A indicação da vez é o álbum dos alemães do Mekong Delta chamado “Tales Of A Future Past” (2020).
Butler Records
Velbert, North Rhine-Westphalia (ou Renânia do Norte-Vestfália, para os amantes da nossa língua). Este é local de origem do glorioso Mekong Delta. Banda esta que conheci através dos viventes dos saudosos anos 80. Década esta que não sendo novidade para ninguém, é comemorada e aclamada até os dias de hoje. Pertencente ao sempre mencionado underground, o “Mekongão” da massa é uma daquelas relíquias que para alguém conhecer até o início dos anos 2000, era preciso uma pesquisa bem ampla e profunda.
Pois, mesmo com lançamentos mais recentes, o alcance dos germânicos permaneceu curto, e que para meu ver não era muito fácil de descobrir essa banda que possui um material muito rico e que vale e muito à pena conferir. Musicalmente, a banda possui uma veia progressiva sem exageros somados a passagens de Thrash e Heavy Metal, sendo mais cortante e visceral em seus primeiros álbuns.
O décimo segundo marco na história do Mekong Delta
“Tales Of A Future Past” é o 12° full length do conglomerado alemão que marca o retorno da banda com um novo disco após seis anos do lançamento de “In A Mirror Darkly”. A sonoridade do Mekong Delta, mesmo sendo bem diferente da maioria das bandas mais conhecidas do certame mundial, se assemelha com o som dos canadenses do Voivod. Principalmente se olharmos para os dias atuais de ambas as instituições. Agora vamos ao que realmente interessa, que é mergulhar de cabeça nessa jornada musical e saber se essa viagem trará coisas boas ou malefícios para os meus e os seus ouvidos, caríssimo e assíduo leitor!
A lista, que não é a lista de Schindler, possui quatro faixas instrumentais que contornam o full-length de modo literal, com a primeira, logo no início e a última, finalizando o disco. Partindo deste ponto irei separar o álbum em mais ou menos três partes, já que a última faixa instrumental não acompanha nenhuma outra canção. Via Butler Records, “Tales Of A Future Past” foi lançado no dia 8 de maio e foi produzido pelo próprio baixista e líder da banda, Ralph Hubert.
A abertura do livro circular do Mekong Delta
Ao abrir o livro circular, encontramos a primeira das quatro faixas instrumentais que detém o nome de “Landscape 1 – Into The Void”. Tal início abre as cortinas de aço com um ar sinistro como se estivéssemos prestes a abrir um artefato mágico ou até mesmo um portal com olhos misteriosos, observando cada movimento, servindo de apoio para a canção “Mental Entropy”, que logo a partir do seu primeiro segundo já traz toda a banda “in action”! Os ritmos quebrados e bastante pesados contornam a voz limpa de LeMar. Sua voz alterna os vocais limpos com alguns momentos com aquele pigarrinho que chamamos de drive. Os trabalhos dos principais instrumentos complementam e completam toda a estrutura musical qualificada neste início de percurso. Essa canção mostra o caminho traçado por inúmeras mentiras e falsos dizeres dito pelo homem que se acha sábio, mas que não passa de um grande vigarista.
“Se certezas se fundem como flocos de neve
Se as palavras não têm mais sentido
Quem vai enxugar as lágrimas de amanhã
E contar todas aquelas almas atormentadas?”
Na emenda do parágrafo temos “A Colony Of Liar Men” que retrata os falsos ensinamentos, a imoralidade e o anseio por criar adversários no campo estrutural e existencial. Tal abordagem percorre o mesmo caminho que a canção anterior com uma indagação ainda maior perante todas as mentiras mundanas. Esta faixa inicia de forma mais vagarosa com os vocais de LeMar, levando a embarcação com vento a favor até que todos os outros componentes despejem peso e técnica sempre muito bem equilibrados, embora possua alguns momentos que eu chamaria de estranhos, caso eu ouvisse de relance e que funcionam muito bem para o andar da carruagem sonora.
“Escuridão da ignorância não é sinal de vida
Idiotice?
Densidade?
Insanidade?
Tolice?
E mais uma vez é hora de ver
Eles encontram seu inimigo perfeito
Este sou eu!”
A sequência unida a uma faixa instrumental
A segunda faixa instrumental atende por “Landscape 2 – Waste Land”, faixa esta que mantém o clima do início do álbum de modo a prender o ouvinte em um mesmo ambiente e, ao mesmo tempo encontrando diversos mundos dentro desse mesmo lugar. A diferença é que dessa vez é como se já estivéssemos com o artefato em mãos e prestes a lidar com o perigo iminente emanado pela fortaleza invadida. Já se percebe uma intro com a banda mais participativa, ditando o andamento do full length com a devida clareza. A tensão é notada conforme os segundos passam como em uma mente perturbada, buscando uma fuga desse universo confuso e malevolente. Os fraseados orquestrais e acústicos enobrecem toda a história, que possui pouco mais de 6 minutos de duração até a passagem de bastão para “Mindeater”.
A partir desse momento, as coisas ficam bem mais pesadas e insanas perante o som do Mekong com esta e a faixa seguinte, adentrando os caminhos nervosos do Thrash somados ao alicerce progressivo presente em todo o disco. Aqui toda a técnica e perspicácia do baterista Landenburg é inserida e destacada em todos os trechos de “Mindeater”. “Esta noite este mundo estará em chamas / E eu sei que você pensa assim / Haverá público que irá admirar / Eles foram influenciados tão bem” – manipulação, malícia, malandragem, prontas para agirem em prol dos mesmos em busca de controlar toda a nação do modo mais cruel e animalesco possível.
A lembrança de grandes nomes do Metal
Já o início de “The Hollow Men” me fez lembrar três bandas clássicas ao mesmo tempo: Slayer, Metallica e Kreator. Os elementos e arranjos utilizados trouxeram à minha mente um mix desse trio, o que enriquece ainda mais a obra deste tanque alemão guiado por Lake e Hubert, destruindo lares ortodoxos com suas excepcionais linhas de guitarra e baixo, respectivamente. “Cego, a menos que os olhos apareçam / Essas criaturas são ilusórias / Um sussurro cheio de escuridão intensa / Tenta oferecer uma solução / Evite este lugar, mantenha-se longe / Este aviso não pode ser quebrado ”- o retrato do vazio cada vez mais latente, corrompendo as mais puras almas deste e de outros mundos, para que aqui prevaleça a escuridão e a disposição para ser comandado eternamente.
Eis que nos deparamos com “Landscape 3 – Inharent”, terceira faixa instrumental dentre as quatro existentes neste papiro musical com um ar totalmente enigmático e energético com riffs e nuances sensacionais dignas de uma banda amplamente competente. Em alguns momentos lembro o ícone dos games, o Megaman, através dos teclados e arranjos de orquestra. Talvez um misto de Zelda e Megaman, se juntarmos as outras faixas instrumentais a esta.
Os experimentos dos cientistas musicais alemães
Após mais essa passagem temos presente a canção “When All Hope Is Gone”. Assim sendo, ela carrega todo o ar misterioso ainda mais inserido na tumba do faraó do Metal. O faraó é apenas fictício para dar entendimento e engajamento ao que é sentido ao ouvir essa “múzga”. Todo o destaque fica por conta de LeMar durante o caminho que mais representa versões de Power e Sympho Metal. Tudo isso sem os três principais instrumentos presentes (guitarra, baixo e bateria) do que o trajeto sonoro normal da banda.
Todavia, alguns podem até citar como balada, música clássica, ou faixa orquestrada, coisa e tal. Mas, o fato é que destoa um pouco do que eu ouvira até aqui. E apesar disso, os dedilhados de violão emitidos por Hubert estão afiadíssimos. Entretanto, a letra também merece uma breve menção:
“Nada será salvo ou resgatado
Nada vai sobrar
Nada é o que vai sobrar
Nada é a verdade
Nem um único grão de areia permanece
Na maré do tempo”
Tudo possui seu fim e será consumido pelo vazio eterno de escuridão plena, pouco a pouco sem que se possa intervir.
As páginas finais da bíblia musical
Beirando o fim da bíblia redonda com um furo no meio aparece “A Farewell To Eternity” que é sim uma balada com suas passagens acústicas, e que logo se junta às guitarras para ampliar o áudio da mesma. Somado à meia lua que dita os passos da canção, LeMar canta como nunca, mais precisamente no início da canção executado à capela. Com esta faixa sim, eu me senti mais adaptado com todo o clima de término de álbum.
O mais interessante é que a faixa que não possui letra é mais pesada que a que possui, e digo isso por conta da última faixa instrumental que fecha a obra com maestria. Estou falando de “Landscape 4 – Pleasant Ground”, que nada mais é que a parte final do quadrante instrumental. Menos misteriosa e mais intuitiva, ela demonstra um recomeço de toda a jornada, dando a entender que teremos muitos mais logo a seguir.
Após escutar e entender de melhor forma as ondas provocadas no mar por este disco, concluo que os bardos alemães estão em sua melhor fase em muito tempo. E torço para que lancem muitos álbuns adiante, pois aqui o Mekong Delta mostrou que possui força para manter o navio na direção correta do sucesso, através da competência de seus integrantes, principalmente o bravo e perseverante Ralph Hubert.
“We are pilgrims gracious to distorted minds… We are heroes merciful to those who are still blind…”
Nota: 8,8
Integrantes:
- Martin LeMar (vocal)
- Peter Lake (guitarra)
- Ralph Hubert (baixo, violão)
- Alex Landenburg (bateria)
Faixas:
1. Landscape 1 – Into the Void
2. Mental Entropy
3. A Colony of Liar Men
4. Landscape 2 – Waste Land
5. Mindeater
6. The Hollow Men
7. Landscape 3 – Inharent
8. When All Hope Is Gone
9. A Farewell to Eternity
10. Landscape 4 – Pleasant Ground
Redigido por Stephan Giuliano