Você já percebeu como é complexo o código genético do ser humano? A separação perfeita entre os genes de nossos progenitores resultam numa codificação única para cada ser. Por mais que exista características em comum de um ou de outro, o ser gerado é unitário, com pensamentos, características e atitudes únicas. Mesmo que cresça junto a uma estrutura familiar, o produto final será diferente e, certamente, um produto do meio em que vive. É interessante observar como estes assuntos (renovação, reprodução e criação) são coisas tão recorrentes não apenas em nosso planeta, mas no nosso universo. Todos estamos suspensos em um imenso mar de matéria escura que não para de ser expandir. Já foram comprovadas que existem mais de 300 sextilhões de corpos celestes em toda essa extensão. Imaginar que a terra seja a única com ‘vida’, talvez não seja algo muito inteligente.
A verdade é que dentro desse contexto, diversos tipos de processos serão replicados de forma sucessiva. A observação e o estudo de toda esta cadeia de acontecimentos inegavelmente resultará em criações, renovações e aprendizados. Talvez por termos vidas tão curtas, isso possa parecer uma desculpa bem articulada ou uma falácia filosófica, mas é a tentativa que gera o erro e o erro que dará origem a uma nova tentativa. Dessa forma, isto irá se repetir até que ocorra um erro crítico ou um acerto convicto.
O conceito do Obscura
E você deve estar pensando: qual o motivo de uma volta tão grande?
Caro leitor, como eu poderia simplesmente introduzir o conceito por trás do Obscura sem antes um prefácio explicando os dois princípios primordiais por trás da banda.
- A banda tem origem fomentada em grupos distintos, unindo diversos ‘DNA’s’ e criando algo com uma assinatura tão peculiar que chega a ser inovador, principalmente, para a época em questão.
- Processo de constante aprendizagem e mudança. Por mais que possamos observar uma discografia sólida, os alemães passaram por várias épocas criativas bastante distintas. Para estarem onde estão hoje, sobreviveram a um consistente processo de amadurecimento.
Quem é Obscura?
Bem, sem mais delongas, vamos de fato ao que importa. Obscura é um grupo de Death Metal Progressivo das terras da Bavária, Alemanha. Liderados pelo vocalista e guitarrista Steffen Kummerer, o grupo possui 6 discos acima da média em sua carreira. Nascida em 2002, lançaram em 2006 o disco “Retribution”. Uma espécie de junção muito bem feita entre Gorguts e Death (fase mais progressiva da banda). O disco chamou a atenção pela som cru, mas também pelos aspectos progressivos extremamente bem construídos. Os vocais de Steffen também se mostraram bem versáteis e encaixaram muito bem com a proposta musical. Graças a isso, o lançamento chamou atenção de grandes gravadoras, sendo que a banda assina contrato com a Relapse Records.
Pequena retrospectiva Relapse/Obscura
Essa parceria rendeu 4 discos maravilhosos. Sendo eles: “Cosmogenesis” (2009) – contendo faixas atemporais que mantinham uma linha mais voltada para o old school como “The Anticosmic Overload”, “Incarnated” e “Cosmogenesis”; “Omnivium” (2011) – com um amadurecimento maior do grupo, aqui temos composições mais inspiradas e trabalhadas, há canções profundas e muito técnicas, mas sem deixar o lado brutal e pesado. “Ocean Gateways” é um exemplo excelente para mostrar como ser obscuro sem perder a técnica e a graciosidade;
Seguindo, temos “Akróasis” (2016) – onde a evolução parece estar completa. Um disco inteiro recheado com técnica e trabalho dignos de orgulhar uma geração inteira. Os vocais de Steffen parecem que agora encontraram a forma perfeita de expressão. A faixa-título é a resposta certeira para a assimilação de toda a carreira da banda; Com elementos dignos para ovação, temos “Diluvium” (2018) – talvez um pouco apagado por conta do desempenho de seu antecessor, esse disco não explodiu tanto, mas seguindo a linha de composição de seu irmão, o álbum é excelente e possui faixas marcantes como “Clandestine Stars”, “Mortification Of The Vulgar Sun” e “Convergence”.
Com a Nuclear Blast
Já em anos recentes, a banda assinou com a Nuclear Blast e anunciou o lançamento de “A Valediction” (2021). Sem deixar de lado o cerne do grupo, temos um disco rápido, inspirado e cheio de composições complexas e marcantes. Destaco “A Valediction” e “When Stars Collide”, mas temos passagens que nos remete os primeiros lançamentos, como a cadenciada e densa “Devoured Usurper”. Isso abriu um precedente maravilhoso para aqueles fãs de longa data que esperam poder ouvir novamente Steffen e seus comparsas apresentando o bom e velho Death Metal.
Com esta feita, é anunciado para 7 de fevereiro de 2025 o tão esperado “A Sonification”. Antes de entrarmos no conceito do disco, vamos entender que aconteceram muitas mudanças no lineup. Os membros de longa data, Christian Münzner (guitarra) e Linus Klausenitzer (baixo) saíram. A banda foi então totalmente refeita, mantendo apenas Steffen como membro original. Agora temos Robin Zielhorst no baixo (Crown Compass, ex-Cynic), James Stewartna na bateria (Bloodshot Dawn, Decapitated, ex-Vader) e Kevin Olasz completando as guitarras (God Enslavement). Já a belíssima arte da capa é assinada por Eliran Kantor.
Vamos ao lado musical do disco!
A Sonification – A Sonata Obscura!
Mencionei acima que um dos pontos do Obscura é a união de influencias criando algo belíssimo. Isso pode ser observado claramente na abertura do disco. “Silver Lining” possui um conceito maravilhoso de fé cega e utopia. Lembrando brevemente a apresentação de mestres da ficção como Asimov em boa parte de seus livros e Herbert com o clássico Duna, a música se apega as linhas técnicas, com guitarras rápidas e vocais melancólicos e desesperados. Uma cozinha brutal encontra linhas de guitarra agudas que nos transportam para um universo desprendido da realidade. Estamos falando de algo totalmente futurista, baseado em crenças e uma política deforme. O clipe desta obra é tão bom quanto a faixa em si e representa bem o contexto ficcional empregado.
A segunda faixa é o segundo single e também o segundo videoclipe do disco. “Evenflall” é densa e introspectiva, a canção apresenta o questionamento e a dúvida como sendo a resposta para cada evolução pessoal.
“O amanhecer e o vazio, esquecidos por Deus, nossos restos mortais em massa negra… Estamos amaldiçoados, estamos abandonados agora, estamos escravizados em um campo de felicidade!”.
Conceito e apresentação
O abismo e a solidão nos fazem evoluir e ser mais que apenas seres existentes. Apesar da profundidade da música, aqui observamos uma construção um pouco mais simples perto do trabalho do grupo em geral. E isto me relembrou algumas passagens de faixas como “Prismal Dawn”, do registro de 2011. Esta canção mostra que o Obscura tem ideias diferentes para este novo lançamento, mesmo quando se aprofunda dentro de sua própria discografia.
Chegamos ao terceiro elemento do trabalho, “In Solitude”. Lembra que mencionei erros e acertos? Pois bem, aqui vemos como o tempo foi generoso para a banda. Seguindo o estilo básico que nos é apresentado há anos, ouvimos uma faixa que une o old school com esta novíssima essência. As ambientações são como suaves mergulhos em um mar agitado por riffs brutais, a melodia branda vai sendo incorporada a uma cozinha perturbadoramente não linear, nos fazendo encarar um pequeno caos organizado. Sendo assim, somos agraciados com mais uma faixa seguindo esse padrão: a curta, porém matadora, ‘The Prolonging’. Com pouco mais de 2 minutos de duração, mas certamente uma presença indispensável para o bom funcionamento do tracklist.
O fim (ou quase)
Quebrando o ritmo e dando inicio ao segundo ato do álbum, ouvimos o instrumental “Beyond The Seventh Sun”. Para aqueles que já acompanham a minha trajetória como resenhista, sabem que sou bem crítico com canções instrumentais, mas nesse caso, ouvimos uma faixa que soma e muito para o bom andamento da obra. Situando o ouvinte em relação a técnica da banda e ao peso, que desta vez está bem dosado, ouvimos aquela canção que serve como uma espécie de interlúdio para deixar os pensamentos e reflexões tomarem seus lugares em nossa mente.
A tríade final do disco é o ponto mais alto. “Stardust” inicia com uma atmosfera agressiva, mas dolorosa. Levando o ouvinte a questionar sua insignificância em meio a imensidão espacial. Dessa vez preciso elogiar o trabalho primordial da cozinha, que não rouba a cena, mas se mantém rápida e direta, mesclando técnica com a agressividade de outrora. “The Sun Eater” talvez seja o elefante por trás da bancada que tenha conquistado meu coração. Trazendo novamente os guturais mais obscuros e um ritmo quebrado, essa faixa uniu perfeitamente a atmosfera introspetiva do registro com aquela veia mais brutal e agressiva já conhecida dos alemães. A bateria cadenciada é acompanhada de toques mais sutis do baixo que soa tão singular que cria quase que a musica ideal. Podemos sentir o desespero, o medo, mas com um ímpeto feroz indescritível.
Magnum Opus
Estou tirando uma parte completa para falar desta faixa pois para mim seria muito difícil a banda conseguir repetir a dose do que fizeram com “Akroásis”, canção de 2016. Essa faixa foi algo que explodiu a mente desse que vos escreve naquele ano. Parecia que eu jamais tinha ouvido algo tão bem produzido ou construído, era como se “Human” do Death encontrasse com “The Erosion Of Sanity” do Gorguts e acrescentassem ainda um pouco do “Piece Of Time” do Atheist. Aquilo tinha uma identidade única, e ainda assim, você conseguia ouvir as inspirações. Em 2020, a faixa tomou um rumo único na minha história pessoal, e foi algo que ajudou a acalmar minha mente em meio a um período tão conturbado. Ouvir incontáveis vezes aquele som, não me fez enjoar, mas sim amar ainda mais aquelele tipo de construção.
Eis que estamos em 2025 e o Obscura conseguiu repetir a dose. Apresentando uma proposta um pouco diferente, “A Sonification” tem características surpreendentes. Do começo até o fim da música, a sensação de êxtase é inexplicável. Com viradas únicas, a junção entre o antigo e novo acontece de forma tão perfeita que o ouvinte sente vontade de repetir a audição completa do disco apenas para chegar novamente nessa faixa. Aliás, ela ocupa o lugar exato que deveria, finalizando uma obra não menos que sensacional.
Conclusão e esperança
É verdade que ouvi por anos pessoas que reclamam do estilo apresentado pelo Obscura, muitas afirmando que o grupo não tem uma linha de som única e lança trabalhos inconstantes por isso. Talvez, falte entender que a característica deles seja unir diversas escolas em uma só, e isso faz com que a banda seja tão única, eles transformam todas as suas inspirações em um ato excelente que apresenta Metal da melhor qualidade e reflexões inteligentíssimas. Neste disco ouvimos tudo isso. Temos uma banda ajustada e com a certeza de que podem chegar onde querem. Isso nos anima para os próximos trabalhos. Que venha muito mais!
Nota: 9,0
Integrantes:
- Steffen Kummerer (vocais e guitarras)
- Kevin Olasz (guitarras)
- Robin Zielhorst (baixo)
- James Stewartna (bateria)
Faixas:
- Silver Linings
- Evenfall
- In Solitude
- The Prolonging
- Beyond The Seventh Sun
- Stardust
- The Sun Eater
- A Sonication