É certo dizer que o ano de 2020 não está sendo nada fácil para quase todo mundo, mas quando Joakim Sterner resolve criar e lançar mais um trabalho novo, dificilmente algo de errado pode acontecer. Afinal, o Necrophobic possui uma riquíssima discografia capaz de emparelhar com grandes ícones do Metal ao redor do globo terrestre. Se em 2018 a banda entregou o excelente “Mark Of The Necrogram”, o que estaria por vir dessa vez, através do mais novo lançamento intitulado “The Dawn Of The Damned”? Para quem acompanhou esse último full-length até então, sabe que os suecos de Estocolmo não vieram para brincadeira e honraram a profana junção entre o Black e o Death Metal como normalmente fazem. Uma pista sobre esse novo disco que foi lançado no dia 9 de outubro via Century Media Records, é que este álbum possui ainda mais elementos de Black Metal do que o álbum anterior. Isso a princípio já entrega que se trata de um trabalho ainda mais obscuro e sinistro no bom sentido da coisa, obviamente. “The Dawn Of The Damned” foi gravado e mixado por Fredrik Folkare (guitarrista do Unleashed, Firespawn, entre outros) no Chrome Studios em Estocolmo (ou Stockholm para os poliglotas), Suécia. E a arte da capa ficou a cargo de Jan Kristian Wåhlin, mais conhecido como Necrolord.
Por ser uma banda da Suécia, esta também entra naquele dito popular de que “se é da Suécia, então é bom”, porém, sabemos que nada é 100% ou 0% exatamente. A nós, eu e você, assíduos e grandes adeptos da boa “múzga”, cabe a missão de fazer a análise com calma para captar toda a essência espalhada em toda a nova obra. Está ansioso para saber se o reinado está intacto? Também estou e te convido para acompanhar essa jornada comigo. Só peço que calce botas a prova de fogo para que possamos adentrar as entranhas do castelo do submundo de chamas negras infernais. Está bem calçado e protegido? Então, vamos nessa!
O barulho borbulhante da lava incandescente que cerca o castelo assusta de início, mas para quem realmente deseja desbravar esse novo caminho não se dá por vencido facilmente e parte para o ataque através da canção que inaugura o marcador. “Aphelion” é o nome da criança que, de forma instrumental, apresenta uma visão ampla e devastadora de um lugar que prospera insanidade e malevolência, unindo o arder das chamas com o ar gélido e sombrio perante as linhas de guitarra que contornam todo o circuito negativo a ser explorado. A percussão esnoba a luz e abre caminho para os riffs iniciais maquiavélicos de “Darkness Be My Guide”, que de forma magistral fazem o teto pontiagudo rachar e quase cair em nossas cabeças. A lava se torna cada vez mais inquieta e os vultos das masmorras passam a te vigiar, enquanto você percorre disco adentro. A escuridão é o seu guia e a lua vermelha é sua única aliada como ponto cardeal. “Deixe a escuridão ser meu guia / Deixe a luz eterna enfraquecer e morrer / Deixe a escuridão ser meu guia brilhante / Deixe-me andar a noite com a morte ao meu lado” – o fim está próximo e sob a batuta de Satanás sua missão termina hoje junto a linhas de guitarra e baixo muito bem trabalhadas conforme o “necrograma” manda. Sem deixar a peteca cair no mar de lava, damos prosseguimento ao destino final, descobrindo mais um som que atende por “Mirror Black” e possui um videoclipe muito caprichado por sinal. O som agudo de uma das guitarras convoca todas as asseclas da desolação para causar um dano imenso no adversário que usa deck branco. Como em Magic: The Gathering (dos tempos áureos), Necrophobic despeja todo seu arsenal disposto a vencer mais uma batalha contra a luz imperial. Sebastian e Johan formam uma dupla de guitarristas capaz de fazer com que todos os gárgulas se reúnam na noite mais escura para um ‘headbanging’ espetacular. “Caia, caia / Através da escuridão abismal sem fim / Caia, caia / No vazio escuro divino / Caia, caia / Através do vasto nada morto / Caia, caia / Onde a vida e a morte se alinham” – o alinhamento entre vida e morte se consagra graças aos solos arrebatadores de lares ortodoxos, sem clemência, feitos por Sebastian.
A quarta esfinge da construção milenar é “Tartarian Winds”, que começa de forma completamente extrema e passa a sofrer algumas variações positivas, até que Anders chega para recitar seus versos macabros e dilacerantes de ouvidos banhados com água benta. Conforme eu deixei a pista no início do pergaminho das trevas, os sons caminham muito e quase que totalmente para o lado do Black Metal, bem parecido com o que os compatriotas do Dark Funeral fizeram em seu último trabalho até então, só para se ter uma ideia mais palatável. “Eu não sou um daqueles / Em uma busca pela salvação de Cristo / Através de chamas escaldantes e neve congeladora / Eu procuro a purgação do diabo” – aliado ao tártaro a busca pela liberdade pelo outro lado das cataratas prossegue sem que haja envolvimento com quem siga pelo caminho convencional e manipulável. Acompanhando o mesmo ritmo de festa que balança o coração, “The Infernal Depths Of Eternity” mantém a chama sombria acesa que toca o coração sem alma de todo ser que rasteja mundo afora. Ainda explorando os compartimentos do castelo destacado neste papiro bestial, continuamos a nos guiar pelas notas de baixo do guerreiro Allan e todos os seus aliados que entregaram mais um videoclipe desta vez utilizando um jogo de imagens capaz de te fazer viajar anos-luz de distância sem sair do lugar. O início é calmo e misterioso, mas só por alguns segundos até que tudo vá pelos ares novamente. Estamos em um território onde o perdão significa derrota plena e não há espaço para choros e lamentações. Talvez crucificações… O refrão com efeito de eco lembra a clássica faixa “Aces High” do gigante Iron Maiden. Porém, a lembrança fica apenas neste momento do hino anti-sagrado. “Eu te invoco, deus demônio com escamas vermelhas adornadas / Eu te invoco de sangue sagrado, leve minha alma além / Agora me responda, rei serpente, divindade da noite / Agora me responda, asa de fogo, salve-me da luz” – um guia completo para se safar da falsa pureza existente do lado iluminado da moeda. Seguindo por este caminho não precisará de nenhum manipulador e feiticeiro de hóstias para dizer o que tens para fazer durante sua estadia neste plano astral. O final da canção após mais um solo bastante afiado e sangrento segue em um andamento menos veloz do que o de costume.
A faixa-título “Dawn Of The Damned” vem a contemplar e declamar o aumento da linhagem dos condenados junto ao amanhecer do maldito. Mais uma breve intro para abrir o hall lúcido onde habita o ser supremo e indomável que destina parte de sua força para que riffs de guitarra e viradas de bateria sejam cada vez mais potentes e rachem crânios em pedaços de nada. Seres sem profundidade e sem identidade vagam pelo mundo sem qualquer propósito. Estes são alvos fáceis da enganação da luz divina e se entregam facilmente aos falastrões que amam seus púlpitos na qual tiram inspiração para continuar enganando os fracos de espírito. “The Shadows” é a sétima faixa e carrega consigo um diferencial diante de boa parte das canções anteriores, ou seja, não possui tanta agressividade e nas partes mais melódicas traz um pouco do tempero utilizado pelo Kreator. Sem perder nenhuma característica própria, Anders espalha através de seus versos a sensação de pertencer aos mundos inferiores e sentir o hálito gelado do ser supremo tão de perto. Você se torna a ferramenta do demônio e passa a pertencer às profundezas mais escuras do inferno. “As The Fire Burns” volta a acelerar e anima ainda mais a jornada musical profana e blasfemadora. O castelo do submundo fica cada vez mais perigoso conforme vai sendo visitado e observado. “Meus sonhos estão contorcidos e meu caminho também / Ardente, íngreme e terrivelmente distante / Agora ecos distorcidos, transformem o medo em ira / E a subida começa pela estrela ardente” – o poder das chamas serve para desintegrar, regenerar, obliterar, ressuscitar, apagar o seu passado, entre outras diversas coisas que ampliam a essência maligna e voraz. Em penúltimo lugar no set list deste full-length, nós temos “The Return Of A Long Lost Soul” com mais uma intro calma e bastante linear ao disco em si, como se fosse mais uma peça de Lego a se encaixar com precisão junto às demais canções. Dessa vez o som se inicia de forma cadenciada, trazendo mais elementos de Death Metal, apesar do destaque ser realmente o mais puro suco do Black Metal sueco, sempre eficiente e altamente eficaz. Diante da intimidação de Succubus não se tem escapatória para que seja mais uma peça do tabuleiro sombrio e nefasto. A canção toma um arquipélago de frases e ritmos recheada de solos que tornam a obra ainda mais brilhante.
“Devil’s Spawn Attack” fecha este mais novo documento histórico do Necrophobic. É a terceira faixa a contar com um videoclipe e conta com a participação de Schmier, vocalista e baixista do Destruction. O clipe é bem descontraído e mostra a banda e o convidado gravando todas as partes da “múzga”. Se o Schmier cantar assim em um próximo álbum do Destruction, o resultado será muito melhor do que nos últimos discos. Mostrou-se em grande forma. Quanto a Anders e sua trupe não há muito que dizer. Afinal, a banda manteve a majestade intacta com riffs e solos sensacionais. “Pois eu sou gerado pelo diabo / E eu vou atacar o mundo / Quando o passado está morto esquecido / Eu vou viver pela espada de Satanás.”
Suas botas quase derreteram por completo, mas você se saiu muito bem e conseguiu completar esse grande percurso. Espero que tenha sido tão excepcional quanto eu achei. Ou melhor, tenho certeza de que é muito mais do que excepcional. Novamente, Necrophobic se superou e conseguiu entregar um trabalho ainda melhor que o anterior. Essa é o tipo da banda que é difícil não gostar e mais fácil não conhecer a sonoridade dos caras do que repudiar a sua arte indigna e submundana. Já estou imaginando vários dos sons deste novo disco sendo tocados ao vivo. As casas de shows virão abaixo! Simples assim! Sempre no bom sentido, meu caro e minha cara! E antes de terminar você por acaso se lembra da parte em que estivemos analisando as introduções das canções? Elas não se parecem simplesmente por acaso, pois fazem parte dos capítulos do disco. Após a faixa 1, o álbum é dividido em três capítulos: Faixas 2-4: Descenso; Faixas 5-9: Metamorfose; Faixa 10: Renascimento. Ah, e mais uma nota importante é a de que houve uma mudança no line up da banda com a saída do baixista Alexander Friberg em 2019 para a entrada de Allan Lundholm ,que fora citado nessa grande aventura, na qual espero que continue havendo continuação com outros grandes álbuns como este que fora dissecado e destacado aqui.
“Oh, as the moon turns red a starless sky I praise / Oh, so I join the dead onto the night with a blaze.”
Nota: 9,3
Formação:
- Joakim Sterner (bateria)
- Anders Strokirk (vocal)
- Sebastian Karl Peter Ramstedt (guitarra solo)
- Johan Bergebäck (guitarra base)
- Allan Lundholm (baixo)
Faixas:
- Aphelion
- Darkness Be My Guide
- Mirror Black
- Tartarian Winds
- The Infernal Depths Of Eternity
- Dawn Of The Damned
- The Shadows
- As The Fire Burns
- The Return Of A Long Lost Soul
- Devil’s Spawn Attack