Após o surgimento do que viria a ser o que conhecemos por Death Metal, através de bandas como Death, Possessed, Master, entre outras, muitas bandas enveredaram por esse caminho mais sangrento e carniceiro do Metal. O subgênero envolvia temas de filmes de terror da época e críticas às principais religiões dominantes no ocidente. O Incantation surgiu em New Jersey em meados de 1989, já com o movimento do estilo a todo vapor. Discos seminais eram lançados de 1985 em diante, e coube ao Incantation dar seguimento ao que a banda decidira fazer. O momento era ao mesmo tempo propício e também muito difícil por conta da disputa em busca de espaço tanto no mercado fonográfico voltado para o underground, quanto em relação aos shows em si. Após duas demos de 1990 e um EP lançado em 1991, nomeado “Entrantment Of Evil”, John McEntee (guitarra), Craig Pillard (guitarra e vocal), Ronny Deo (baixo) e Jim Roe (bateria), assinaram contrato com o selo Relapse Records para a gravação de seu debut e, talvez, o álbum mais excepcional da carreira do Incantation, segundo muitos adeptos.
Gravado no Trax East Studios, em South River, New Jersey, entre setembro e novembro de 1991, “Onward To Golgotha” foi engendrado e produzido por Steve Evetts, e mixado em janeiro de 1992. Os executivos de produção foram Bill Yurkiewicz e Mathew F. Jacobson. As fotos foram tiradas por Manny Vallejo, enquanto o logo foi idealizado por Bill Venner e a arte de capa ficou a cargo de Miran Kim. O álbum foi masterizado por Dangerous Dave Shirk. O álbum de estreia dos americanos foi lançado no dia 5 de maio, já sentindo um pouco dos efeitos causados pelas mudanças de trajetória de outras bandas, principalmente de outras vertentes do Metal, já que no caso do Death Metal, este era bem mais restrito e quase que voltado direto para o underground como um todo. Isso fez com que as bandas do estilo permanecessem mais fiéis às suas linhagens sonoras por um tempo maior. E para os amantes da vertente, este álbum figura entre os maiores clássicos de todo o Metal enferrujado e com cheiro de vísceras jogadas ao vento.
Sendo uma banda local, dentro do coração do movimento mortífero, poderíamos dizer que as coisas seriam mais fáceis por isso. Porém, não era bem assim que os trâmites funcionavam, afinal, estamos falando de um estilo nem um pouco popular, e por isso, o tapete é mais curto para aconchegar os sapatos. O momento foi bem frutífero, e se hoje somos gratos por existirem bandas excelentes, devemos relembrar e comemorar por estes mesmos terem lutado bastante no início da década de 90 e conseguirem ser o que são hoje em dia. O Incantation não é tão popular dentro do Death Metal quanto um Possessed, por exemplo, mas a contribuição sonora dos caras está marcada na história e quem deseja conhecer sobre o estilo com rastro de sangue em forma de “múzga”, deve averiguar os discos do Incantation e todas as suas fases. No entanto, estamos bem no início da trama com os ares do incrível debut. E este apresentava logo de cara a aura mais perversa e macabra ao melhor tempero que o estilo pode proporcionar.
Movido pelo fanatismo religioso e enganoso, o Incantation buscou inspiração em tais temas para inserir em suas canções, fato este que deu muito certo e literalmente casou com as linhas sonoras apresentadas nos primeiros registros anteriores ao disco, chamando a devida atenção do público, fazendo-o comprar a ideia. E mesmo que em menor escala, era importante alcançar a meta de reconhecimento para adiante poder tirar proveito disso. Poderíamos resumir o álbum, que vem a ser brilhante por si só, e sendo facilmente um dos melhores trabalhos produzidos e pertencentes à cena de Death Metal de Nova York. Qualquer fã de Death Metal conhece e ama. Será? Conheço que não gosta e também não podemos colocar o disco no altar da unanimidade, pois são tantos álbuns sensacionais do estilo, que por vezes, não damos conta de que existem outros mais e, principalmente, tão excelentes quanto. Agora vamos mergulhar na lava profunda, esguia e borbulhante de “Onward To Golgotha” para conferir de perto a sua magnitude de escala estelar.
A assembleia legislativa do Death Metal novaiorquino inaugura o hall de entrada com ela, simplesmente, “Golgotha”! Iniciada a partir de um urro devastador proferido por Craig Pillard, o mesmo, acompanhado por seus irmãos de batalha, desencadeiam uma jornada insana e bastante extrema, destroçando tudo o que vê pela frente. “Quão fraco se apresentou teu homem / Para tua terra abençoada / Provocando sua crucificação…” – a letra se estende por mais alguns versos, mas fica notória a quem está endereçada. Seria a única figura tida como fraca ou haviam mais? Seus seguidores enganados? Sua prole? Enfim… Deixemos a fantasia correr pelos tilintares as cordas e o bater dos bumbos. Os riffs funcionam como uma máquina de triturar almas frágeis ao mesmo tempo em que trazem o peso similar ao de uma bigorna para afinar seus equipamentos de guerra. John McEntee ao lado do próprio Craig, demonstram amplo entrosamento quanto às linhas agressivas e pútridas de guitarra, com direito a um breve, afiado e agonizante solo. Traçando o destino com as pontas do tridente, temos “Devoured Death”, que inicia o percurso com os primeiros compassos de bateria, cortesia de Jim Roe. Aqui os riffs aparecem em um tom mais vagaroso que outrora e trazem mais elementos do estilo para dentro da obra. “Recite as palavras do inferno vivo / Levantem-se do sono eterno / Desperte os malignos que descansam abaixo / Venha e mostre sua alma podre…” – os corpos retirados das sepulturas e enterrados sob sujeira sagrada simbolizam a morte devorada e corrompida, que faz parte de todo o ritual para levantar do sono eterno, despertando os seres malignos que repousam por Eras abaixo. A chama exibe uma luz negra cada vez mais forte, conforme a profecia musical se estende, e o ímpeto voraz do quarteto coloca na mesa todos os recursos para entender o quão grandioso é esse escopo do Death Metal. Os hoje famosos harmônicos das guitarras ultra pesadas, se fazem presentes, o que viria a ser uma das grandes características da banda adiante.
Na encosta do precipício, encontramos com “Blasphemous Cremation” e seu requinte ainda mais extremo. Ronny Deo segue aparecendo muito bem em cena com seu baixo, e nesta canção ele também acelera o passo para acompanhar a trama. Solos viscerais e curtos se assemelham a arames farpados ao encontro da carne da presa ferida. Como discípulos da zombaria, os integrantes encarnam o momento da crucificação como algo sublime e que não é permitido deixar nenhum rastro após o fim definitivo daquele ser. “Negado a salvação / Destrua os restos mortais de Cristo / Para sua carne não vai subir / Queimado até as cinzas, a abolição de Cristo…” – ninguém os destruiu e preferiu-se ocultar toda a verdade, inventando uma nova criação e ordem dos fatos. Vejo Cristo em questão como o ponto central de tudo, ou seja, representando a igreja, sua devoção, seus apoiadores, tudo que permeie esse mundo. Sendo assim, Cristo não leva a culpa sozinho por toda essa falsa salvação diante de um ritmo sonoro bem variado e com momentos de morbidez. “Rotting Spiritual Embodiment” é a quarta ponta de lança e trata a retomada do espírito ao corpo como algo ultrajante e sem escrúpulos, pois toda a amálgama em forma de salvação não passa de uma grande farsa para encobrir diversos crimes e trapaças. Tudo é colocado em destaque através de uma boa introdução sem toda aquela velocidade habitual. Ritmos cadenciados e harmônicos se fazem presentes na primeira perna da canção. A sequência da mesma apresenta o seu momento veloz e devastador, mas logo toma de volta sua forma inicial, porém com acordes diferenciados, ampliando as modificações que só enriquecem o som, e que antecedem os solos vibrantes. Bateria e baixo mantendo o alicerce firme como deve ser e tornando ainda mais pesada a criação.
O motim dentro do inferno possui a trilha sonora de “Unholy Massacre”, mantendo o controle e a cadência nos momentos não cantados, assim dando um belo contraste para a música. Craig demonstra habilidade tanto nas partes de vocal mais acelerado quanto nos momentos mais sórdidos e angustiantes. Mesclando peso, velocidade e cadência, essa é mais uma faixa que ajuda a elevar o patamar do disco. “Levantem-se deuses da guerra, demônios da morte / Entrante as almas, destrua os corpos / Mate os sagrados, mortifique todos eles / Sinta a dor, enquanto o sangue é drenado” – convocando todos os demônios adormecidos a vantagem passará para o outro lado e a missão é bem simples e está destacada. Pedais e bumbos esfarelam os monumentos sagrados em fração de segundos, e tudo ao seu redor balança como se estivesse no pior dos terremotos. As notas harmônicas são tão presentes que a canção fecha de tal forma.
“Evil one enters the helpless soul, merciless, the giver takes his toll
Reveals the evil, condemns the victim
Corruption of the holy, destruction of gods
He is the giver of the living torment
Deny the blackest wrath, devour sweet suffering…”
Após a colocação de um trecho do tema, “Entrantment Of Evil” surge para manter as chamas infernais acesas e revelar toda a verdade por trás da invencionice abissal. O início é curto e de andamento normal… Até que descamba para o Metal extremo e alucinante. Logo com 1min de música rolando, o solo de guitarra chega para arremessar o apóstolo no abismo. Ao citar o maldito que entra na alma indefesa e domina o seu corpo, entregando o pedágio ao seu forçado doador, a canção segue sua jornada veloz e perto do fim toma um tom mais brando e termina de forma bem simples. “Christening The Afterbirth” é a típica canção que traz muito do que era envolvida a década de 90. Não por conta do que ela está dizendo, mas sim por conta de como é dito. O que seriam dos homens sensíveis ao se depararem com algo escancaradamente nojento e agressivo? Vamos acompanhar juntos como de praxe. “Banqueteie-se com a carne da vida recém-nascida / Começando o ritual do antigo batismo. / Eleve os excrementos fetais / Abençoe este nascimento, pois ele deve ser purificado” – talvez tenha pensado em algum palavrão na música, mas vai muito mais além como podemos notar. Com riffs semelhantes ao arsenal pertencente a Tony Iommi, a canção se torna um misto de Black Sabbath com Death Metal. As linhas de bateria e baixo marcam muito o seu território, e todos os outros componentes fazem desta, se não a mais veloz e agressiva, a mais trabalhada e nefasta obra do Metal ardiloso e com rastro de sangue coagulado.
“Immortal Cessation” é a próxima placa da estrada e avisa ao nobre viajante que um pedido será feito ao anjo Serafim. Enquanto, a avalanche sonora dá prosseguimento, acompanhamos o pedido. “Serafim, deixe-me ser imortal como você / Podridão imaculada, amada em divindade, o início sombrio do nascimento / É a glória eterna da concepção demoníaca…” – apoiada por uma linha mais tradicional e direta com relação ao som em si, a temática cede espaço para a insistência no fato de que todos os seres colocados como deuses são meros seres mortais, nada além disso. Isso quando não são de mentira. Acompanhada pelas marteladas do excelente baterista Jim Roe, surgem das profundezas os solos cavernosos, sem que haja alteração no ritmo da canção. Somente na parte seguinte é que tudo muda, mas sem sair do eixo principal. E a questão principal a ser inserida era de que:
Jesus… Was… Mortal…
“Profanation” dá continuidade à insanidade sonora descendo ladeira abaixo. A profanação é explicada e apoiada para que ensine a alma inocente a entender o real propósito de sua vinda. Como em todas as faixas, o Incantation opta por melhor moldar as suas criações. Mais uma boa dose de solos para acordar os seres malignos. “Para encantar a alma da inocência, desvie a vida mortal / Reencarne o espírito maligno, desvie a vida mortal” – você é mortal e não irá para o céu, você pagará por estar em plano terreno, e sangrará até o fim dos tempos lá embaixo… Liberte o sangue do bode, erga bem alto os chifres do inferno e profane os deuses. Assim, estará fazendo o certo e colocando em ruínas o outro lado. O disco de estreia e um dos pilares do Death Metal dá continuidade ao seu relato histórico com uma entrega de profecias horríveis aos seus devotos. É assim que “Deliverance Of Horrific Prophecies” retrata toda essa devoção em prol de algo inútil e que destoa toda a realidade, segundo a escrita musical. “Orando por uma religião moribunda / O senhor vai nos abençoar… / Infortúnio de Deus / O trono está perdido / O destino de Cristo / Era mentira…” – sob urros unidos aos vocais oriundos das profundezas, o fim se aproxima acompanhado dos riffs podres e aterrorizantes, sejam mais rápidos ou mais viajantes, tudo irá pelos ares ao término do ruído massacrante e torturante para as almas que se dizem puras de bondade. Cada vibrato oferecido pelas guitarras é uma alma consumida pelo lado sucumbido da coisa, enquanto suas entranhas são dilaceradas e postas em brasas. A simulação dos grunhidos ao fim da “múzga” exibe bem isso.
Encerrando de forma apoteótica, se é que no inferno usam este termo, McEntee e seus queridos asseclas entregam mais uma sopa de crânios partidos em forma de música. “Eternal Torture” demonstra muito bem como seria o prenúncio de um tortura que se estenderá por toda a eternidade. Sem pestanejar o show de horrores flamejantes recomeça e faz com que a alma de todo ortodoxo fervoroso exploda no ar e vire cinzas, como as de um cigarro de palha. Riffs cadavéricos e cavalares se entrelaçam e formam uma corrente forjada no mais puro aço em chamas, comparadas às lavas de um vulcão em plena atividade eruptiva. Solos são despejados a todo vapor e coloca ainda mais pimenta em toda a horda ardilosa e profana. A parte lírica tem o seu formato como o de um texto corrido, mas vale colocar em primeiro plano algumas estrofes, não é mesmo? “O falecido acorda além do sono / Busca por sangue e luto mortal / Vermes rastejam para fora de seus olhos / Sinta a dor deles, são gritos triste” – sinta toda essa dor, a dor de um pecador e mentiroso que fingiu nos salvar. E com ele, todo plano de governar o mundo através de uma falsa paz, libertando os traidores dos céus e aprisionando todos os que não forem condizentes com toda essa manipulação. Assim se encerra o que eu chamo de artilharia pesada cheia de sujeira e fuligem de cremação a céu aberto. Terminamos por aqui parafraseando os agradecimentos oficiais contidos no disco.
“Obrigado a todos. Discípulos da Blasfêmia, juntos reinamos para sempre nas trevas, enquanto nossas almas percorrem horizontes perdidos, nos entregamos ao Desejo espiritual!”
Observações: algumas versões de “Onward To Golgotha” não possuem a faixa “Eternal Torture”, porém, ela jamais poderia ser deixada de lado até por completar o rodapé do disco de forma magistral.
“Rot in your burning crypts, breaking the gates of life
Deep beneath earth’s abyss
Souls burnt to a dark crisp
Bodies taken from the graves
Buried under sacred dirt
Still embalmed stiff flesh
Skin burnt to the core…”
Nota: 9,6
Integrantes:
- John McEntee (guitarra)
- Craig Pillard (guitarra e vocal)
- Ronny Deo (baixo)
- Jim Roe (bateria)
Faixas:
1. Golgotha
2. Devoured Death
3. Blasphemous Cremation
4. Rotting Spiritual Embodiment
5. Unholy Massacre
6. Entrantment Of Evil
7. Christening The Afterbirth
8. Immortal Cessation
9. Profanation
10. Deliverance Of Horrific Prophecies
11. Eternal Torture
Redigido por: Stephan Giuliano