O Power Metal viveu o seu auge popular entre meados dos anos 90 até o início dos anos 2000. Nesta época, foi impossível manter-se alheio aos diversos nomes que invadiram a cena metálica e, com tamanha exposição, o gênero acabou gerando uma série de clones não avantajados e defeituosos dos maiores ícones do estilo. Por volta de 1999, era algo totalmente natural encontrar todos os meses, dezenas de lançamentos de bandas iniciantes que copiavam na cara larga nomes como Helloween, Gamma Ray, Blind Guardian e outras. Algumas até demonstravam certo talento, mas muitas eram uns fiascos totais. Isto se tornou tão rotineiro que o Power Metal começou a cair em descrédito, os fãs deixaram de levar a sério tantos lançamentos iguais aos outros e a saturação foi inevitável. Em poucos anos, muitos headbangers perderam totalmente o interesse no gênero, que demorou um longo tempo para se renovar e voltar a trazer álbuns relevantes. Depois do surgimento da NWOTHM, do renascimento do Thrash e da nova safra do Death, faltava o Power Metal nos apresentar a sua nova geração. E, aos poucos, isso realmente começou a ocorrer…
Nomes como Powerwolf, Sabaton, Orden Ogan e Bloodbound, vinham segurando as pontas como podiam. Fazendo parte da última geração que causou certo impacto no gênero, estas bandas vinham tirando leite de pedra, mas agora, fomos novamente invadidos por uma onda de lançamentos que, de alguns anos para cá, começaram a pipocar em todos os cantos do planeta. Diversos trabalhos verdadeiramente coesos, interessantes e capazes de reascender a chama de um estilo que estava praticamente fadado a se repetir em um looping infinito. Bandas como Silent Winter, Metal De Facto, Espionage, Frozen Crown e Silver Bullet, projetos como Archon Angel, Mike Lepond’s Silent Assassins, Magnus Karlsson’s Free Fall, Marius Danielsen’s Legend Of Valley Doom e a carreira solo de Nils Patrik Johansson, foram chegando de mansinho e, aos poucos, nos conquistando.
Nils Patrik Johansson ficou conhecido no mundo do Metal por ser o vocalista do Astral Doors e, confesso a vocês, esta banda nunca me chamou a atenção. O mesmo não posso dizer de seus dois álbuns solo, “Evil Deluxe”, de 2018, e este “The Great Conspiracy”, de 2020.
Ok, Nils Patrik não é nenhum menino, o cara tem 52 anos de idade e é um músico pra lá de tarimbado, porém, é inegável que sua carreira solo aparece em um momento de renovação e fica impossível não colocá-lo ao lado de jovens talentos. Para suceder o poderoso “Evil Deluxe”, o cantor apostou em um trabalho conceitual. E como ele soube fazer isso bem! “The Great Conspiracy” conta a história do assassinato do primeiro ministro sueco, Olof Palme, e a narrativa dos fatos no decorrer das faixas é um verdadeiro deleite.
Só pra vocês terem uma ideia de como esse tema é polêmico na Suécia, Olof Palme foi primeiro ministro no país em duas ocasiões, de 1969 a 1976 e de 1982 a 1986, ano em que foi assassinado. O político era membro do Partido Operário Social-Democrata da Suécia e ficou famoso por ser protagonista de diversas polêmicas e controvérsias, foi morto a tiros em pleno centro de Stocolmo e, até hoje, a motivação do crime é desconhecida. Houve várias teorias da conspiração a respeito de sua morte, mais de 130 pessoas confessaram o homicídio, existem mais de 3600 dossiês sobre o caso e absolutamente nada é realmente conclusivo. Christer Pettersson, um alcoólico e dependente químico, foi reconhecido como autor dos disparos e condenado em primeira instância, porém, em 1989, foi solto por falta de provas e erros policiais na condução da investigação. Ele morreu em 2004 e chegou a assumir o crime, porém, acabou negando mais tarde. Somente em junho de 2020, promotores públicos identificaram o autor, trata-se de Stig Engstrom, que se suicidou em 2000. Não foi encontrada a arma do crime e nenhum indício forense novo foi descoberto, também não foi possível formar um quadro completo sobre os motivos que levaram Engstrom a matar o premiê. Enfim, é um caso pra lá de estranho e sua conclusão não foi, digamos, totalmente satisfatória, se é que me entendem.
Como podem perceber, o tema é pesado, mas ao mesmo tempo oferece diversas alternativas narrativas e ganchos estratégicos para condução da história. É verdade que nada disso seria suficiente para termos um bom disco de Heavy/Power Metal se as músicas aqui apresentadas não nos envolvessem na trama de forma satisfatória. Neste ponto é preciso dar todos os créditos para Nils Patrik Johansson, já que o cara demonstrou ser extremamente habilidoso e sagaz em explorar musicalidades, ritmos, excentricidades e climatizações absolutamente distintas em cada uma das 10 composições do álbum.
Conforme vão rolando as músicas, vão sendo apresentados todos os aspectos da história e, de acordo com o que é contado, temos um espetáculo de variações musicais único. Entenda, o trabalho abre com “The Agitator”, que conta um pouco da personalidade agitadora de Olof e sua história repleta de polêmicas, inimizades e atos absolutamente contestáveis, para isso, temos um Powerzão veloz e pulsante. Em “Freakshow Superstar”, temos a mídia fazendo seu estardalhaço habitual em cima da prisão de Christer Pettersson, sendo assim, temos uma música quase pop (no bom sentido), para representar a exploração midiática em excesso em cima de um assassinato, transformando o suposto assassino num astro pop. “March Of The Tin Foil Hats” é pura ironia e total sarcasmo, a letra retrata o circo feito em cima da morte do premiê, onde mais de uma centena de pessoas confessaram o mesmo crime, investigações particulares foram realizadas em paralelo as investigações oficiais da polícia, e quase todas trouxeram resultados, laudos e autores diferentes para o crime. A imprensa trazia informações desencontradas, as pessoas não sabiam em que acreditar e nada era esclarecido de fato. Sendo assim, a música é uma tremenda insanidade, uma bagunça generalizada e, em sua sonoridade, temos de tudo, desde ritmos quase circenses, até quase uma “comédia musical” travestida de Heavy Metal, se é que isso existe. Já em “Prime Evil”, onde ocorre uma reflexão um tanto pessimista sobre o curso da humanidade e nos é revelado os movimentos que acontecem nas sombras por personagens ocultos longe dos olhos de pessoas comuns como nós, temos uma música densa, pesada e com climatizações sombrias. Em “This Must Be The Solution”, que aborda a forma pouco ortodoxa de como este caso foi encerrado, a banda nos apresenta uma faixa mais épica, com coros e passagens grandiosas.
Para concluir, é meu dever deixar três advertências ao amigo leitor. Primeiro: todas as outras canções não mencionadas no texto apresentam a mesma qualidade (tanto narrativa quanto musical) e não foram mencionadas apenas para não termos um livro ao invés de uma análise de álbum. Segundo: é preciso entender a essência deste registro antes de partir para uma audição mais desavisada, em “The Great Conspiracy”, não temos faixas de fácil absorção e assimilar todo o conteúdo do disco pode demandar algumas audições mais cuidadosas. Terceiro: se você se permitir adentrar no conceito explorado e abrir sua mente para toda miscelânea musical arranjada por Nils Patrik Johansson e seus comparsas, vai descobrir que está diante de um álbum totalmente diferenciado da maioria das obras lançadas atualmente.
Facilmente estará entre os melhores do estilo em 2020. Audição obrigatória a todos os fãs de Power Metal, principalmente, aqueles que, assim como eu, cansaram de ouvir clones de Helloween e demais medalhões. Aqui temos um verdadeiro trabalho autoral, onde há um real esforço em apresentar músicas fora da caixa. Altamente recomendado.
Nota: 9
Integrantes:
- Nils Patrik Johansson (vocal)
- Lars Chriss (guitarra)
- Kay Backlund (teclado)
- Andy Loos (baixo)
- Fredrik Johansson (bateria)
Faixas:
- The Agitator
- One Night At The Cinema
- The Baseball League
- Freakshow Superstar
- March Of The Tin Foil Hats
- Prime Evil
- Killer Without A Gun
- The Great Conspiracy
- This Must Be The Solution
- Requiem Postlude
Redigido por Fabio Reis