Houve um tempo em que a América era o sonho de consumo das bandas de Metal. 9 em cada 10 grupos tinham a ambição de conquistar o mercado norte americano e, dessa forma, perpetuar seu sucesso por décadas. Se dar bem nos Estados Unidos era sinônimo de “ter chegado lá”. Só que de alguns anos para cá, os bons tempos do Heavy Metal no país estão se transformando em lembranças de um mundo que não existe mais.
Não é de hoje que artistas e bandas de Metal tem relatado o quão difícil é obter reconhecimento nos EUA. E não estamos falando de bandas novas ou muito pequenas, mas de nomes com relevância no cenário mundial.
O vocalista do Accept, Mark Tornillo, disse o seguinte em uma entrevista passada ao The Metal Voice do Canadá:
“Sempre foi difícil fazer turnê pela América do Norte. O problema é principalmente relacionado aos promotores e o fato de que precisamos tocar em pelo menos uma casa de shows grande o suficiente para poder ganhar algum dinheiro. Mas tem que ter público para fazer isso. Mas vamos fazer isso acontecer este ano, não importa o que aconteça. Eu sei disso. Todos nós decidimos que se tivermos que aceitar perder uma parte, aceitaremos perder essa parte. Mas temos que tocar, temos que tocar para os fãs.
Não temos problemas para vender ingressos na América do Sul. Não temos problemas para vender ingressos na Europa. Acho que é apenas a questão que os Estados Unidos não são mais um território do Metal. E eu não sei o por quê disso.”
Já o ex-baixista do Megadeth, David Ellefson, pegou ainda mais pesado ao falar sobre o tema. A conversa ocorreu em uma aparição recente no programa Border City Rock Talk e o músico disse:
“O rock está morto na América. Está mesmo. E eu sei que as pessoas vão me criticar por dizer isso, mas está. Quando Gene Simmons do Kiss disse isso, todo mundo o odiou por isso, mas ele está certo. A menos que você seja uma banda estabelecida, a menos que você seja Linkin Park, Metallica, Kiss e Slayer, tanto faz, mas para começar uma nova banda de Rock, as crianças não gostam dessa merda. Elas gostam do Facebook e da Tesla. Sim, suas vidas estão em seus telefones. Ser uma estrela do Rock não é mais legal como era para nós quando éramos crianças. Então, se você se estabeleceu, ok, pode manter as coisas funcionando.”
O desinteresse do público norte americano
Publicamos uma matéria recente, onde o Metallica apareceu em nono colocado numa nova listagem da Pollstar de artistas mais rentáveis em turnê. O Metallica conseguiu entrar na lista mundial, mas na lista que abrange apenas os EUA, nenhuma banda de Metal aparece entre os dez mais bem colocados. A lista norte americana é composta pelos seguintes nomes:
Recentemente, o Google divulgou seu resumo do ano em 2024 que mostra as pesquisas mais populares de seus usuários no mundo todo. Dessa forma, a categoria músicos foi liderada por Diddy por conta de todos os escândalos ao qual o rapper se envolveu. Dois artistas de Rock e Metal aparecem nas pesquisas mundiais: Linkin Park (por conta de seu retorno) e Dave Grohl (por conta de um suposto filho secreto fora do casamento).
Se pegarmos esta mesma pesquisa mas focarmos apenas nos Estados Unidos, nada de Rock ou Metal fez parte das pesquisas das pessoas. Veja a lista dos nomes mais procurados pelos norte americanos:
- Usher
- Diddy
- Kendrick Lamar
- Drake
- Justin Timberlake
- Ingrid Andress
- Sabrina Carpenter
- Drake Bell
- Chappell Roan
- Tracy Chapman
Preços exorbitantes para se fazer turnês na America
Além desta tendência relacionada ao desinteresse do público por bandas de Metal, há outras questões que impactam diretamente no bom desempenho do gênero no país. Por exemplo, existem muitas dificuldades relacionadas a se obter vistos norte americanos.
Muitas bandas tem mencionado o aumento exponencial nas taxações e na dificuldade para conseguir apenas adentrar nos EUA. Por conta disso, muitos grupos grandes em outras regiões do globo tem optado por não se arriscar em turnês norte americanas.
Muitos poderiam até pensar que esta dificuldade para obtenção de vistos poderia ser algum tipo de manobra interna para valorizar os shows das bandas locais. Mas não é isso que estamos vendo diariamente nos noticiários.
O Category 7, supergrupo que conta com os seguintes músicos: John Bush (Armored Saint, ex-Anthrax) nos vocais, Phil Demmel (Kerry King, ex-Machine Head) na guitarra, Jack Gibson (Exodus) no baixo assim como Jason Bittner (ex-Overkill) na bateria, teve problemas com shows que seriam realizados no próximo mês de março.
Independente do tamanho, as dificuldades são grandes
Apesar de ter sido formado recentemente, o Category 7 já lançou seu primeiro álbum autointitulado. O disco chegou às lojas e plataformas de streaming no último dia 26 de julho, via Metal Blade Records e podemos afirmar que o trabalho de divulgação foi muito bem feito, já que contou com o lançamento de nada menos que 5 singles.
O grupo tinha uma primeira turnê pelos EUA programada para começar no dia 6 de março. A excursão teria, inicialmente, 14 shows e contava com o Exhorder como banda de abertura. Mas algo parece ter dado errado e no dia 11 de dezembro o Category 7 publicou uma nota cancelando a turnê por conta das baixas vendagens de ingressos. Veja um trecho da nota:
“Com a competição avassaladora pelo dinheiro dos shows ao vivo, sentimos que nossas vendas projetadas de ingressos não serão suficientes para que nossa turnê seja lucrativa, então tomamos a dolorosa decisão de cancelar nossa turnê em março.
O custo das turnês continua aumentando e, embora não tivéssemos ilusões de grandes lucros, pelo menos empatar era uma meta que, depois de falar com nosso agente e os promotores dos shows, não parecia alcançável.
Agradecemos a todos que estão curtindo nossa música e continuaremos tentando encontrar uma maneira de levar o show ao vivo para a estrada.”
Sabemos que é uma banda com pouco tempo de estrada, mas com um lineup cheio de músicos renomados, no mínimo, deveriam conseguir fazer a turnê. E não se trata de ser uma banda nova ou veterana, uma pequena ou grande, vai muito além disso.
Além do público, existem fatores financeiros que estão dificultando e muito. Veja o que disse Dave Mustaine, do Megadeth, em uma recente entrevista ao The SDR Show. Mustaine mencionou um dado quase esquecido pelas pessoas, já que quanto maior uma banda, mais gastos ela tem. Ele explicou:
“O que acontece é que você tem cada indivíduo na sua equipe, e estejam eles trabalhando ou não, eles são pagos por dia. E então você tem aqueles que estão na estrada conosco, e para nós, são muitas pessoas. Temos um homem que cuida da luz, um técnico de som, uma pessoa que fica no monitor, e então você vai para os fundos do palco. Temos um monte de gente lá, temos um técnico de bateria, um técnico de guitarra e um técnico de baixo e guitarra, outro técnico no monitor. E então há pessoas nos bastidores. Há os motoristas, os motoristas de ônibus, os motoristas de caminhão, os bufês, todas essas coisas. E então há todos os hotéis, todo o dinheiro para conseguir os quartos de hotel para todas essas pessoas poderem dormir. E então você tem que alimentá-los. Então o custo continua subindo e subindo e subindo.
Muitas pessoas olham para o preço do ingresso e pensam: ‘cara, não vou pagar 75 dólares para ver esses caras’. E eu fico triste em dizer que, mesmo se você tivesse escolha, é mais ou menos o que acontece hoje em dia se você quer ver uma banda ao vivo, porque você simplesmente não consegue mais ir do ponto A ao ponto B sem gastar muito dinheiro.”
O Metal está sendo varrido para debaixo do tapete?
O guitarrista Michael Gilbert, do Flotsam & Jetsam, falou com Jimmy Kay, do The Metal Voice, e demonstrou bastante pessimismo com relação ao Metal nos Estados Unidos. Dessa forma, o músico parece acreditar piamente que o gênero está literalmente sendo varrido para debaixo do tapete.
Segundo Gilbert, alguém tem deliberadamente trabalhado para que o Metal seja esmagado nas redes sociais. Veja:
“Se você olhar para a Europa, eles são abertos, eles nunca pararam de amar o Metal, e o estranho é que nos Estados Unidos eu sinto que o Metal é realmente esmagado nas mídias sociais, em coisas como o YouTube. Eu acho que eles restringem o Metal. Eu não tenho certeza exatamente por que ou qual é o raciocínio, mas o Metal é enorme em todos os outros lugares do mundo exceto nos EUA. Vamos pegar uma banda como o Arch Enemy, por exemplo: eles tocam em grandes festivais na Europa. Eles tocam para meio milhão de pessoas na América do Sul, grandes shows no Japão. Eles vêm para os Estados Unidos e tocam no House Of Blues com mil pessoas. Então me diga, o que está acontecendo? Como uma banda e como um gênero pode ser enorme em todos os outros lugares, mas não nos Estados Unidos? Parece meio estanho isso para mim.
Há algumas bandas aqui e ali que estão indo bem, mas, no geral, há um gênero inteiro que não está indo bem. Acho que os fãs (nos EUA) não estão tão conectados quanto na Europa. Há uma cena enorme de Metal, todo mundo está conectado, todo mundo vai aos festivais, todo mundo ama a música e, realmente, não importa o estilo. Você é Thrash Metal? Você é Melodic Metal? Seja lá o que for, os fãs abraçam tudo. Eles não vão agir como, ‘ok, eu sou apenas um fã de Thrash Metal, então só vou ouvir Thrash Metal’. Acho que isso acontece talvez um pouco mais nos Estados Unidos também, onde alguém diz, ‘ok, eu gosto apenas de um gênero específico, uma área muito específica de um gênero e não vou ouvir mais nada’. Acho que isso acontece talvez um pouco mais nos EUA, mas acho que em termos de mecânica da indústria, acho que há um esforço, na minha opinião, para elevar coisas como rap e pop, e meio que empurrar o Metal para debaixo do tapete. Como eu disse, há algumas bandas aqui e ali que meio que contrariam a tendência, mas na maior parte é isso que estou vendo nos Estados Unidos.”
Até mesmo bandas realmente grandes como Avenged Sevenfold estão sendo impactadas e começaram a mirar suas atenções a este grave problema.
Em uma nova entrevista concedida a Bradley Hall, o vocalista M. Shadows foi questionado sobre todos os cancelamentos de shows que estão acontecendo, principalmente, nos EUA.
Para o músico, isto é só o começo de uma derrocada ainda maior. Ele disse o seguinte:
“Você não pode levar isso à ferro e fogo. E é realmente louco porque quando você chega a um nível mais alto, todos na equipe ganham muito bem. Todos estão sendo levados em direções diferentes e todos ganham quantias altas de dinheiro. São mais caminhões, mais motoristas, mais gasolina…
Já vimos muitas bandas cancelando turnês, e você verá muito mais. Eu sei quanto de dinheiro nós ganhamos e sei que é incrivelmente difícil até para nós.
A menos que você consiga montar algo que o mantenha em uma cidade ou em lugares onde você possa tocar várias noites seguidas…”
Não sabemos ao certo o que está acontecendo com a cena Metal norte americana, mas é um fato que ela está se apequenando gradativamente perante outras cenas regionais.
Caso nada seja feito, provavelmente, o maior mercado do mundo quando pensamos em Heavy Metal no decorrer dos anos, pode em algum tempo deixar de ser tão importante ou relevante assim.
Sem sombra de dúvida, se isso se concretizar, será mais uma grande revolução que a indústria da música pesada precisará passar para permanecer viva. Não seremos alarmistas e não vamos fazer prognósticos malucos e apocalípticos, o Metal já sobreviveu a muitas mudanças e já enfrentou inúmeros desafios. Temos certeza que este será apenas mais um deles.
Contudo, devemos ficar atentos, observar tudo o que está acontecendo e nos preparar para inevitáveis mudanças.