fabio Reis
Muito bom!!!! Lemmy era a personificação do Rock em pessoa…tudo que era relacionado ao rock e metal tem algo de Lemmy!!!! Viveu respirando e bebendo tudo do Rock e acabou virando influência para várias vertentes que foram criadas ao longo do tempo!!!! Leitura boa essa, recomendo!!!! Valeu!!!!