Em 1986, foi iniciada a jornada de um dos nomes mais influentes do Death Metal. Uma pequena banda foi formada em Coventry, Inglaterra, pelos amigos Gavin Ward e Barry Thomson. Um ano depois, Jo Bench se une a dupla, sendo uma das primeiras mulheres a fazerem parte do Metal da Morte. Mas a jornada realmente começou em 1988, com o lançamento do debut “In Battle There Is No Law” e o novo vocalista tomando posse de seu lugar que renderia uma história longínqua com o excelente Bolt Thrower. Karl Willetts, esse é o nome da fera que assumiu os vocais, e a partir daí, o resto é história.
“Realm of Chaos”, “War Master”, “ The IVth Crusade”, “…for Victory”, “Mercenary” e “Those Once Loyal” são discos indispensáveis para qualquer fã de Death Metal, e por isso, ditaram uma pequena parcela do que podemos chamar de hinos de guerra.
Faixas como “Dark Millennium”, “World Eater”, “Realm of Chaos”, “What Dwells Within”, “Cenotaph” e “War Master” ajudaram a criar uma assinatura inigualável e forte. Nitidamente, conseguimos ouvir nos grupos atuais aquela inspiração no Death britânico. Infelizmente, Bolt Thrower teve seu fim após o falecimento do baterista Martin “Kiddie” Kearns, em 2015, com apenas 38 anos.
Dos quatro membros restantes, três decidiram que suas vidas iriam seguir, mas longe do holofote do Metal. Porém, Karl pensou diferente deles. Ele sabia e sentia que ainda tinha muito o que fazer pelo Death Metal. E por isso, em 2015, o mesmo se juntou ao baixista Frank Healy (ex-Benediction, ex-Napalm Death) e o guitarrista Scott Fairfax (ex-Benediction e atual Massacre) e fundou o Memoriam, que segundo ele mesmo, se trata de uma banda tributo ao falecido baterista Martin “Kiddie” Kearns e ao Bolt Thrower. Por isso, não seria diferente de se esperar que o projeto atual seguisse os passos deixados pelo BT, mas ainda assim, acrescentando a sua própria assinatura. Justamente por isso, Memoriam tem conseguido agradar aos fãs puritanos do Metal, e os recém chegados a esse mundo. Desde sua formação, vem sendo lançados excelente trabalhos, composições extremamente brutais. Já foi atingida a marca de 5 discos em um período de 8 anos, sem deixar de trabalhar com extrema cautela e visando sempre o melhor, tanto para o gosto pessoal dos músicos, como para o delírio dos fãs.
Ao ouvir a todos os discos já apresentados pelo Memoriam, percebemos que é algo feito por fãs para os fãs. Isso faz com que o produto final tenha uma qualidade irrefutável. E isso não se perde no majestoso “Rise To Power”, lançado no dia 3 de fevereiro via Reaper Entertainment. Para começar a falar desse lançamento, vamos se atentar primeiro à excelente arte da capa. Aqui o trabalho é tão minucioso que a banda se cerca novamente dos melhores, buscando sempre qualidade extremamente acima da média. A arte pertence ao atemporal Dan Seagrave.
O próprio Seagrave fala sobre a ideia por trás da obra:
“A premissa encontra a coroação do líder principal como governante supremo, seus seguidores são sempre um exército sem rosto como o líder, preferimos manter seu rosto na imaginação do espectador — sem emoção por trás de uma fachada. O ambiente arquitetônico que montei é baseado em memórias de visitas às ruínas da villa do imperador romano adriano em 2017 (…) dando à arte uma qualidade arcaica e historicamente super construída. (…) Isso em particular tem uma sensação imponente quando você está entre a variedade de elencos históricos e suas escalas desproporcionais. Itens como a fundição em escala real da coluna de trajano de roma e uma estátua de david justaposta em um só lugar criam uma sensação de desarticulação entre as obras menores. Eu queria que essa capa tivesse uma sensação semelhante a essa, como se as coisas fossem apropriadas de algum outro lugar e reaproveitadas pela máfia reinante como pano de fundo para sua própria glória. combinando isso e uma sensação retrô de modernidade imaginada do início do século 20, com a adição de elementos de rede elétrica e tanques de máquinas de guerra que apresentam relevos de escultura semi-elaborados, aludindo a uma impraticabilidade: imagem sobre a função.”
Olhar para essa capa em tons roxos, com essas figuras sombrias e sem face, causa em nós sentimentos de deslocamento e desespero e uma sensação estranha de melancolia, algo que sempre segue de perto os temas retratados pela banda. Ver essa capa, é saber o que te espera ali, no conteúdo do disco. E não, isso não é ruim. Novamente esperamos um Death Metal pesado, obscuro, denso e desesperador, nos melhores moldes clássicos do Bolt Thrower. Mas você, leitor do Mundo Metal, pode dizer para esse que vos escreve:
“Pô Yurian, na resenha do disco ‘To The Grave’ você disse que a banda FINALMENTE havia encontrado a sua própria assinatura e deixado de ser um tributo ao Bolt Thrower…”.
Sim, eu realmente disse isso e não errei. É possível você ter a sua própria assinatura, mas não perder a inspiração inicial. E aqui não é diferente, Karl e sua turma seguem construindo seu império sobre o solo cavado e calcado a base de um nome sólido e potente, que é o Bolt Thrower. O que foi escrito ali, e nos primeiros três discos do Memoriam não é algo de se envergonhar, pelo contrário, merece ser elogiado mais ainda. E garanto a vocês, ao ouvir “Rise To Power” é possível sentir como Karl se orgulha de seu passado. Eu sei que muitos vocalistas gostam de se afastar de métricas, acham que serem ligados a um estilo ou gênero seria um estigma para sua carreira. Mas aqui, nesse terreno chamado Memoriam, Karl mostra que se orgulha e que irá continuar marchando sua história carregando o brasão do seu passado sem nenhuma vergonha.
No contexto geral, “Rise to Power” pode ser considerado um hino fúnebre, que saúda todas as perdas humanas que foram motivadas pela ignorância e egoísmo de ditadores. Claramente neste disco, todas as faixas apresentam passagens mais cadenciadas e obscuras, porém, a faixa de abertura, “Never Forget, Never Again (6 Million Dead)”, “Annihilations Dawn” e “All Is Lost’“são um prato cheio para aqueles que querem encontrar nesses 44 minutos de play o que o Memoriam tem a oferecer. Riffs rápidos com quebras de tempo bem construídas entregam ao ouvinte a assinatura Death/Doom que o grupo realmente buscou apresentar como sendo sua marca principal. Um destaque especial para a faixa de abertura, que apresenta uma ponte melancólica entre sua brutalidade e a desesperança da voz de Karl, em um refrão que claramente apresenta a dor da perda que a guerra trás. Falando sobre o vocal de Willetts, o britânico já está na casa de seus 56 anos e esse tempo já cobrou seu preço. Para aqueles que esperam ouvir os mesmos grunhidos de sua época de ouro, esqueçam disso, pois por mais que sua voz continue inconfundível, os guturais massivos de outrora estão um pouco mais maturados pelo tempo. Mas não se preocupem, o peso de composições como “Total War” e “All Is Lost” mostram que o grupo formado por esses quatro amigos consegue ser tão pesado e soturno como esperamos.
Scott Fairfax é um excelente guitarrista e isso se prova em como ele consegue conciliar de forma excelente os riffs mais melancólicos da introdução e refrão de “I Am The Enemy” a suas pontes poderosas e que sustentam de forma continua o vocal experiente de Karl. Assim como todos os discos do Memoriam, “The Conflict Is Within” cumpre a cota de faixas diretas e abusando de um final bem Doom, com ambientações obscuras e dedilhados que tocam os sentimentos mais profundos de perda e desespero, onde a bateria e o baixo contribuem mais ainda para essa atmosfera de dor, uma obra excelente e que retrata bem os sentimentos expressos pela capa do disco, onde tudo o que vemos é o vazio na face do rei e dos soldados.
A faixa-título do disco, “Rise to Power“, vem trabalhando na contrapartida daqueles que pensam que o Death/Doom precisa se manter lento e parado. Nessa composição, o que não falta é energia, peso e muita qualidade. Destaco aqui o trabalho excelente da cozinha, com as conduções e pratos estridentes de Spikey. Com toda certeza, essa seria a faixa escolhida como trilha sonora de algum confronto armado.
Por fim, o encerramento é feito de maneira exímia. A dor (“The Pain“) completa essa jornada do vazio, da perda, do fúnebre. A dor movimenta, mas também paralisa. A dor incomoda, mas também pode ser prazerosa. Todos esses antônimos são apresentados aqui, e trabalhados como uma amálgama perfeita. Diria que aqui é onde encontramos a melhor performance de Karl neste disco, conseguindo arrastar uma narrativa obscura e cheia de dor, e embarcar na raiva de guturais absurdamente grotescos. Outro ponto que me chamou muito atenção nessa faixa, é que sua construção não segue o padrão óbvio de quase toda faixa de Metal extremo, a faixa tem seu próprio andamento e creio que isso faça parte da ideia de retratar a dor, porque ela é interpretada em um sentido diferente por cada pessoa.
Simplesmente, uma composição impecável.
Por fim, “Rise to Power” apresenta novamente uma narrativa saudosista, melancólica e que acalenta o coração do mais bruto fã de Death Metal old school. Ver que os padrões de excelência do Bolt Thrower foram mantidos e que o Memoriam seguiu seu próprio caminho, sem se envergonhar do passado, isso é um prato cheio para que fiquemos ansiosos pelo próximo trabalho do quarteto.
Vida longa ao Death Metal puro e bruto!
Nota: 8,7
Integrantes:
- Karl Willets (vocal)
- Scott Fairfax (guitarra)
- Frank Healy (baixo)
- Spikey Smith (bateria)
Faixas:
- Never Forget, Never Again (6 Million Dead)
- Total War
- I Am the Enemy
- The Conflict Is Within
- Annihilation’s Dawn
- All Is Lost
- Rise to Power
- This Pain
Redigido por Yurian “Dollynho” Paiva