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Kreator: uma segunda era de ouro?

Se pararmos para debater sobre a carreira de bandas veteranas ainda em atividade, invariavelmente, em algum ponto da conversa chegaremos ao termo “era de ouro”. Praticamente todos os grandes nomes da cena já tiveram uma (ou ao menos deveriam ter tido). Fãs do Iron Maiden vão relembrar os sete registros que abrangem o período de 1980 até 1988, fãs do Black Sabbath vão mencionar com carinho os cinco primeiros trabalhos com Ozzy, fãs do Metallica irão destacar os quatro registros que moldaram o Thrash na década de 80 e por aí vai.

   

Todas estas bandas mencionadas, além de muitas outras, tiveram aquele momento especial em sua história onde parece que tudo deu certo. Os discos lançados nestas épocas foram sucesso de vendas, se tornaram relevantes para o público, referência para os estilos e sobreviveram ao teste implacável do tempo. Geralmente pensamos nesses períodos como algo único, nostálgico, praticamente impossível de se repetir.

Sejamos justos, por melhor que sejam os álbuns mais recentes, dificilmente, o Megadeth irá lançar uma sequência mais notável que “Rust In Piece”, “Countdown To Extinction” e “Youthanasia”. Será que é possível ver o Anthrax, nos dias de hoje, conseguir equiparar uma quadra formada por discos do porte de “Spreading The Disease”, “Among The Living”, “State Of Euphoria” e “Persistence Of Time”? Será que um dia veremos o Destruction fazer algo do mesmo quilate de “Infernal Overkill”, “Eternal Devastation” ou “Release From Agony”?

Reprodução

Seria algo quase impensável e muitos responderiam rapidamente que jamais aconteceria algo assim.

Temos que admitir, é extremamente difícil crer que nomes que já obtiveram sua importância histórica, alcançaram seu lugar ao sol e passaram por todo tipo de percalço, depois de tantos anos na estrada, ainda mostrem capacidade para se reinventar ao ponto de conceber discos tão impactantes quanto aqueles de seus melhores dias.

   

É extremamente difícil, mas… não é impossível!

Pensando neste tema, apenas duas bandas me vieram à mente: Accept e Kreator. Esta segunda, com ênfase muito maior por conta de seu tamanho, alcance, importância e magnitude na cena Metal atual.

Reproduçaõ

Para entender este raciocínio, precisamos fazer uma breve viagem aos primórdios do Kreator. Prometo que será rápido.

Os alemães transitaram por praticamente todo tipo de musicalidade existente dentro do Metal. Há quem os coloque como uma das representantes da primeira onda do Black Metal por conta do brutal disco de estréia, “Endless Pain”, de 1985. Cruzaram a estrada do Death Metal com “Pleasure To Kill”, de 1986, e usaram seu terceiro full lenght para fazer uma transição muito habilidosa do Death para o Thrash. “Terrible Certainty”, de 1987, traz toda a grosseria presente no álbum anterior e ao mesmo tempo prepara o terreno para o Thrash técnico e lapidado que foi “Extreme Aggression”, de 1989. Neste ponto, parecia que o quarteto tinha encontrado sua identidade e “Coma Of Souls”, de 1990, apenas adicionou mais elementos a uma musicalidade que já era absolutamente única.

Somente por estes trabalhos iniciais (que são justamente os que marcam a era de ouro do Kreator), podemos ter uma boa idéia do potencial criativo do grupo, mas eles surpreenderam mais e mais com discos absolutamente fora da caixa durante toda a década de 90. “Renewal”, de 1992, chutou para longe o Thrash técnico tão ovacionado e trouxe composições que, apesar de extremamente pesadas, notoriamente, pisavam em terrenos ainda não explorados. “Cause for Conflict”, de 1995, seguiu viajando para longe e agregou até mesmo passagens industriais e Hardcore. “Outcast”, de 1997, pisou no freio e revelou uma banda que também sabia criar músicas densas, climáticas, cadenciadas e (por que não?) comerciais. Mille Petrozza e sua trupe estavam determinados a se aventurar e o limite disso tudo foi “Endorama”, de 1999, com elementos góticos e praticamente nada da musicalidade inicial. A idéia era criar um novo estilo, o Gothic Thrash, e mesmo que isso não tenha dado certo naquele momento, as referências a “Endorama” sobreviveriam dali em diante.

Ok, mas se os cinco primeiros discos representam a “era de ouro” e os álbuns lançados nos anos 90 representam a “fase experimental”, quais os argumentos que justificam chamar o que veio à seguir de “segunda era de ouro”?

   

Se você viveu os anos 90, sabe muito bem que o Thrash Metal foi se apequenando ao ponto de praticamente deixar de existir no final da década. Por volta de 1997 e 1998, não tínhamos nenhuma banda do gênero no auge. Pior do que isso, não tínhamos qualquer tipo de renovação se avizinhando. Além de quase todos os medalhões do estilo terem mudado completamente sua sonoridade, os poucos que se mantiveram fiéis (ou quase fiéis) não lançaram nenhum álbum realmente impactante. Foram tempos difíceis onde víamos um Sodom solitário asteando a bandeira do Thrash com álbuns que não emplacavam e tampouco chamavam a atenção da maioria dos headbangers. Em 1999, o Testament conseguiu dar início a uma vindoura reviravolta com o excelente “The Gathering”, mas foi somente no início dos anos 2000 que a coisa realmente aconteceu.

Precisamos ser pontuais aqui. Para que o Thrash pudesse renascer era necessário que nomes de peso na cena apostassem novamente neste tipo de musicalidade. O Testament havia dado o primeiro passo e o Destruction, que havia passado por momentos conturbados durante os anos 90, trouxe de volta o vocalista/baixista Marcel Schmier e lançou o bom “All Hell Breaks Loose”, em 2000. Uma revolução silenciosa começava a acontecer, mas ainda era pouco e, somente no ano seguinte, com as bandas alemãs tomando a linha de frente no renascimento do Thrash, tivemos a ressureição propriamente dita. O Destruction concebeu o impecável “The Antichrist”, o Sodom apresentou o mortal “M-16” e, quem diria, depois de uma década inteira dedicada aos experimentalismos, o Kreator resolveu reconquistar seu trono e lançou “Violent Revolution”.

De todas as bandas alemãs do Thrash, a mais bem sucedida (estatisticamente) sempre foi o Kreator. E mesmo na década de 90 enquanto lançavam álbuns “esquisitos”, mantiveram-se em evidência dentro do mainstream. Quando o maior medalhão da segunda maior escola do Thrash resolveu pisar novamente no acelerador e investir pesado em uma volta a sonoridade de seus discos mais ovacionados da década de 80, a onda de “revival” foi inevitável. Se alguns anos antes o Thrash Metal podia ser considerado um gênero quase extinto, no início do novo século ele retornou forte ao topo.

E o nome que encabeçou todo este movimento foi, sem dúvida, o Kreator.

“The only way to save your soul
From scum with hearts of stone

Reconquering the throne

Our rising has begun!”

Depois de mostrar aos headbangers mundo afora que o Thrash Metal poderia ser novamente relevante e, mais do que isso, grande, os alemães precisavam se livrar das desconfianças do passado e apresentar uma sequência de álbuns importantes. E foi exatamente isso que Mille, Ventor e sua trupe fizeram. “Enemy Of God” chegou em 2005 e “Hordes Of Chaos” em 2009. Com eles, a banda já colecionava novos hinos, conquistava uma legião de novos fãs, conseguia manter a atenção dos entusiastas da fase experimental e, ainda por cima, trazia de volta grande parte dos antigos admiradores. O resultado não podia ser outro e o nome Kreator foi ganhando mais e mais prestígio.

Se as maluquices, experimentações e aventuras sonoras existentes em discos como “Outcast” ou “Endorama” não surtiram um efeito muito positivo nos fãs mais old school na época de seus lançamentos, estes elementos adicionados e combinados em meio a porradaria Thrash, acabaram caindo nas graças do público e geraram uma sonoridade realmente ímpar. Não há como negar que músicas do porte de “Violent Revolution”, “All Of The Same Blood”, “Reconquering The Throne”, “Enemy Of God”, “Suicide Terrorist”, “Hordes Of Chaos (A Necrologue For The Elite)” e “Demon Prince”, se transformaram em novos hinos da banda. Alguns, inclusive, se tornando tão obrigatórios quanto qualquer clássico dos anos 80.

   

E não parou por aí, pois além de se postarem imponentes na linha de frente do renascimento do Thrash, o Kreator acabou influenciando toda uma nova geração de bandas novas. É bom que se diga que estes grupos passaram a surgir somente depois da primeira metade da primeira década de 2000, isto é, depois que os alemães recarregaram as baterias do estilo. Se analisarmos alguns destes nomes mais proeminentes da nova safra (Angelus Apatrida, Havok, Suicidal Angels, Comaniac, Warbringer, Warfect e tantos outros), todos eles possuem algum tipo de influência ou referência à musicalidade do Kreator.

Se não bastasse, “Phantom Antichrist” chegou em 2012, “Gods Of Violence” em 2017 e, recentemente, assistimos ao lançamento de “Hate Uber Alles”, em 2022. Todos estes trabalhos consolidando ainda mais esta nova fase e, incrivelmente, trazendo mais uma coleção de novos hinos. O que dizer de composições poderosas do calibre de “Phantom Antichrist”, “Civilization Collapse”, “Satan Is Real”, “Hail To The Hordes”, “Fallen Brothers”, “666 – A World Divided”, “Hate Uber Alles”, “Strongest Of The Strong” e “Midnight Sun”?

Podemos afirmar que com a chegada destes últimos registros, além de conseguirem cravar uma sequência inédita e invejável de nada menos que seis álbuns de alto nível, ainda conseguiram renovar sua própria sonoridade sem descaracterizá-la.

O Kreator é uma das únicas bandas veteranas em atividade que poderia anunciar uma turnê inteira tocando apenas músicas de sua fase pós 2000 e, ainda assim, levaria a imensa maioria de seu público aos shows. O Kreator é uma das únicas bandas veteranas em atividade que tem fãs que gostam tanto (ou mais) dos discos mais recentes do que dos álbuns clássicos. O Kreator é uma das únicas bandas veteranas em atividade que pode trocar no seu setlist um hino do passado como “Extreme Aggression” ou “Betrayer”, por outro do presente como “Enemy Of God” ou “Hordes Of Chaos”, e praticamente nenhum fã (novo ou antigo) iria reclamar. O Kreator é uma das únicas bandas veteranas em atividade que mantém sua base de fãs em uma crescente constante baseando-se exclusivamente no conteúdo de seus trabalhos mais novos. O Kreator é uma das únicas bandas veteranas em atividade que lança registros que, possivelmente, se tornarão clássicos (sejamos justos, alguns já se tornaram).

Todos estes fatores, sem dúvida, demarcam uma “segunda era de ouro” acontecendo exatamente agora, nos tempos atuais.

   

Redigido por Fabio Reis

Reprodução
   

Comentários

  1. Uma das melhores bandas do estilo, considero!!!! banda dos anos 80 tem isso mesmo…os clássicos são difíceis de serem superados, fato!!!! Vejo quando chegou o ano 2000, também chegou uma nova légua de novatos roqueiros e que ao longo do tempo vão conhecendo bandas como o Kreator e assim Kreator tem que cativar esses novos novatos a serem seus seguidores ou fãs…a palavra seguidor já existia muito antes da internet, sendo que fã mesmo de banda de metal é aquele que tinha coleção dos seus discos até em fita cassete, não tinha frescura de como ter o material de tal banda!!!! Conheço pessoas que começaram a gostar do Kreator por causa do disco Coma of souls, seria algo no que acontece muito com a geração atual que curte o Metallica…sempre vão no Black album e assim com o tempo vão atrás dos clássicos!!!! Realmente existe essa particularidade entre essas bandas, a galera sempre começa naquele album de maior destaque ou comercial e não o primeiro disco…pelo menos aqui onde moro acontece muito isso!!!! Lembro de assistir um documentário da banda Duran Duran e lá o vocalista disse que o maior desafio para eles era quando chegava uma nova década…teria que começar tudo de novo, uma nova légua de fãs já tinha chegado e ao mesmo tempo tinha que largar um pouco o passado, sendo que eles não queriam serem taxados como uma banda anos 80!!!! Sim , existe isso mesmo…Andreas Kisser do Sepultura disse uma vez que tenta largar um pouco a velharia e assim fazerem albums diferentes e ao mesmo tempo atrativo, sendo que do album Sepulnation para cá são fãs novos e esses mesmos fãs novos nunca viveram os anos 80 e mesmo assim ainda querem ouvir os clássicos dos anos 80, engraçado isso!!!!! Acontece mesmo isso, fãs novos querendo ouvir os primórdios da Banda Kreator, Metallica e Iron Maiden…sendo que muitos nunca ou se interessaram em ver o seriado Jaspion da antiga Rede Manchete, bons tempos!!!! Por incrível que pareça, independente de fã novo ou não, todos querem ouvir os primórdios e a dificuldade da maioria das bandas é superar essa fase anos 70 e 80…sendo que no final das contas o que vai aparecendo mesmo é uma nova Trilogia ou um album duplo marcante, seria isso mais ou menos!!!! Com o tempo esses discos atuais vão e irão se tornar os clássicos da geração atual de amanhã, valeu!!!!

  2. Sem comentários Banger, matéria sensacional. Extremamente bem escrita, justa e convidativa. Parabéns Fábio por toda habilidade literária, conhecimentos e raciocínio conclusivo. Parabéns ao Kreator, nosso diamante mais lapidado do que nunca do metal! 🤘

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