São Paulo em Chamas – 75ª edição (Live Review): Arena Galeria entra em combustão com a força do underground nacional

É incrível pensar que eu nunca havia presenciado nenhuma edição do São Paulo em Chamas e, somente na 75ª edição é que eu pude dar as caras. Não sei ao certo se eu cheguei a ir em algum evento do “SPemC”, mas o fato é que eu estive no lugar certo e no momento certo.
Embora, o dono do nanquim virtual ainda não esteja em condições de participar de uma boa valsa, ainda sim foi possível curtir o som de ótimos expoentes do underground brasileiro. E, para quem ainda tem dúvida, o bueiro anda lotado de qualidade musical. O que não é novidade para quem vive e respira o subsolo da música pesada.
Outro fato se deve ao tempo que fazia sem que eu colocasse os pés no alto da Galeria do Rock. Isso mesmo! Se não prestou muito a atenção no título, lhe digo que a edição de número 75 do São Paulo em Chamas ocorreu no Arena Galeria, espaço reservado na sobreloja da Galeria do Rock e que só possui acesso através dos elevadores. E uma das coisas bem legais que notei, foi o fato de terem modernizado muitas coisas. Tanto que, os elevadores nem parecem ser de lá. São bem novos, diferentemente das escadas. Porém, não estou aqui para ficar caçando defeitos. São apenas observações de alguém que há bastante tempo não utilizava os elevadores de lá.
Ponto estratégico para shows de pequeno porte
O Arena Galeria tem aberto espaço para muitos shows, sejam de bandas autorais ou covers, e por aí vai. Portanto, tem sido uma ótima rota para eventos e com facilidade em questão de acesso. Afinal, a Galeria do Rock está localizada no coração da cidade de São Paulo, e não há como errar o caminho. E antes de falar sobre quais foram as cavalarias a atacarem vilarejos ortodoxos com sua musicalidade, digo que a área possui um bar e durante o evento tem as áreas de merchandising das bandas participantes e também do próprio estabelecimento. Em suma, um baita rolê!

Os quatro cavaleiros do apocalipse sonoro no São Paulo em Chamas
As bandas participantes foram bem escolhidas, pois são bandas com certo prestígio no cenário underground e carregam um histórico positivo, seja ele mais antigo ou mais recente. Nenhuma das bandas deve nada a ninguém e executam um som honesto e com identidade. Mas os shows também foram bons? Creio que esteja me perguntando sobre e vou te adiantar que sim. São bandas que o público que curte Metal mesmo conhece, pelo menos duas delas são bem conhecidas do público. As outras duas talvez não muito. Mas isso não é problema, pois o que importa é a hora em que ligam os motores e fazem o tanque de guerra trafegar e aniquilar quem estiver no caminho.
Os cavaleiros apelidados em subtítulo foram: Selvageria, Faces of Death, Gravedäncer e Mortal Profecia. Uma curiosidade que será vista a seguir é que Selvageria e Gravedäncer possuem certa ligação musical e o mesmo ocorre com Faces of Death e Mortal Profecia. Muito em questão dos subgêneros, obviamente. Retirados os capuzes e entregues os nomes dos responsáveis pela combustão e explosão da Arena Galeria, vamos de antemão entender o que de melhor ocorreu no anoitecer do dia 30 de agosto, sábado, na Galeria do Rock, São Paulo/SP.

O primeiro que acenda a luz e jogue gasolina no local: Mortal Profecia
Mortal Profecia é uma banda oriunda de Porto Feliz, São Paulo. Porém, se engana quem pensa que a banda é nova. Sua fundação é datada em 1989. A demo “Mortal Pollution” foi lançada nesse mesmo ano. O que carimba por completo o início de sua trajetória. Embora tenha surgido bem antes do que muitos possam imaginar, a banda de Death Metal lançou o seu álbum de estreia somente em 2024, intitulado “From the Ashes”.
O show serviu para divulgar esse recente lançamento, além de mostrar outras faixas mais antigas. Para quem já conhecia a banda de longa data, foi um prato cheio. Afinal, os músicos sabem como fazer um palco entrar em ebulição, mesmo que seja a banda de abertura do evento.

Vale destacar o fato que ocorre com praticamente todas as bandas de abertura dos shows e festivais. O público ainda não se faz presente por completo. Entretanto, quem conseguiu chegar antes viu uma apresentação honesta de uma banda que busca recuperar o passado estagnado e colher bons frutos adiante.
Os destaques em meio ao som podre e caótico vão para os espaços preenchidos pelo baixo, bons solos de guitarra, além de vocal e backing vocal obtendo boas performances. E isso se deve muito pela competência da banda, já que a aparelhagem não faz milagre. A faixa-título do novo álbum e, principalmente, “Cannibal Nation”, fizeram o público agitar bastante e se tornaram os pontos altos da curta apresentação.

O segundo a mergulhar na caldeira: Gravedäncer
Também conhecido como The Outrageous Gravedäncer, a banda pratica o bom e sujo Black/Speed Metal com muitas doses de Speed puro e levadas de Heavy Metal. Tudo isso sempre movido a muito tempero de enxofre. Essa é aquela banda que carrega em suas entranhas muitos elementos de Motörhead, Venom, além de uma leve pitada de Exciter, Sabbat e Living Death. Tudo isso, sendo ao seu modo e com sua respectiva visão musical.
Diferentemente do Mortal Profecia, o Gravedäncer, representante da capital paulistana, surgiu em meados de 2020. Ou seja, iniciou suas atividades em um momento não tão propício para tal, mas que acreditaram nesse trabalho. Portanto, cá estiveram para apresentar o seu material afiado e ríspido. Também possui apenas um disco lançado, sendo o “The First Rite”, de 2023, e também utilizou o palco do Arena Galeria para promover o seu debut e tocar músicas mais antigas também.
O decolar do Rock veloz
Um dos destaques foi a faixa “Black Winds of Doom”, em que a bateria decola. Mas o inesperado sempre pode acontecer e o baixo acabou “sumindo”. “Feasting with the Dead” é uma música muito interessante, se diferenciando das demais por ter sua parte principal cadenciada como passos de monstro. O baixo deveria ser o grande atrativo aqui, mas ainda se mostrava com o som bastante embolado. Houve tempo para apresentarem um som que fará parte do vindouro disco. Seu nome atende por “Sacrifice” e, com um nome desses não poderia deixar de ter um jeitão todo Motörhead, incluindo aquela boa bateria desenfreada. Contudo, isso agradou o público e trouxe certa expectativa para o segundo trabalho do Gravedäncer.

Destaco também “Hellbangers”, dedicada a todos que apoiam o Metal negro. Isso me lembrou uma celebre frase de um amigo meu: “Destruam todos aqueles que apoiam a destruição!” Hahahaha! E ainda tivemos outros momentos legais com a também cadenciada “Guided by the Ancient Ones”, além do Rock veloz contido em “Unholy Bond”.
Homenagem aos criadores de todo esse aparato maravilhoso e imortal chamado Metal
“Children of the Grave” foi o clássico supremo escolhido para homenagear os legados de Ozzy Osbourne e do Black Sabbath. A iniciativa foi bem bacana e o encerramento se deu com “Ripping Metal”, do 1º EP homônimo, assim sendo um outro som rápido.

O terceiro a ensurdecer as almas combalidas e penadas: Faces of Death
Os carregadores de piano do Thrash Metal da velha escola estiveram de volta para passar os seus ensinamentos. As influências encardidas de Slayer, Sepultura (do velho testamento), entre outros grandes nomes da podridão sonora, fazem parte do receituário promovido pelos representantes de Pindamonhangaba, interior paulista. O Faces of Death vem em ampla ascensão após uma retomada nas atividades, assim seguindo o seu caminho e conquistando uma leva de fãs por onde passa.
A banda teve problemas durante a apresentação, com a guitarra do também vocalista Laurence Miranda ficando praticamente nula em meio a um som estourado nas PAs. É bem verdade que o evento em si não representava nada tão grandioso e que está em evolução e expansão, mas ainda acertaram a mão por completo no quesito produção de palco. O próprio palco não ajuda, mas a ideia é promover o som dessas bandas para um público que já frequenta o local, mas que não é tão ou nem um pouco associado ao Metal.
No meio desse entrevero, o Faces of Death trouxe bastante munição e conseguiu agitar os fãs do início ao fim da apresentação. A banda vem realizando apresentações cada vez melhores e mais convincentes, assim mostrando todo o empenho da mesma para tal.

O mal se faz presente
O início da pancadaria veio através de “Priest from Hell”, ótima faixa de abertura do debut intitulado “From Hell” (2018), seguida por “New World Order”, também do mesmo álbum. “Fucking Human Gods”, outra faixa do primeiro álbum, e “Usurper of Souls”, música que dá nome ao segundo álbum de 2020, fecharam a primeira quadra. Completando a quina, tivemos o single que dá nome ao novo disco, “Evil”. Faixa esta que se mostra muito bem ao vivo.
“Blood Cross” e “Stronger Than You” vieram para reforçar o armamento já bastante pesado e incessante. Portanto, as três em sequência fazem parte do álbum “Evil”, lançado em 2023. Além disso, a ordem inicial do tracklist do novo álbum é exatamente essa: “Evil”, “Blood Cross” e “Stronger Than You”, só para ilustrar.

Terror em Barbacena
Lembra do noticiário envolvendo o histórico sombrio do hospital de Barbacena? Então! O Faces of Death fez uma música em que retrata a história das atrocidades envolvendo o hospital psiquiátrico, sendo conhecido como o “Holocausto Brasileiro”. Laurence falou a respeito e anunciou a próxima música: “Terror em Barbacena”. A música por si só já é ótima e ainda por cima recebeu um videoclipe muito bom e convincente. Somado à sensação de presenciar ao vivo, tomou proporções bem maiores e acabou por ser um dos grandes destaques desse show.
“King of Darkness” (“From Hell”) e “Killer… in the Name of God” (“Usurper of Souls”) fecharam o show do Faces of Death. Fecharam mesmo? Ainda não! Pois havia tempo para brincar um pouco mais. E a brincadeira resultou em um medley (funcionou mais como uma descontração durante o ensaio do que qualquer coisa) entre “Raining Blood”, clássica e absoluta faixa do Slayer, e Orgasmatron, grande clássico do Motörhead. A curiosidade maior ficou por conta de um cara ter subido no palco de um degrau de altura e começado a berrar na hora do refrão. Em resumo, virou uma baguncinha em família. A família do Metal.
Outra menção importante é o fato de que o baterista Igor Nogueira fez aniversário e comemorou ao melhor estilo, ou seja, fazendo o que gosta que é tocar bateria. E, certamente, isso trouxe ainda mais empolgação para tornar o Faces of Death a grande atração da noite, embora ainda tivéssemos outro excelente nome do underground nacional para tocar.
Setlist – Faces of Death
1. Priest from Hell
2. New World Order
3. Fucking Human Gods
4. Usurper of Souls
5. Evil
6. Blood Cross
7. Stronger Than You
8. Terror em Barbacena
9. King of Darkness
10. Killer… in the name God

O último que sair também será aplaudido: Selvageria
Mais um power trio, sendo este mais conhecido pelo público e, certamente, o nome que realmente deveria fechar a noite. Embora eu tenha preferência pelo som do Faces of Death, o Speed Metal puro do Selvageria me chama bastante atenção. O motivo é, principalmente, pelas semelhanças com bandas das quais gosto muito, como o Exciter, só para exemplificar. Entretanto, o Selvageria pratica o bom e maravilhoso Rock veloz ao seu modo. E sim, eu citei o Exciter por também ser uma banda em que o baterista é quem comanda os vocais. Enquanto Dan Beehler comanda as vozes do time canadense, o baterista Danilo Toloza comanda os vocais de seu time.
O Selvageria funciona muito bem nesse formato e pode comprovar nessa noite ao tocar músicas de seus dois álbuns de estúdio. São eles: “Selvageria” (2009) e “Ataque Selvagem” (2017).
Contudo, a apresentação da banda também teve problemas técnicos e isso acabou reforçando um lado importante dos guerreiros do Metal no palco. Na maioria dos solos, a guitarra do César Capi não funcionava e, por algumas vezes, até mesmo os riffs ficaram em silêncio. Mesmo assim, o Selvageria perseverou e seguiu tocando do jeito que dava. Se um estava com problemas, os outros dois seguiram e tiveram o total apoio do público. Os headbanger presentes mostraram a sua força e ajudaram o Selvageria a seguir em frente. Foi uma verdadeira união do Metal entre público e banda. E isso, com toda a certeza, foi muito gratificante de presenciar.

O aço prevaleceu por entre os percalços
Me impressionou saber que tinha um pessoal ávido para ver o Selvageria ao vivo e isso foi posto à prova logo quando os três integrantes começaram a afiar seus armamentos musicais.
A abertura contou com “Metal Invasor”, faixa do álbum autointitulado. Possui boa cadência no início depois vem a pancada, regada ao bom e afiado gritinho “speedeiro”. Após a primeira curva, já emendaram na faixa que dá nome à banda!
“Avante guerreiros, escutem o som
que está bem perto de nós,
sinta a força do punho esmagador
SELVAGERIA”
Mais duas músicas foram tocadas: A ótima “Na Lâmina da Foice” (“Selvageria”) e “Cavaleiro da Morte” (“Ataque Selvagem”), a qual possui um trecho acelerado de bateria muito bom. Cortesia do também vocalista Danilo Toloza.
O céu já estava escuro e serviu como pano de fundo para “Cinzas da Inquisição” (Selvageria). Entretanto, apesar de soar muito bem ao vivo. O pedal da guitarra começou a falhar. Na hora do solo desligou e não funcionava direito nem a porrete. O batera/vocal tentou arrumar.
Após esse perrengue, os fãs foram brindados com “Águias Assassinas” (“Selvageria”). Em certo instante, subiu uma moça para cantar o refrão. Era tudo festa e todos estavam felizes e a serviço do Metal. Essa faixa possui elementos de Thrash nos momentos de decolagem da mesma. Uma pensa que, novamente o pedal falhou no solo de novo e apagou no final do solo. Porém, o Selvageria nunca desiste da batalha!

O som que vem do céu – uma alusão a Thor
Após agradecimentos ao público e as bandas, o vocal disse em sua melhor apresentação de uma música:
“Esse som vem do céu.”
Ele dizia: “Trovão”; e o público completa o nome da música ao dizer: “De Aço”! E após três vezes, foi anunciada “Trovão de Aço” (Selvageria). Sem sombra de dúvida, a melhor do repertório. Trata-se do arrasa-quarteirão da banda.
A festa acontecia na beira do palco e todo mundo se esquecia dos problemas durante o show. Isso serviu de espaço para “Legião Invencível” (“Ataque Selvagem”) ser tocada e cantada por quase todos. Aquele refrão simples e pegajoso para ninguém botar defeito. Vale destacar que, além das palhetadas rápidas o solo funcionou!
Por fim, a confraternização se encerrou com o verdadeiro “Hino do Mal” (“Selvageria”), contendo uma parte mais lenta e ganhando destaque por esse diferencial bem executado. O povo invadiu o pequeno palco e muitos tiraram fotos com a banda quase como se fossem integrantes dela.
Setlist – Selvageria
1. Metal Invasor
2. Selvageria
3. Na Lâmina da Foice
4. Cavaleiro da morte
5. Cinzas da Inquisição
6. Águias Assassinas
7. Trovão de Aço
8. Legião Invencível
9. Hino do Mal
Considerações finais
Em resumo, o Arena Galeria oferece um espaço bem pequeno e com um palco muito baixo. É um lance bem underground mesmo e que está avançando edição após edição. As bandas se viraram como podiam e, mesmo com um equipamento não tão bem alinhado para o que as bandas exigiam, ainda sim conseguiram fazer o público agitar bastante.
Decerto, quem tocava depois acabava sendo favorecido por um número maior de pessoas a conferir o show. Todavia, não é necessário dizer quem se saiu melhor. Afinal, não se trata de nenhuma competição, mas sim de união em prol de um ideal. União pelo Metal. E claro que isso pode parecer um tanto cafona, mas a premissa é essa e os shows rolaram numa boa. Mesmo com todas as bandas tendo problemas com seus respectivos instrumentos.
O Arena Galeria é um espaço muito bacana e importante para quem quer conferir algo mais em conta e ainda apreciar o que de melhor a Galeria do Rock oferece. E em meio a tudo isso, o evento terá uma evolução em questão de produção cada vez melhor. E outro ponto a ressaltar é a renovação do público. Ela está acontecendo e muitos desavisados não estão percebendo isso.
É só ir aos shows que será bastante perceptível. A molecada está realmente interessada no Heavy Metal e as bandas que estiveram “in action” no São Paulo em Chamas foram e são de suma importância para essa nova geração, além dos próprios metalheads de barba branca, que somam forças com todos.
Que a união pelo Metal não resulte em mais panelas!…