Gravadora: Napalm Records
O que dizer quando determinado álbum já apresenta o rastro e todo o trejeito para se tornar clássico ao ser lançado? Décadas atrás era algo comum de se acontecer tamanha a diversidade, variedade e quantidade de álbuns excepcionais que exaltamos até os dias atuais. Mas, e na conturbada década de 90 era comum isso também? Por olharmos tão de perto essa década, aparenta ser que não. Mas, se forem somadas outras ondas e estilos que foram surgindo ao longo do tempo, pode ser encontrado certo equilíbrio numérico. O certo é que em várias épocas isso ocorreu, mesmo até com bandas que não tinham tanta pretensão para tal feito. O que causara uma grande surpresa ao alcançar este patamar. Já em meados de 1996, uma nova onda surgiria através das influências de outras subvertentes que estavam mais em alta, mesmo em um ano repleto de “radiofonices” baratas. A forma de se encontrar essas pérolas espalhadas pelo planeta viria a ser constatada anos mais tarde com o avanço da internet, onde hoje é possível conhecer diversas bandas dos mais longínquos países e províncias que se possa imaginar. Outro lado excelente é que aquela lista de “países do Metal” foi jogada na fogueira, servindo de abertura para novas terras serem inseridas no mundo da música pesada. A onda que batia nos recifes auditivos dos adeptos crescia e tomava forma através do Black Metal, do Doom Metal e do Gothic Metal. Muita coisa que deu início ainda por volta de 88 e 89, mas que acabou entrando no mapa musical somente anos mais tarde. O Tristania, banda oriunda de Stavanger, Rogaland, era uma dessas bandas que apareciam com um cardápio sonoro inovador, porém sem abdicar de características mais rústicas e tradicionais que vieram a fazer parte dos moldes do seu tipo de som.
Bandas como Therion e Theatres Des Vampires, que já estavam mudando a sua fórmula inicial, Nightwish, Lacrimosa, Theatre Of Tragedy, Graveworm, entre outras, estavam colocando as mãos em um pedacinho do mercado cada. Com isso a atração dos fãs se tornava cada vez mais destacada e a jornada passava a ser cada vez mais interessante e impactante. A música carregada, rancorosa, estupidamente soturna, macabra, indigesta, dolorosa, agonizante a ponto de congelar a alma, ganhava o seu devido espaço no cenário da época. Cada banda citada desenvolveu suas próprias características e seguiu por um caminho diferente se forem comparadas umas às outras. Ainda tínhamos Opeth, Paradise Lost e My Dying Bride dando as cartas, isso sem contar o Type O Negative que elevava a aura gótica à quinta potência. Bandas diferentes, mas que se assemelhavam em vários aspectos. Isso fez com que grande parcela do público passasse a gostar de praticamente todas elas ao mesmo tempo. Com relação ao Tristania, existia um “algo a mais” que a colocava na frente das demais. Se isso foi proposital eu não posso dizer, porém, digo que serviu para que meu coração petrificado desenvolvesse uma paixão estridente e abrasiva perante a esta que contribuiu e muito para o sucesso do glorioso Tristania. Falo de… Vibeke Stene (Víbêkah Stênah)!…
Ela não é a principal compositora, não toca guitarra, e também não é a principal voz da banda. Porém, o seu jeito marcante e a voz de tocar o âmago do ser a torna tão esplendorosa como se a banda possuísse o nome dela. Morten Veland é o verdadeiro chefe da obra e soube como poucos elaborar um trabalho que perduraria até então, e sempre seria (e será) colocado como o melhor álbum do Tristania e um dos melhores álbuns de Gothic/Doom Metal da história. Ah, não me venha com Symphonic! Isso possui outra linha e deixarei para contar sobre isso junto a um clássico do estilo. Acho mais justo e faz muito mais sentido. No entanto, o Tristania serviu e continua a servir como fonte de inspiração para várias bandas que estão surgindo e resgatando essa ideia. A banda surgiu de fato junto ao lançamento do seu primeiro material oficial, ou seja, a demo auto-intitulada de 1997. Demo essa que serviria de aperitivo para o grande acontecimento que viria no ano seguinte com o lançamento de “Widow’s Weeds” no dia 9 de março via Napalm Records. A produção do álbum foi dividida entre o próprio Tristania e T. Refsnes. Sindre Y. Kristoffersen assina a capa do disco, enquanto Ken Bakke ficou a cargo do desenvolvimento da contracapa. Emile Max. Ashley (R.I.P. 2015) cuidou das fotografias da banda, e o debut ainda conta com diversas participações como o violinista Pete Johansen e o vocalista Østen Bergøy.
Para muitas pessoas os corais contidos nesta linhagem musical incomodavam bastante, inclusive ao dono do nanquim e da pena digital que oferece aos caríssimos leitores mais essa escrita. Ao menos antes, pois fui entendendo aos poucos como funcionava essa receita que era diferente e estranha até então. Já no caso do Tristania a coisa fluiu logo de cara, e isso com certeza aconteceu com vários fãs ao redor do mundo. Afinal, mesmo até quem não goste acaba por respeitar o que “Widow’s Weeds representa. Ele é um álbum sério que não está querendo fazer parte de nenhuma diversão relacionada ao Dia das Bruxas. Muito pelo contrário, pois se trata de um álbum que traz à tona a climatização de um mundo vampírico que alterne entre a idade das trevas e os tempos atuais. “Widow’s Weeds” é tentador e questionador em sua essência, transitando entre o místico, o luto, e a intriga gerada pela religião que sempre escondeu vários mistérios relacionados aos mais diversos acontecimentos eras após eras. As melodias melancólicas apoiadas por linhas de baixo invocadas do além-túmulo só serviram para apimentar ainda mais a curiosidade e a vontade de ouvir cada música do álbum. Seja sussurrando, seja em coro, seja em canto lírico, soprano, Vibeke está lá encantando a todos com sua magia profunda e latente que vicia a alma de que a ouve como um poderoso entorpecente.
A cozinha formada pelo baterista Kenneth Olsson e pelo baixista Rune Østerhus causam rachaduras nas estruturas do alicerce mental daquele que não é acostumado a receber tanta melancolia arrastada e sofrida em seus ouvidos. Tudo soa amplamente consistente, mostrando que não se trata de qualquer banda por aí querendo mostrar o seu som meia boca. Mas, é uma banda com apetite à época do lançamento. Os vocais tanto guturais que remetem ao Death Metal, quanto os momentos de vocal rasgado mais puxado para o Black Metal, são notados com clareza e funcionam de forma excelente. As viagens fúnebres e sombrias das guitarras de Morten e Anders H. Hidle tornam a viagem sonora ainda mais emblemática e única. Os corais ficam meio de fundo em determinados momentos, o que causa uma sensação fantasmagórica ao presenciar estes compassos. Outro fator predominante são as orquestrações movidas pelos teclados, programações e sintetizadores de Einar Moen, junto ao violino de Pete. Os noruegueses realmente não estavam brincando ao lançarem seu debut, pois com esse belo trabalho acabaram escancarando o tecido do universo gótico, depressivo, e com o apoio de frases musicais oriundas do Metal extremo. Hoje é fácil perceber os caminhos construídos para que surgissem as mais diversas bandas desde o início dessa jornada. O Black Metal já era requisitado em outras formas de construir canções, e somado a todas as vertentes citadas neste poema tamanho família, dava-se a chave do portão principal para adentrar em novas misturas que fariam sucesso logo adiante.
É certo dizer que a trinca inicial do Tristania é o melhor feito da banda em toda sua história. Além do debut a ser abordado neste quadro, temos “Beyond The Veil” (1999) e “World Of Glass” (2001), álbuns que formam a verdadeira e sagrada / profana trinca de diamante do glorioso Tristania. Voltando ao álbum de estreia dos noruegueses desde o seu lançamento, mesmo que ainda desconhecidos do público maior, conseguiam fazer um barulho forte nos bastidores. Afinal, não era qualquer álbum de estreia de uma banda qualquer. E um full-length nesse formato todo diferente do convencional ganhar o respeito dos adeptos mais tradicionais do Metal é para poucos. Em outras resenhas por aí se pode notar a presença dos chamados “defeitos” do disco, como a distorção das guitarras e os coros encontrados durante o giro do artefato circular. Eu, tanto como fã e também como analisador de álbuns, digo que até foi um defeito durante a gravação. Porém, acabou resultando numa espécie de “menos com menos é igual mais”, principalmente pelo clima ainda mais obscuro causado por esses diferenciais contidos na obra. Normalmente os corais estão disponibilizados de forma bem ordenada e limpa, trazendo um clima de fantasia mais adocicada. Já em “Widow’s Weeds” o adocicado passa longe, dando lugar ao frio constante, ao lúgubre, ao sombrio e macabro universo explorado pela banda. A sensação de que a vida é apenas um sopro gelado e agonizante no horizonte passa por todas as faces terrenas e submundanas, não importando a música escolhida. Afinal, o trabalho todo se comunica de uma forma muito forte sem deixar ninguém em dúvida sobre o propósito da obra.
Na beira do abismo nos deparamos com “Preludium…”, que já indica o futuro sem esperança carregado de angústias em cada verso desta trama através de um pequeno canto lamuriante.
“Cruciami, Santa…
Cruciami, Santa…
Cruciami, Santa…”
Logo nos deparamos com “Evenfall”, com sua veia Doom e os vocais de Morten alternando entre o Black e o Death Metal. Distorções ásperas que levantam toda a poeira das ruínas da mente humana. A voz de Vibeke atravessa dimensões e consegue enviar a mensagem até onde não consiga mais sentir ou enxergar. O clima obscuro e deprimente ocorre em todo o momento com alternações mais altas e mais baixas, mas sem deixar a magia soturna acabar. Todos os instrumentos possuem sua parcela de contribuição para este caos maravilhoso. Em um disco constituído junto a belas dosagens de baixo, não se deve deixar passar algo como “Pale Enchantress” de lado. Rune conduz o alicerce cravejado de sofrimento e peso com maestria diante da presença imaculada da feiticeira das trevas, enquanto toda a banda apresenta uma estrutura impecável, além do entrosamento bastante eficaz nesta que se faz presente no primeiro EP da banda. “December Elegy” possui o início mais arrastado e sublime da obra e não seria nenhum erro começar com a voz de Vibeke antes de Morten. “Midwintertears” é mais contagiante e famosa que a canção anterior, e podemos entender os motivos para isso. Ela traz maiores vibrações e ambientações do que sua antecessora, sendo mais ousada em diversos aspectos. Portanto, é mais lembrada pelos fãs até do que a maioria das canções dos cidadãos de Stavanger. Também se faz presente no EP “Tristania”.
E dada à chegada daquela que logo em sua abertura te chama para vivenciar esse mundo cinzento e te contar umas verdades nunca ditas por pentecostais amaldiçoados por suas próprias tramóias. Østen Bergøy mostra a potência da sua voz vampírica e te joga em meio aos castelos medievais diante de uma lua cheia que ilumina o percurso, evidenciando o perigo das sombras que o cercam e estão prontas para te atacar e sugar não somente o seu sangue, mas a sua frágil e falida alma. Estamos falando de “Angelore”, faixa esta que apresenta linhas de guitarra mais melódicas e te colocam em meio ao salão nobre do castelo repleto de joias, artefatos variados como armaduras e detalhes nas paredes que podem revelar muitas coisas ocultas da cena real e carnal. Por onde Vibeke passa o seu encanto é derramado como água do regador, ao regar as plantas negras que exalam o odor do mundo decrépito de semblante marejado e sem forças para seguir em frente. Mas, o que a canção passa é exatamente para que torne tudo isso uma arma a seu favor. Sem lágrimas, sem sacrifício em vão. À luta! É isso o que deve ser feito. “My Lost Lenore” apresenta pitadas mais fortes de teclado, que em seguida são intercaladas pelos instrumentos principais, até a chegada dos sussurros mágicos e hipnóticos de Vibeke. Em seguida a mesma segue com sua feitiçaria vocal até encontrar o oposto de sua voz que é a “fera” Morten Veland. Kenneth Olsson executa um trabalho consistente e abrangente na condução de seu kit. Sinta o baixo repleto de sentimentos de Rune junto com os efeitos de Einar Moen, e aprecie sem moderação essa viagem, voltando 400 anos atrás numa época em que se falava o chamado inglês antigo. A distorção e os efeitos das guitarras lembram bastante o que aconteceu em “Born Again” (1983) do magnífico Black Sabbath. Guitarras bem roucas e endiabradas que dividiram o gosto dos ouvintes. No entanto, em “Widow’s Weeds”, o gosto foi amplamente a favor dos noruegueses. E no meu caso, gosto muito do “Born Again” também.
Sabe o sopro gelado e agonizante de que tanto falo? Ele é muito bem representado na canção “Wasteland’s Caress”. E não pense que ela será completamente arrastada, pois logo na sequência o arsenal é colocado à mostra e a artilharia convencional entra em ação. Os vocais de Morten seguem mais às linhas do que é utilizado no Black Metal, e não somente sua voz, mas toda a abordagem musical fica mais extrema. Considero essa canção uma pista clara do que viria a seguir no álbum “Beyond The Veil”, outro clássico da banda. O sopro volta depois interpretado por Vibeke e o inverno denso e repleto de incertezas paira no ar de uma forma que somente essa condessa pode controlar e oferecer ao ouvinte sensações únicas. O pergaminho da cripta de Malkav é encerrado de modo condizente com seu início através da faixa “…postludium”.
“It ia mexami
Tuatio to luto,
Espiritus ut platus
Quamodo pátio”
*Há duas faixas bônus que constam em outras versões, a instrumental “Sirene” e “Cease To Exist”. E como são as outras duas faixas que fecham a quadra contida no EP “Tristania”, não poderiam ficar de fora. Até por motivos de carregarem toda a bagagem reunida pela banda para esses primeiros anos de história.
É certo dizer que todo fã do Tristania gostaria de rever a Vibeke e também Morten reunidos na banda novamente. Morten criou o Sirenia, banda que também fez e está fazendo bastante sucesso. Inclusive, tendo lançado o ótimo “Riddles, Ruins & Revelations”. Não sei se o Tristania com sua formação original conseguiria emular essa sonoridade de antes, mas ao menos seria um gostinho bem especial ver a Vibeke nos palcos carregando a tocha dos guerreiros de Stavanger. Ao menos uma verdade é mais do certa: O Tristania fez história aqui e apresentou a Vibeke Stene para o universo do Metal.
“Sombra lançada sobre meu coração
Na escuridão… Tuas lágrimas do meio do inverno
Condenado a chorar em silêncio
O pálido nascer da lua em seus olhos
Sereno… Como um riacho congelado
A beleza fluindo em tuas lágrimas”
Nota: 9,6
Integrantes:
- Morten Veland (guitarra, vocal gutural, coro)
- Kenneth Olsson (bateria, coro)
- Einar Moen (teclado, sintetizador)
- Vibeke Stene (vocal soprano, coro)
- Rune Østerhus (baixo)
- Anders H. Hidle (guitarra, coro)
Membros convidados:
- Pete Johansen (violino)
- Østen Bergøy (vocais limpos em “Angelore”, coro)
- Hilde Egeland (coro)
- Marita Herikstad (coro)
- Hilde T. Bommen (coro)
Faixas:
- 1. Preludium…
- 2. Evenfall
- 3. Pale Enchantress
- 4. December Elegy
- 5. Midwintertears
- 6. Angellore
- 7. My Lost Lenore
- 8. Wasteland’s Caress
- 9. …postludium
- 10. Sirene*
- 11. Cease To Exist*
Redigido por: Stephan Giuliano
Cara, tudo o que você citou sobre a banda e esse álbum, está perfeitamente condizente com o que eu também sempre pensei sobre ele, eu num adiciono mais nenhum paragrafo, pois você citou tudo,perfeitamente! Esse álbum é simplesmente MÁGICO! Palavras são pouco para descrever, obrigado pelo excelente texto, e que ficará armazenado para os longos dos anos, tanto para os fãs, e aos que conheceram a pouco, e os que ainda conhecerão. \m/
Tristania É Uma Banda De Metal Sinfônico SIM E Nada Tira Isso da Minha Cabeça