Apesar de ser considerada uma banda fundamental para o desenvolvimento e criação de diversos padrões musicais do Thrash Metal, o Megadeth sempre buscou a sua própria sonoridade e nunca se limitou a rótulos. No início dos anos 90, com o sucesso de “Black Album”, do Metallica, Dave Mustaine decidiu que também queria ter os seus próprios hits sendo tocados nas rádios FM’s do mundo.
Isso aconteceu com o lançamento dos excepcionais “Countdown To Exticntion”, de 1992, e “Youthanasia”, de 1994. Músicas como “Symphony Of Destruction”, “Sweating Bullets”, “Skin O’ My Teeth”, “Foreclosure Of A Dream”, “Train Of Consequences”, “Reckoning Day” e a até então inédita ‘balada’, “A Tout Le Monde”, mostrou ao mundo uma banda capaz de compor faixas com forte apelo comercial, mas que não descaracterizavam a sonoridade inicial por completo (como foi o caso do Metallica, principalmente, em discos posteriores ao disco preto).
Mudança de direcionamento
Em 1997, o Megadeth gozava de muito prestígio no mainstream e, como a proposta de fazer músicas mais leves e de maior apelo midiático tinha dado certo, por que não arriscar ainda mais?
E foi o que o quarteto estadunidense fez ao lançar o seu sétimo registro de estúdio intitulado: “Cryptic Writings”.
O disco chegou as lojas de todo o mundo no dia 17 de junho de 1997, alavancado pelo sucesso instantâneo da grudenta “Trust”, hit radiofônico que tocou incessantemente em todas as rádios-rock do planeta e ainda teve um videoclipe muito veiculado na MTV, emissora que, na época, ditava tendências e impulsionava vendagens de álbuns.
Mas “Cryptic Writings” é tão fora da caixa assim? A resposta não é tão simples quanto parece e pode ser respondida tanto de forma afirmativa quanto negativa. O álbum é constituído por canções muito variadas que trazem desde o Megadeth visceral e sedento por sangue de sempre, quanto uma banda absolutamente experimental que ousava mandar um “fuck off” para tudo e gravava o que desse na telha.
Adeus, produtor!
A primeira atitude nesta época que demonstrava a vontade de Dave Mustaine em compor de maneira mais livre e sem amarras, se deu com a demissão do produtor que gravou “Youthanasia”. Apesar do álbum ter se tornado um sucesso de vendas e ser considerado até hoje um clássico da banda, Mustaine não ficou satisfeito com o trabalho metódico do produtor Max Norman e preferiu contratar Dan Huff para produzir “Cryptic Writings”. Segundo explicação de Dave:
“Max veio com essa fórmula de merda que cada música tinha que ter 120 batidas por minuto para entrar no rádio. Quando as pessoas tomam decisões drásticas para fazer coisas assim e sai pela culatra, geralmente acaba, de uma forma ou de outra, custando-lhes seus empregos.”
As partes experimentais são realmente fora dos padrões da banda. Músicas como “Use The Man”, “Almost Honest”, “I’ll Get Even”, “A Secret Place”, “Have Cool Will Travel” e “Sin”, trazem horizontes jamais explorados até o momento e são os exemplos mais claros do potencial criativo do Megadeth.
Letras ótimas, como sempre
Em “Use The Man”, temos uma semi-balada que inicia ao som de fundo da música “Needles And Pins”, do The Searchers e depois parte para os primeiros versos cantados por Mustaine sendo acompanhado apenas por um violão. A música vai evoluindo aos poucos até finalizar frenética e cheia de energia. Pode-se afirmar que “Use The Man” é a música que mais tem a ver com o momento em que Dave vivia na época, tanto que o título do álbum estava programado para ser “Needles And Pins” e, somente depois, foi mudado para “Cryptic Writings”, aliás, este termo só é mencionado na letra da música “Use The Man”.
Segundo David Ellefson:
“O título original do álbum seria ‘Needles and Pins’. A capa deveria ser uma garota segurando uma boneca Cupie com um monte de alfinetes nela… ela estaria esfaqueando a boneca e com uma seringa no peito. Isso não decolou.”
Mustaine escreveu a letra após fazer uma visita a uma clínica de reabilitação nas localidades do estúdio, em Nashville. Ele soube que um jovem, naquele dia, havia morrido de overdose após injetar uma quantidade letal de heroína. O músico, que tinha um histórico de problemas por conta do uso de substâncias, disse na época:
“O título desta música veio de um ditado chinês que dizia: ‘primeiro o homem toma uma bebida, então a bebida toma a bebida, depois a bebida leva o homem’. Eu pensei: ‘o mesmo pode ser dito sobre a agulha. Primeiro o homem usa a agulha, depois a agulha usa a agulha, depois a agulha usa o homem’. E foi daí que surgiu o título. Então, ‘Use The Man’ é sobre isso. É uma música muito, muito triste sobre pessoas que têm overdose de drogas, e também foi inspirada em ‘Needle And The Damage Done’ de Neil Young”.
Diferente, mas bom
“Have Cool Will Travel” é outra bastante diferente do usual. A composição traz novamente o uso de gaitas em uma música do Megadeth. A primeira vez foi no disco anterior, “Youthanasia”, em “Elysian Fields”, mas aqui a música soa como um Blues Rock mais pesado e psicodélico. O título pode soar meio estranho e desconexo, mas veio de um sonho que Dave Mustaine teve durante as gravações, onde o baterista Nick Menza estava deixando a banda e antes de ir embora, dizia “Tenham calma, vou viajar!”. E essas eram as suas palavras de despedida aos outros integrantes. Coincidência ou não, este foi o último registro que Menza gravou com a banda.
Outra das que entram no time das “diferentonas” é, sem dúvida, “A Secret Place”. Uma canção bastante pop, com um som de guitarras que tentava emular algo na linha de uma cítara indiana e, segundo o próprio Dave Mustaine:
“Nós tocamos muitas coisas nesse disco, e muita coisa pop. Tínhamos um empresário na época que estava tentando nos fazer escrever músicas que fossem mais voltadas para serem populares, algo que pudesse chegar no rádio ou na MTV em vez de serem músicas que gostamos. Mas esta foi um sucesso nas rádios, assim como ‘Trust’, e isso foi ótimo”
Daria para mencionar outros momentos experimentais, mas quero chamar a atenção para um outro aspecto deste álbum. E talvez, este seja um dos principais acertos de Dave Mustaine e, consequentemente, do Megadeth. Mesmo em discos onde a banda se propõe a experimentar, e este é definitivamente o caso de “Cryptic Writings”, sempre há espaço para o antigo Megadeth se manifestar. Talvez o único disco que fuja completamente a esta regra seja “Risk”. Mas aqui temos o contrabalanceamento perfeito nas viscerais “FFF” (Fight For Freedom), “The Desintegrators”, “She-Wolf”, “Trust” e “Vortex”.
Sucesso de crítica e vendas
Estas músicas talvez expliquem a condescendência dos fãs e as críticas leves sobre mudanças tão agudas em muitos momentos da audição. Ao mesmo tempo em que se ouvia coisas experimentais, também era possível ouvir o velho Megadeth ali pulsante e pronto para a batalha. A realidade é que “Cryptic Writings” marcou positivamente a carreira do quarteto. Além disso, o tempo provou que um disco diferente dos padrões também pode se tornar um clássico, desde que suas pontas sejam bem amarradas. Algumas músicas do registro são tocadas até hoje nos shows ao vivo e outras mais poderiam retornar sem qualquer problema ou resistência dos fãs.
O sétimo disco de estúdio do Megadeth vendeu cerca de 75.000 cópias somente na primeira semana após seu lançamento. Estreou na posição de número 10 na Billboard 200 e foi disco de platina em 1998 após vender 1 milhão de cópias. “Trust” foi indicada ao Grammy por “melhor performance de Metal”. É a música da banda mais bem ranqueada no Hot Mainstream Rock Tracks da Billboard até hoje.
Se no trabalho seguinte, Mustaine e seus comparsas, exageraram na dose e apresentaram um registro totalmente aquém da excelente discografia do Megadeth, em “Cryptic Writings”, é preciso dizer que os músicos foram extremamente competentes na ingrata missão de agradar a gregos e troianos.
E você, o que acha de “Cryptic Writings”? Qual a sua música favorita? Quais os pontos altos e os pontos baixos na sua opinião? Deixe seu comentário!
Redigido por Fabio Reis
É um discaço ! Último com a formação “clássica”. Como é difícil escolher apenas uma música. Aqui vai três : She-Wolf, The Desintegrators e FFF.